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4 VIOLÊNCIA E AGRESSIVIDADE CONTRA O IDOSO

4.6 Eixos teóricos de compreensão da violência e da agressividade

4.6.3 O poder e a disciplina em Foucault

Foucault (2000) discutiu o fenômeno social da punição e controle a partir da criação de normas que estabelecem o permitido e o proibido, com sanções para o proibido, num percurso que vai do suplício à utilidade da pena para as relações de produção de riqueza.

Nesse sentido, é possível referir a marcos históricos de registro da atuação humana com as normas, o fato de que, no segundo milênio a. C, o primeiro Império Babilônico tornou

público uma série de sentenças e regras gravadas em pedras e expostas nos templos para o conhecimento do público em geral, o Código de Hamurabi, que previa punições hoje consideradas severas, concedendo ao homem o direito e poder de punir o seu semelhante, conforme se pode ler em alguns de seus dispositivos:

Capítulo XI

Delitos e Penas, Lesões Corporais, Talião e Indenizações [...]

Art. 195. Se um filho bater em seu pai cortarão sua mão.

Art. 196. Se um homem destruiu um olho de outro homem, destruirão o seu olho.

Art. 197. Se quebrou o osso de um homem, quebrarão o seu osso. [...]

Art. 202. Se um homem agrediu a face de um outro homem que lhe é superior, será golpeado sessenta vezes diante da assembleia com um chicote de couro de boi.

(2002, p. 31).

Apesar de conter dispositivos com punições físicas atualmente entendidas como aviltantes, o Código de Hamurabi foi importante documento que regulou a vida da sociedade à época, e de certo modo, influenciou na legislação de outros povos da antiguidade, servindo como instrumento ou mecanismo de controle social.

Fustel de Coulanges (1975, p. 167) afirmou que um rei espartano de nome Cleômenes, dizia ser justo tanto aos olhos dos deuses quanto dos próprios homens praticar todo o mal possível aos inimigos na guerra. Nota-se que a violência contra os que não eram cidadãos ou mesmo contra aqueles subjugados e escravizados pelas batalhas na expansão dos territórios e do poder era considerada justa e legal.

O fenômeno social da normatização é considerado por Foucault (2000) como normalização e que a diferença entre o passado e a modernidade é o sentido da pena, em razão de que a mesma no contexto da sociedade capitalista tem a funcionalidade de produção de utilidade para a economia. E na Idade Média a pena tinha a função de provocar sofrimento, por isso categorizada como suplício que:

O suplício penal não corresponde a qualquer punição corporal: é uma produção diferenciada de sofrimentos, um ritual organizado para a marcação das vítimas e a manifestação do poder que pune: não é absolutamente a exasperação de uma justiça que, esquecendo seus princípios, perdesse todo o controle. Nos 'excessos' dos suplícios se investe toda a economia do poder (FOUCAULT, 2000, p. 32).

Para Foucault, como atesta a citação, o suplício tinha como meta castigar o corpo para punir o indivíduo pelos atos praticados, portanto, como exercício de poder sobre o corpo

humano, diferente da sanção no contexto capitalista que, também é poder sobre o corpo, porém a pena é suavizada para que a disciplina docilize o corpo para adestrá-lo em função da produção de utilidade na sociedade.

Como se observa, Foucault considera que a função da disciplina na modernidade é docilizar os corpos para que atenda aos comandos disciplinares, sendo a forma jurídica um sistema de direitos igualitários sustentados por mecanismos miúdos, cotidianos e físicos inigualitários e assimétricos, uma espécie de biopoder que disciplina o corpo e a mente, sendo a disciplina o que fabrica o corpo a partir de uma massa sem forma que torna o inapto em apto e torna-o perpetuamente disponível para a utilidade que se espera do mesmo (FOUCAULT, 2000, p. 119 – 125).

A máquina de adestramento do corpo e da alma do ser humano é a disciplina que funciona por meio de conjunto de normas que determina aquilo que deve ser feito para tornar o corpo permanentemente analisável e manipulável.

Portanto, o objetivo da disciplina é tornar os atos e movimentos do corpo úteis ao conjunto social e ao próprio indivíduo, e esse calcula o benefício que obterá, caso cumpra as regras disciplinares, o que o faz controlar instinto e pulsão. O método disciplinar permite um controle minucioso das operações do corpo e realiza sujeição constante e permanente de suas forças, e impõe à mesma docilidade e utilidade.

Foucault lembra que, a disciplina existia em todos os tempos, e o que muda no decorrer dos séculos XVII e XVIII é que ela se tornou fórmula geral de dominação e controle social:

A disciplina é diferente da escravidão, domesticidade, vassalidade, do ascetismo e das “disciplinas” de tipo monástico – a disciplina tem a função de realizar aumentos de utilidade e que, se implicam em obediência a outrem, têm como fim principal um aumento do domínio de cada um sobre seu próprio corpo (2000, p. 121).

A disciplina que atua sobre o corpo, faz do mesmo, uma aptidão e capacidade que sempre busca aumentar como uma multiplicidade de processos de origens diferentes, mas que um faz lembrar o outro, o que torna os diferentes em repetição, convergência como investimento político que atua no tempo e no espaço, seja na escola, no quartel, na fábrica, nas prisões, no hospital, em que cada pessoa tem seu lugar, o que favorece a vigilância permanente e com isso as confusões se desfazem, o trabalho é dividido, a produção aumenta e tudo se articula.

Na disciplina, os elementos são intercambiáveis, pois cada um se define pelo lugar que ocupa na série, e pela distância que o separa dos outros. A unidade não é portanto nem o território (unidade de dominação), nem o local (unidade de residência), mas a posição na fila: o lugar que alguém ocupa numa classificação, o ponto em que se cruzam uma linha e uma coluna, o intervalo numa série de intervalos que se pode percorrer sucessivamente. A disciplina, arte de dispor em fila, e da técnica para a transformação dos arranjos. Ela individualiza os corpos por uma localização que não os implanta, mas os distribui e os faz circular numa rede de relações (FOUCAULT, 2000, p. 125).

Como se pode notar, a disciplina faz o controle da atividade atuando sobre o tempo: estabelece o que deve ser unido, obriga as ocupações e regulamenta os ciclos de repetição, define a relação entre o corpo e os objetos, permite um bom emprego do tempo sem deixar nada ocioso ou inútil e, ao invés de se apropriar e de retirar, exerce a função de adestrar (FOUCAULT, 200, p. 125 – 127).

E é isso que permite relacionar as teorias que vislumbram a agressividade e violência atribuídas ao instinto e à pulsão. E se assim for, cabe à disciplina adestrar este instinto ou pulsão e transformar a energia em utilidade social através da imposição de normas que fazem o indivíduo “calcular” se vale a pena descumprir ou cumprir, sendo, em regra, o custo do cumprimento mais vantajoso do que descumprir: “a disciplina faz ‘funcionar’ um poder relacional que se auto sustenta por seus próprios mecanismos e substitui o brilho das manifestações pelo jogo ininterrupto dos olhares calculados” (FOUCAULT, 2000, p. 148), estabelecendo assim o que é normal pelo princípio da coerção pelo ensino.

Pode-se afirmar que a disciplina é técnica para assegurar a ordem das multiplicidades das pessoas como uma tática de poder que atende a três critérios: tornar o exercício do poder menos custoso, estendê-lo ao máximo, e fazer crescer ao mesmo tempo docilidade e utilidade (FOUCAULT, 2000, p. 179).

Pode-se concluir que, se a violência tem origens diversificadas e é explicada sob várias formas, pode-se afirmar que o controle da violência é feito a partir das normas com sanção, sendo que o que muda no percurso histórico é a função da sanção, a qual segundo Foucault (2000) modifica o tipo de pena para adequá-la ao que se quer alcançar com a mesma.

A perspectiva do controle ou não da violência contra a pessoa idosa é que orienta a discussão do presente trabalho, sendo a verificação da efetivação desse controle realizada no capítulo seguinte com o estudo de caso.

5. DA (IN) EXISTÊNCIA DE UMA REDE DE APOIO À PESSOA IDOSA EM