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O cuidador a partir das relações na família: relação cuidador-idoso

2 O IDOSO E O CONTEXTO CONTEMPORÂNEO DO

2.5 O cuidador a partir das relações na família: relação cuidador-idoso

O termo “cuidador” de idosos é relativamente recente. A partir do crescimento da população de idosos é que surgiu a necessidade de pessoas e profissionais com a função de dar atenção maior e prestar cuidados aos mais velhos: o cuidador.

Entende-se por cuidador, portanto, “aquele que cuida, que é zeloso ou diligente para com os outros” (SACCONI, 2010, p. 573).

Nas famílias onde existe um idoso, pode recair em um dos membros familiares o papel de cuidar do idoso. Geralmente essa função recai para um membro do sexo feminino, pelo fato de entender-se que a mulher é mais afetiva e tem maior intimidade com o idoso (a) e a quem cabe o papel histórico de cuidar. Trata-se, portanto, de um cuidador familiar que não recebe remuneração quanto ao papel desempenhado, e que na maioria das vezes não tem capacitação técnica para desempenhar a função de forma mais adequada.

Por outro lado, o crescimento da população idosa, os desafios apresentados com o envelhecimento, a falta de familiares que desempenhassem essas funções ou mesmo a sobrecarga de trabalho que recai em um ente familiar apenas, somado às doenças que podem causar dependência total do idoso, fez surgir no mercado de trabalho uma nova profissão: os cuidadores de idosos.

Assim é que atualmente classificam-se os cuidadores em duas categorias: informal e formal. O primeiro é o cuidador que não possui capacitação técnica ou formação básica para desempenhar melhor as funções de cuidado com o idoso. Já o formal “é o profissional, que recebeu um treinamento específico para a função e exerce a atividade de “cuidador” mediante uma remuneração, mantendo vínculos contratuais” (RAVAGNI, 2008, p. 54-55).

A doutrina tem também interpretado outra categoria de cuidadores: a principal e a secundária. Por cuidador principal entende-se o que tem maior ou total responsabilidade para com o idoso. Nessa categoria compreendem-se tanto os que estão legalmente instituídos para a função (através de ato de interdição judicial), como os que desempenham os cuidados sem estar legalmente instituídos. Já o cuidador secundário é aquele que ajuda no desempenho das tarefas, seja formal (contratado para a função) ou informal (familiares, amigos, voluntários da comunidade) (CALDAS, 1998, p. 11).

Levando-se em consideração o grau de autonomia dos idosos no desempenho de suas funções, fala-se em cuidadores de idosos dependentes e de idosos não dependentes, que podem ser formais ou informais.

De forma prática, pode-se assim ilustrar:

Tabela 1 – Categoria funcional e tipo de cuidador

Categoria funcional Tipo de cuidador

Desempenho da função  principal

 acessório

Formalidade  formal  informal

Grau de autonomia  de idosos dependentes

 de idosos não dependentes

Fonte: CALDAS, 1998; RAVAGNI, 2008 (tabela produzida pela autora)

Geralmente a escolha do cuidador familiar recai naturalmente àquele membro que se encontra mais próximo, e à medida que o idoso vai perdendo sua autonomia, e tornando-se mais dependente, o cuidador vai tendo redobradas as suas atividades. Estudos apontam que a escolha do cuidador parece recair sobre os seguintes aspectos:

Tabela 2 – Aspectos da escolha do cuidador

Parentesco com frequência maior para os cônjuges,

antecedendo sempre a presença de algum filho;

Gênero com predominância para a mulher;

Proximidade física considerando quem vive com a pessoa que requer os cuidados;

Proximidade afetiva destacando a relação conjugal e a relação entre pais e filhos.

Fonte: CALDAS, 1998 (tabela produzida pela autora)

A família, por vezes, não entende e/ou não aceita as mudanças que ocorrem na vida do idoso, e por não aceitar tais efeitos, tendem a afastar-se, assim como os amigos do idoso; e o cuidador vê-se sozinho em sua jornada.

O cuidador familiar, sobre quem recai a responsabilidade por cuidar de pessoa idosa, recorre às vezes a um cuidador contratado, no sentido de dividir as tarefas e viabilizar as próprias atividades profissionais e sociais.

Empresas terceirizadas têm capacitado pessoas para desempenhar a função de cuidador de idoso, através de cursos de capacitação ou formação de cuidadores.

Em relação aos cuidadores formais, vale lembrar que geralmente eles atuam quando o idoso é dependente, ou seja, quando perdeu sua autonomia para o desempenho de atividades diárias básicas, como exemplo os idosos que sofreram derrame, demência, mal de Parkinson, síndrome de Alzheimer etc. Nos cursos de capacitação, os cuidadores, de forma geral, aprendem a lidar com o dia a dia do idoso, principalmente no que concerne ao desempenho e auxílio das atividades básicas diárias, como higiene pessoal, alimentação, medicação, bem como a acompanhamento de exames e internações se necessário.

No que diz respeito aos direitos trabalhistas, os cuidadores formais encontram-se respaldados pela proposta de emenda à constituição, a chamada PEC das domésticas, com direitos a salário mínimo, férias, décimo terceiro, repouso semanal remunerado, aposentadoria, fundo de garantia por tempo de serviço – FGTS, ou seja, os mesmo direitos previstos para o trabalhador doméstico.

Embora a profissão de cuidador de idosos não seja ainda reconhecida, encontra-se em tramitação o Projeto de Lei nº 4702 de 2012, de autoria do senador Waldemir Moka, que visa sua regulamentação. Pelo projeto, poderá exercer a profissão qualquer pessoa maior de 18 (dezoito) anos, com ensino fundamental e que tenha concluído o curso de formação de cuidador de idoso por meio das redes de ensino técnico-profissionalizante e superior que deverão ser instituídas pelo Poder Público (JusBrasil, 2014).

O projeto propõe ainda uma modificação no Estatuto do Idoso no que diz respeito aos crimes praticados contra o idoso, prevendo um aumento de um terço na pena quando esses delitos forem cometidos por cuidadores no exercício da profissão. Tal modificação é inovadora no sentido de expressar de forma clara o termo “cuidador”, haja vista que não aparece em nenhum dos dispositivos do Estatuto.

Contudo, é válido mencionar que, caso ocorra inserção normativa do termo cuidador, os legisladores devem atentar para o fato de também ali identificar as espécies de cuidadores, com as responsabilidades penais diferenciadas, pois como visto, existem os que são apenas membros familiares, e como tal, não possuem habilidades técnicas, portanto, entende-se que a pena não deve ser a mesma de um cuidador formado e contratado para desempenhar os cuidados técnicos em um idoso.

Outro fator que merece atenção é a forma de como as gerações entre famílias tem convivido no contexto atual que se formou de família brasileira, pois tal fator reflete diretamente no relacionamento entre cuidadores e familiares.

São cada vez mais comuns os lares formados por avós que convivem com filhos, netos e sobrinhos, numa relação intergeracional. E cada vez mais os avós acabam sendo suporte financeiro para essas famílias.

Essa nova forma familiar, chamada de família ampliada, vem a ser aquela acrescida de avós, netos, cunhados, tios, sobrinhos, primos, enteados, e consiste na diluição das famílias nucleares quando são acrescidas de avós (RODRIGUES; SOARES, 2006, p. 13).

Mas essa relação acaba trazendo alguns percalços. Se de um lado o convívio com a família serviria para facilitar uma vida mais saudável ao idoso com lazer, participação, não exclusão do ciclo social, por outro, em algumas situações, o idoso é visto tão somente como uma fonte de renda ou sustento para a família, podendo inclusive configurar outro tipo de violência contra o idoso, a exploração financeira ou material (SOUZA et. al., 2010).

Em alguns desses lares brasileiros, em que o idoso é responsável pelo sustento da família ampliada, ocorrem denúncias de maus-tratos por familiares. Isso pode ser relacionado a diversos fatores: os proventos da aposentadoria não são suficientes para cobrir as despesas do lar e do idoso, que necessita de uma alimentação diferenciada e de medicamentos que chegam a consumir quase metade da aposentadoria; o desemprego dos que vivem com o idoso, acarretando o aumento na despesa familiar; frustações dos familiares mais novos que acabam se revertendo contra a parte mais fraca na relação, no caso, o idoso; o consumo de drogas e de álcool, que desencadeia um processo de violência contra o idoso etc.

Nos lares em que o idoso já não possui autonomia funcional devido a alguma doença, o quadro se agrava, por necessitar diuturnamente de alguém que o auxilie nas atividades que antes podia desempenhar sozinho. É nessa fase que o cuidador desempenha importante papel. O cuidador familiar legalmente investido na função ou não, bem como todos os familiares, e também o cuidador formal, contratado pela família, têm a obrigação e o dever de assistência ao idoso.

Ocorre que a relação entre idoso e cuidador enfrenta vários desafios, dentre estes: o cansaço da rotina; e a visão de outras pessoas familiares ou não de que o cuidador leva alguma vantagem sobre o idoso, apesar de, não raro, nenhum dos outros parentes se dispor a compartilhar nos cuidados para com aquele. E o idoso, por sua vez, é visto pela maioria de seus familiares como um percalço ou fardo na vida.

A importância da preservação da autonomia do idoso, da continuidade da vida ativa, é imprescindível para um envelhecimento cada vez mais saudável. Por outro lado, a vida ativa do cuidador é de igual forma relevante e não pode ser colocada de lado ou anulada.

O ato de cuidar diuturnamente de idosos não autônomos pode desencadear uma série de fatores que agravam a saúde do cuidador, como exemplo o estresse, a depressão, a ingestão ou uso de drogas e de álcool etc.

Cuidadores com saúde debilitada acabam por não desempenhar bem as suas atividades, desleixando nos cuidados para com o idoso (higiene, alimentação, vestuário, medicamentos), o que pode gerar riscos e agravamento na saúde do mesmo, ocasionando um quadro de maus tratos e violência contra o idoso que está sob sua responsabilidade.

É importante o suporte familiar na relação entre idoso e cuidador, evitando o isolamento de ambos e facilitando o desenvolvimento de atividades integrativas, pois para o idoso “a família ainda representa a principal fonte de ajuda e apoio para seus membros, porquanto quanto mais integrado estiver no seio familiar, maior será sua satisfação e melhor a sua qualidade de vida” (RODRIGUES; SOARES, 2006, p.15).

O enfrentamento dos problemas ocasionados pelo envelhecimento, das dificuldades que se apresentam, as adaptações familiares que são exigidas conforme as necessidades do idoso, não podem representar óbices para a exclusão e a participação social do idoso.

Não é demais recordar que o Estatuto do Idoso determina que família, sociedade e Estado são responsáveis por propiciar ao idoso a cidadania e uma vida digna. O Estado, portanto, deve contribuir através de assistência social, de psicólogos, de médicos, de promoção da cultura e do lazer, na garantia de uma relação mais saudável entre cuidadores, idosos e familiares, numa expressão da “cidadania como vita activa, compreendendo todas as atividades humanas, não só direitos, mas também deveres” (ARENDT, 1983, p. 23).