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2 O IDOSO E O CONTEXTO CONTEMPORÂNEO DO

2.4 O Idoso-cidadão

Cidadania hoje aborda uma gama de novos conceitos, tais como cidadania inclusiva, participativa, ativa, passiva, cosmopolita, diferenciada, multicultural etc. No entanto, o termo, quando de seu surgimento, não possuía a conotação que hoje se lhe é dada: a concepção geral de ação e inclusão.

Na Grécia antiga, o termo tinha caracteres mais exclusivos, pois em verdade separava aqueles sujeitos que ativamente participavam das decisões políticas na polis, daqueles outros que não possuíam tal virtude cívica, como os escravos, as mulheres, crianças, artesãos e estrangeiros, que desempenhavam funções socioeconômicas diversas na comunidade. Alguns indivíduos eram sujeitos políticos, cidadãos, outros eram tão somente sujeitos econômicos, reprodutivos ou educativos (ALÁEZ CORRAL, 2006, p. 26).

Por convenções, aqueles indivíduos que supostamente eram dotados de capacidade para os assuntos da polis eram denominados cidadãos, ao passo que os outros, por situações as mais variadas, que não possuíam tal qualidade, eram excluídos. A vida ativa na polis, designando o atuar político era, portanto, um privilégio concedido a poucos homens.

Na polis enaltecia-se no homem cidadão a qualidade do zoom politikon aristotélico, o homem como ser político, ao passo que os demais assuntos que não diziam respeito ao coletivo, estavam situados na esfera do privado. A esfera da polis era a pública, e os homens, os cidadãos que ali se encontravam eram livres, isto é, estavam entre seus pares, entre homens iguais. O participar das assembleias de forma atuante, de votar sobre os assuntos da polis era prerrogativa concedida ao cidadão.

Havia direitos e deveres peculiares aos cidadãos, como por exemplo, eram obrigados a cumprir a religião da cidade, bem como tinham direito de ter acesso aos templos, cultuar as divindades e assistir aos sacrifícios oferecidos aos deuses. Os estrangeiros, uma das categorias de excluídos da cidadania, não gozavam de tais direitos. E a restrição era tão severa que se o estrangeiro entrasse no recinto sagrado, que o sacerdote havia preparado para a assembleia de cidadãos, tinha por punição a morte (FUSTEL DE COULANGES, 2006, p. 306).

No mundo romano também a cidadania “[...] se constitui a partir de um conjunto variável de direitos e deveres de participação política e socioeconômica, atribuídos como privilégios a um número reduzido de indivíduos, os cidadãos romanos” (ALÁEZ CORRAL, 2006, p. 29).

É a partir da expansão territorial do império romano que se dá, de certa forma, um crescimento político e econômico, o que resulta também na ampliação do significado de cidadão, inclusive para abranger os povos conquistados, num aspecto mais inclusivo.

A cidadania romana passa a ser concedida a grupos de indivíduos federados ou aliados de Roma, e com o Edito 212 do Imperador Caracalla, a cidadania é ampliada a todos os súditos livres do Império. E mesmo com essa amplitude, a participação política quase nunca era atribuída aos novos cidadãos (ALÁEZ CORRAL, 2006, p. 30-31). Aqui, embora mais inclusiva, a cidadania ainda exclui mulheres, crianças e escravos.

O fato é que a cidadania de outrora, vista enquanto grupo de homens possuidores de participação política ativa na polis, vai aos poucos se desagregando até formar um novo conceito de cidadania, atualmente entendido como inclusivo (ao menos teoricamente na maioria das vezes), e participativo (na esfera civil, política e social). E paralelamente, pode-se afirmar, formando também um novo conceito de nacionalidade.

Embora não seja objeto desse capítulo, mister traçar a diferença entre cidadania e nacionalidade, pois muito se discute sobre os termos, sem atentar-se ao seu significado atual. Por cidadania, entende-se “[...] uma categoria político-jurídica de atribuição à pessoa humana

de determinados direitos (civis e políticos) e também de deveres em face da comunidade à qual pertence” (SORTO, 2002, p. 43). Já a nacionalidade “[...] refere-se ao vínculo que a pessoa tem com determinada comunidade política organizada soberana e estatalmente num dado território” (SORTO, 2002, p. 42).

A cidadania engloba, portanto, direitos civis, políticos e sociais, mas também pressupõe possuir deveres, ao passo que a nacionalidade pressupõe um vínculo jurídico que se mantêm com determinado Estado. Afirma-se que se tem uma única cidadania, mas se podem ter várias nacionalidades, numa perspectiva constitucional cidadão e nacional se equivalem, considerando que tem o vínculo jurídico nacional é o que goza das garantias fundamentais (HABERMAS, 1997, p. 159).

Numa expressão de cidadania, direitos são reclamados, com fundamento jurídico no vínculo nacional, por diversas minorias como negros, mulheres, sem teto, desempregados, idosos etc., que de alguma forma ainda são excluídos de moradia, saúde, trabalho, lazer, condições mínimas de existência e convivência dignas no Brasil.

A história do Brasil é sui generis, possui características próprias, principalmente, em se tratando da cidadania, pois diferentemente do modelo inglês apresentado por Thomas Marshall (1967)4, a conquista dos direitos sociais no Brasil antecederam aos políticos e aos

civis.

Mesmo assim, pode-se dizer que existem semelhanças na medida em que foi sendo gradativamente inclusiva através das conquistas dos direitos de determinadas categorias ao longo da história, como por exemplo, a cidadania feminina, que não faz parte de um passado longínquo.

E nesse diapasão, muitos outros grupos foram conquistando direitos civis, políticos e sociais, completando assim o núcleo do que se entende por cidadania, mesmo a passos históricos às vezes lentos.

Na categoria específica dos idosos, é possível referir as reivindicações de grupos de idosos relacionadas ao fato de o Brasil não contar com cultura e infraestrutura para lidar com o crescente índice de pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, resultando em violação de direitos dos idosos num quadro de violência que atenta contra a vida, a liberdade,

4 Thomas Marshall afirma que na Inglaterra a cidadania se desenvolveu a partir da conquista dos direitos civis,

a igualdade, dentre outros direitos que compõem o núcleo da cidadania, reforçando uma cultura que tem o idoso como um produto descartável do mundo capitalista e de não reconhecimento do idoso como cidadão, que muito contribui ao desenvolvimento da nação.

O quadro legal protetivo do idoso demanda ações integrativas para serem desenvolvidas no seio familiar, nas escolas, nos bairros, nas comunidades que propiciem o resgate e a afirmação da cidadania do idoso.

É importante mencionar que o preâmbulo do Princípio das Nações Unidas em Favor das Pessoas Idosas, de 1991, traz o reconhecimento pela contribuição dada pelas pessoas idosas às sociedades:

A Assembleia Geral,

Apreciando a contribuição dada pelas pessoas idosas às suas sociedades, Reconhecendo que, na Carta das Nações Unidas, os povos das Nações

Unidas se declaram, nomeadamente, decididos a reafirmar a fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de um conceito mais amplo de liberdade,

Ao longo de suas determinações, o Princípio afirma que os idosos devem permanecer integrados na sociedade, participar ativamente na formulação e execução de políticas que afetem diretamente o seu bem-estar e outras como cidadão que é, como o citado a seguir:

7. Os idosos devem permanecer integrados na sociedade, participar activamente na formulação e execução de políticas que afectem directamente o seu bem-estar e partilhar os seus conhecimentos e aptidões com as gerações mais jovens.

Dessa forma, mais uma vez garante-se participação ativa do idoso, bem como se reconhece o seu status de cidadão e de pessoa humana. E ainda recomenda-se que os idosos devam gozar dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, e que devem ter acesso aos recursos educativos, culturais, espirituais e recreativos da sociedade.

Em 2002 aconteceu em Madrid a Segunda Assembleia Mundial das Nações Unidas sobre o envelhecimento, de onde se elaborou o II Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento, que reafirmou a inclusão, participação e colaboração do idoso para o desenvolvimento das sociedades, num reflexo da cidadania.

Artigo 6º

O mundo moderno possui riqueza e capacidade tecnológica sem precedentes e nos dá extraordinárias oportunidades: capacitar homens e mulheres para chegar à velhice com mais saúde e desfrutando de um bem-estar mais pleno;

buscar a inclusão e a participação total dos idosos nas sociedades; permitir que os idosos contribuam mais eficazmente para suas comunidades e para o desenvolvimento de suas sociedades, e melhorar constantemente os cuidados e o apoio prestados às pessoas idosas que deles necessitam.

A Política Nacional do Idoso, Lei nº 8.842/94, em seu art. 3º estabeleceu a cidadania do idoso como princípio, e em seu art. 4º determinou como diretrizes formas participativas e de convívio do idoso entre as gerações:

CAPÍTULO II Dos Princípios e das Diretrizes SEÇÃO I Dos Princípios

Artigo 3° - A política nacional do idoso reger-se-á pelos seguintes princípios: I - a família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida;

Artigo 4º - Constituem diretrizes da política nacional do idoso:

I - viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso, que proporcionem sua integração às demais gerações;

II - participação do idoso, através de suas organizações representativas, na formulação, implementação e avaliação das políticas, planos, programas e projetos a serem desenvolvidos;

A Carta Constitucional de 1988 elegeu a cidadania como um dos fundamentos do Estado Democrático brasileiro, sem estabelecer restrições quanto à idade de usufruto desse direito:

Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[…]

II- a cidadania;

E mais, a Constituição também determinou no artigo 230 que a família deve propiciar a participação do idoso na comunidade, ou seja, garantiu de forma mais enfática, a cidadania do idoso: "Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida".

É válido lembrar que, o Estatuto do Idoso no mesmo sentido da Lei nº 8.842/94, e do texto constitucional, também determina que a família, a sociedade e o Estado são responsáveis por propiciar ao idoso a cidadania e uma vida digna, sem violência à sua integridade física ou psíquica:

Art. 3° É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito

à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

O que se denota das normas protetivas nacionais e internacionais é que a convivência familiar e comunitária, assim como a participação do idoso na sociedade é entendida como garantia importante para uma vida ativa cidadã.

Mas não é em todas as culturas que garantias e diretos dos idosos são desconsiderados como ocorre no Brasil. Na China e no Japão, por exemplo, os filhos mais jovens sentem orgulho em os sacrifícios realizados pelos seus pais idosos para garantir-lhes o sustento e o estudo. Ademais, os jovens demonstram sempre alegria e satisfação pela presença dos mais velhos (MASC, 2013).

A inclusão participativa do idoso na sociedade é importante para o reconhecimento da cidadania. Aliás, a manutenção das relações sociais, assim como a prática de atividades produtivas é importante para uma velhice bem sucedida (FONTAINE, 2000, p. 159).

Na América Latina, o Uruguai, por exemplo, possui um programa de inclusão onde o idoso participa, mesmo depois de aposentado, dos ensinamentos aos mais jovens, recebendo uma renda complementar aos seus proventos. O Brasil pode seguir esse exemplo, ou mesmo descobrir suas próprias estratégias para construir uma cultura de valorização da pessoa idosa, que fortaleça o sentido de cidadania que propicia vida, “[...] com a cidadania se participa da própria vida e da contínua criação das condições gerais nas quais ela se desenvolve” (CLARKE, 2010, p. 33).

O progresso das ciências e da tecnologia propiciou, por exemplo, que lições de informática, lições sobre o meio ambiente fossem ministradas nas escolas brasileiras desde o ensino fundamental. Então, de forma similar, as escolas podem propiciar educação sobre o envelhecimento saudável, com a participação de idosos, avôs e avós das crianças em atividades interdisciplinares, inclusivas e interativas, numa expressão da cidadania.

É importante salientar, que “[...] a cidadania, de fato, é um longo processo de aprendizagem que nunca termina e ao qual se combinam fatores cognitivos (instrução), fatores motivacionais (volitivos) e fatores conativos (se chega a ser cidadão exercendo a cidadania)” (CARRACEDO, p. 160-161).