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Formas de violência identificadas na Delegacia Especializada do Idoso

5 DA (IN) EXISTÊNCIA DE UMA REDE DE APOIO À PESSOA IDOSA

5.5 Formas de violência identificadas na Delegacia Especializada do Idoso

No sentido de identificar o perfil dos agressores e os fatores determinantes para a prática da violência contra idosos, recorreu-se aos boletins de ocorrência instaurados na Delegacia Especializada do Idoso, em Teresina – Piauí.

A avaliação dos boletins de ocorrência instaurados entre os anos de 2013 a 2014, na Delegacia Especializada do Idoso demonstrou o seguinte resultado:

Tabela 5 – Tipo de relação dos agressores com a vítima

RELAÇÃO DE PARENTESCO TOTAL %

Filha 45 33,33 Filho 39 28,89 Neta 1 0,74 Neto 43 31,85 Sobrinho 1 0,74 Vizinha 1 0,74 Esposa 1 0,74 Enteados 2 1,48 Cuidadora formal 2 1,48 TOTAL 135 100

Fonte: Delegacia Especializada do Idoso (tabela produzida pela autora)

Ao todo foram analisados 135 (cento e trinta e cinco) boletins de ocorrência, e investigados os delitos de maus tratos, lesão corporal (violência doméstica), ameaça e injúria.

Os dados levantados pela pesquisa em análise apontam na direção de que o grau de parentesco que mais predomina como agressor é o de filhas, representando 33,33% (trinta e três vírgula trinta e três por cento), seguido dos netos que totalizam 31,85% (trinta e um vírgula oitenta e cinco por cento), havendo apenas o registro de 01 (uma) neta. Os filhos representam 28,89% (vinte e oito vírgula oitenta e nove por cento), como se observa na Tabela 5.

Ainda de acordo com a Tabela 5, em relação ao gênero, os homens agridem mais, contabilizando netos e filhos o índice chega a 60,74% (sessenta vírgula setenta e quatro por cento), em desfavor de filhas e netas que totalizam 34,07% (trinta e quatro vírgula sete por cento).

Esse índice eleva-se ainda mais quando se contabilizam o gênero masculino usuário de drogas e/ou álcool: ao todo 76,47% (setenta e seis vírgula quarenta e sete por cento) agressores usuários de drogas e/ou álcool; e em relação ao gênero feminino a soma atinge 64% (sessenta e quatro por cento), agressoras usuárias de drogas e/ou álcool. Entretanto, apenas 23,52 % (vinte e três vírgula cinquenta e dois por cento) são agressores não usuários de drogas e/ou álcool do gênero masculino, e 36% (trinta e seis por cento) agressoras não usuárias de drogas e/ou álcool, como demonstra a Tabela 6.

Tabela 6 – Relação gênero – consumo de drogas/violência Gênero Agressor/usuário de drogas e álcool % Agressor/não usuário de drogas e álcool % Masculino 65 76,47 20 23,52 Feminino 32 64 18 36

Fonte: Delegacia Especializada do Idoso (tabela produzida pela autora)

Em relação ao fator “usuário de drogas ou não”, a maioria é do sexo masculino, 76,47% (setenta e seis vírgula quarenta e sete por cento); sendo 64% (sessenta e quatro porcento) do sexo feminino; e todos afirmaram ter praticado a violência quando estavam sob o efeito das drogas ou do álcool.

Os índices dispostos na Tabela 7 demonstram que em todas as formas de violência avaliadas, a vítima predominante é do sexo feminino, 54,81% (cinquenta e quatro vírgula oitenta e um por cento), ao passo que a vítima masculina alcança o índice de 45,19% (quarenta e cinco vírgula dezenove por cento).

Tabela 7 – Tipo de delito – vítima

DELITOS Vítima/sexo feminino % Vítima/sexo masculino %

Maus tratos 9 6,67 7 5,19 Lesão corporal (Violência doméstica) 19 14,07 17 12,59 Ameaça 32 23,70 28 20,74 Injúria 14 10,37 9 6,67 135 74 54,81 61 45,19

Fonte: Delegacia Especializada do Idoso (tabela produzida pela autora)

A Tabela 8 demonstra que em relação aos delitos de maus tratos e injúria, predomina como agente agressor o sexo feminino com percentual de 19,26% (dezenove vírgula vinte e seis por cento), contra 11,12% (onze vírgula doze por cento); diferentemente dos delitos de lesão corporal (violência doméstica) e ameaça, em que predomina o sexo masculino como agressor, 52,18% (cinquenta e dois vírgula dezoito por cento) em relação a agressoras mulheres, 17,78% (dezessete vírgula setenta e oito por cento).

Tabela 8 – Tipo de delito – agressor

DELITOS Agressor /sexo feminino % Agressor /sexo masculino %

Maus tratos 11 8,15 7 5,19

Lesão corporal (Violência doméstica)

11 8,15 23 17,37

Ameaça 13 9,63 47 34,81

Injúria 15 11,11 8 5,93

135 50 37,37 85 64,44

Os dados revelam que a maioria das vítimas encontra-se numa faixa etária entre 65 (sessenta e cinco) a 78 (setenta e oito) anos e possui discernimento, embora alguns detenham dependência física, e recebam alguma renda ou benefício.

Gráfico 6 – Faixa etária das vítimas

Fonte: Delegacia Especializada do Idoso (gráfico produzido pela autora)

É comum o agressor residir no mesmo lar que o idoso-vítima. Cerca de 95% (noventa e cinco por cento) dos agressores vivem no mesmo espaço físico que a vítima e dependem financeiramente do idoso, seja de forma total ou para complementar a renda familiar.

vítimas com faixa etária entre 65 a 78 anos

vítimas com faixa etária acima de 80 anos

Gráfico 7 – Agressores residentes ou não com a vítima

Fonte: Delegacia Especializada do Idoso (gráfico produzido pela autora)

Os dados apurados a partir dos boletins de ocorrência analisados apontam como características do agressor: a) residir na casa da vítima; b) ser, na maioria dos casos, o cuidador informal responsável pelo idoso; c) ser usuário de drogas e/ou álcool.

Os delitos selecionados (maus tratos, lesão corporal - violência doméstica-, ameaça e injúria) configuram as formas de violência mais comuns denunciadas na Delegacia, contudo, quem lidera o ranking é o abuso financeiro, ou seja, o agressor geralmente pratica um dos delitos citados com o fim maior de usufruir dos recursos monetários do idoso, e o estelionato.

No que diz respeito à violência doméstica, o dispositivo encontra-se previsto no artigo 129, § 9º, do Código Penal. Trata-se de alteração ao delito de lesão corporal introduzida pela Lei nº 10.886 de 17 de junho de 2004.

Por violência doméstica entende-se a lesão corporal cometida contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, em âmbito familiar, como dispõe o artigo 129, § 9º, do Código Penal:

Lesão corporal

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

agressores que residem com a vítima

agressores que não residem com a vítima

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. [...]

Violência Doméstica

§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

É válido destacar que a violência doméstica de que trata este artigo difere da intrafamiliar. A intrafamiliar, como já explicado no capítulo quatro, é aquela que pode ser praticada por parentes com laços naturais ou por afinidade, contra a pessoa idosa, no âmbito do lar ou fora dele (espaço de convivência do idoso). Dessa forma, a violência intrafamiliar “pode ser cometida dentro ou fora de casa por algum membro da família, incluindo pessoas que passam a assumir função parental, ainda que sem laços de consangüinidade” (BRASIL – Ministério da Saúde, 2001, p. 15), tendo ainda por agravante a relação de confiança que a vítima deposita no agressor.

Quanto ao delito de ameaça, esse se configura quando o agente tenta intimidar a vítima através de palavras ou gestos, conforme se lê no artigo 147 do Código Penal:

Ameaça

Art. 147. Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.

Já a injúria discriminatória está presente no artigo 140, § 3º do Código Penal que assim dispõe:

Injúria

Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.

§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (grifo nosso)

As injúrias praticadas contra os idosos são as ofensas ou xingamentos que visam insultar ou atingir sua dignidade, comumente expressos nos termos: “velho burro”, “velho decrépito”, “demente”, “imprestável” etc.

Ademais, não foi encontrado um registro sobre tortura contra idosos. A princípio nos leva a alguns questionamentos: pode existir tortura contra idoso? Em caso afirmativo, porque então os delitos de tortura não estão sendo denunciados?

A resposta a esses questionamentos explica-se a seguir. O delito de tortura, como já se discorreu no capítulo terceiro representa um plus em relação ao delito de maus tratos.

A caracterização dos maus tratos em relação ao idoso prevista no artigo 99 do Estatuto do Idoso traz a exposição ao perigo à integridade física e mental do idoso submetendo-o a condições desumanas ou degradantes, com privação de alimentos e cuidados indispensáveis, e ainda a sujeição ao idoso de trabalho inadequado ou excessivo, sem finalidade específica. Já na tortura, a caracterização do delito é expressa na vontade de praticar o sofrimento por poder, prazer, ódio, que faz da tortura o diferencial dos maus tratos.

Se o idoso é agredido todos os dias por cuidador com tapas e empurrões, e ainda é privado de cuidados indispensáveis, trata-se de maus tratos. Se, no entanto, a agressão todos os dias é feita demonstrando cintas e vassouras com os quais o idoso será agredido caso não fique quieto, ou ainda é agredido porque seu cuidador sente prazer em lhe causar sofrimento, resta configuradas a tortura psicológica e a física.

Então, no caso concreto deve-se avaliar qual o desejo ou vontade do cuidador quando agride a vítima idosa. A motivação e o dolo são fundamentais, portanto, para estabelecer se o sujeito ativo do delito responderá por maus tratos ou tortura, pois não se pode esquecer que a tortura não é só a física, que deixa marcas, mas existe também a psicológica.

O que se verificou, quando dos boletins de ocorrência, foi a caracterização do art. 99 do Estatuto do Idoso como delito de maus tratos contra idoso, enquanto os delitos de tortura restaram prejudicados em razão de alguns boletins de ocorrência não possuírem maior detalhamento sobre a intenção ou motivo da finalidade específica do agente que é melhor auferida quando do procedimento processual, não se encontrando dessa forma nenhum registro de tortura nos boletins de ocorrência da Delegacia Especializada do Idoso.

Por isso, delitos de tortura têm ocorrido e sido veiculados na mídia como maus tratos, como o caso de uma filha que foi flagrada em um vídeo praticando atos de violência contra o próprio pai de 94 (noventa e quatro) anos, no município de Floriano, Estado do Piauí. A filha, cuidadora, aparece nas gravações empurrando a cabeça do idoso com a mão e com uma vasilha. O idoso recebe empurrões, pancadas na cabeça, socos no rosto e uma forte cotovelada nas costas (Globo, 2015).

É de fundamental relevância a verificação do fim visado pelo agente ativo do delito, dos motivos que o levaram a praticar qualquer conduta agressiva ou violenta contra o idoso e do exame de personalidade do cuidador agressor para que se possa tipificar corretamente a

matéria, tratar do cuidador agressor, e se possível minorar as causas que geram essa conduta. Em capítulo específico foi abordada a motivação e o dolo na prática da violência contra o idoso.