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4 VIOLÊNCIA E AGRESSIVIDADE CONTRA O IDOSO

4.6 Eixos teóricos de compreensão da violência e da agressividade

4.6.2 O instinto segundo Lorenz

Diferentemente de Freud, Lorenz entende a agressividade como instinto de fluxo constante no organismo, que necessita ser liberada ou canalizada para outros fontes.

Na afirmação de Klaus Scherer, essa teoria instintivista é também denominada de teoria “hidráulica” pelo fato de basear-se na analogia da agua represada em um reservatório, que em determinado momento será liberada:

According to the instinctual theorists, the energy producing source in the central nervous system is automatic e constantly operative. This is the reason such discribing such theories as “hydraulic”. They are based on the analogy of water flowing into a reservoir behind a dam (1975, p. 48)10.

Para Lorenz os animais possuem um mecanismo de interação entre os diversos instintos autônomos de fome, de medo, de sexualidade, de agressão. A agressividade é, dessa forma, um instinto inato, condicionado e primário (1973, p. 123).

Nos animais, quando o instinto é acionado para a agressividade, o mecanismo de inibição, também é acionado para que a agressão tenha os limites necessários ao que se pretende (LORENZ, 1973, p. 225). Dessa forma, o mecanismo de inibição da agressividade visa impedir que a agressão entre indivíduos de uma mesma espécie prejudique a conservação da espécie.

Nos animais, portanto, os mecanismos de inibição foram desenvolvidos e formam uma espécie de “contrapeso” à agressão, não a evitando, mas estabelecendo limites. Exemplificando: numa disputa sexual por uma fêmea de uma determinada espécie, a

masculinos e femininos, etc. Para Freud, as coisas estão em tensão e não terminam necessariamente para resolver-se. Não há harmonia pré-estabelecida e o equilíbrio parece ainda para sempre excluído. O conflito está no cerne da existência; o humano está condenado a viver uma situação dramática. (tradução nossa)

10 De acordo com os teóricos instintuais, a fonte de produção de energia no sistema nervoso central é automática

e constantemente operatória. Esta é a razão pela qual se descreve tais teorias como “hidráulicas”. Eles baseiam- se na analogia de água que flui para um reservatório atrás de uma represa. (tradução nossa)

agressividade do macho vencedor é controlada pelo mecanismo de inibição que o impede de matar o vencido derrotado.

Sob o aspecto fisiológico ou biológico, podem-se abordar as seguintes funções do comportamento agressivo nos animais: serve para a seleção da espécie, a limitação de seres vivos no território, e a defesa da prole (LORENZ, 1973, p. 54).

Nos seres humanos, diferentemente dos outros seres, o processo de seleção e evolução natural não desenvolveu de forma eficaz os mecanismos de inibição da agressividade que existem em outros animais.

Talvez no início da evolução humana esses mecanismos inibitórios tenham começado a se desenvolver, mas foram obstacularizados pela invenção das armas artificiais pelo homem, como afirma Klaus Scherer:

Lorenz argues that during the early stages of human evolution such inhibitions must have been operative and effective, particularly since huma beings did not naturally possess very effective weapons. However, the invention of artificial weapons destroyed the balance between aggression and its innate inhibtors.Lorenz believes that weapons, particulary long- distance (e.g.guns) or remot-control weapons (e.g. guided missiles) ‘screen the killers against the stimulus situation which would otherwise activate his killing inhibitions’ (1975, p. 52-53)11.

Portanto, a invenção das armas pelo homem dificultou e desequilibrou o mecanismo de inibição da agressividade e destruição humana, nunca conseguindo defender-se, inclusive do perigo da autodestruição:

Durante a pré-história do homem, não existiu portanto nenhuma pressão da selecção que tivesse produzido um mecanismo inibitório que impedisse o assassínio dos congêneres até ao momento em que, de repente, a invenção de armas artificiais perturbou o equilíbrio entre as possibilidades de matar e as inibições sociais. [...] Não é que nosso antepassado humano fosse, mesmo numa fase ainda desprovida de responsabilidade moral, uma incarnação do mal. [...] Mas quaisquer que possam ter sido as suas normas inatas de comportamento social, elas deveriam necessariamente avariar-se com a invenção das armas. Se a humanidade, apesar de tudo, sobreviveu, ela nunca conseguiu defender-se contra o perigo da autodestruição. A responsabilidade moral e a repugnância por matar aumentaram sem dúvida, mas a facilidade

11 Lorenz argumenta que durante os primeiros estágios da evolução humana, tais inibições devem ter sido

operativas e eficazes, especialmente por não possuírem naturalmente os seres humanos armas muito eficazes. No entanto, a invenção de armas artificiais destruiu o equilíbrio entre agressão e seus inibidores inatos. Lorenz acredita que as armas, especialmente de longa distância (por exemplo, armas de fogo) ou armas de controle remoto (por exemplo, mísseis guiados) servem de anteparo aos assassinos contra a situação de estímulo que de outra forma ativaria suas inibições para matar. (tradução nossa)

de executar um crime e a sua impunidade emocional aumentaram na mesma medida (LORENZ, 1973, p. 251-252).

Para Lorenz (1973), a humanidade ainda encontra-se sob o perigo da autodestruição. É válido relembrar que no ano de 2015 comemorou-se o septuagenário aniversário do final da Segunda Guerra Mundial. Os alemães, chefiados por Hittler, provocaram nesse período uma destruição em massa à humanidade. Sob o pretexto da criação de uma raça pura, a ariana, milhares de judeus e ciganos foram condenados aos campos de concentração e à morte. A guerra provocava a morte de cidadãos civis, soldados e ao mesmo tempo a de milhares de judeus, as maiores vítimas do nazismo. Estima-se que as vítimas do nazismo nos campos de concentração foram de 7,5 milhões, dos quais 4 milhões somente no de Auschwit. Nesses campos, os judeus sofriam maus-tratos, torturas e humilhações das mais diversas (COTRIM, 2005, p. 452).

À época, as armas utilizadas para agredir e dizimar seres humanos, além das já anteriormente conhecidas como metralhadoras, fuzis, tanques, foram as câmeras de gás nos campos de concentração.

É válido lembrar que no extremo oriente a guerra perdurou por mais quatro meses, e em agosto de 1945, outra arma de destruição: duas bombas nucleares arrasaram as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. As duas cidades sofreram o impacto da arma atômica. Depois do calor, provocado pela explosão, veio o deslocamento do ar que devastou tudo que estava ao redor com a força de um furacão soprando a oitocentos quilômetros por hora, num raio de mais de 3 quilômetros, reduzindo tudo a escombros e provocando a morte de centenas de milhares de pessoas num instante (VICENTINO, 2006, p. 408).

Ainda hoje a população sofre as consequências da arma atômica inventada pelo homem, e milhares já morreram em decorrência dos efeitos nucleares.

E a autodestruição humana não para por aí. As guerras civis que aconteceram pós- segunda guerra e que acontecem atualmente também dizimam milhares de pessoas, marcando, talvez, uma “era da violência”.

Lorenz destaca a importância da verificabilidade do “elo” existente entre os instintos, as formas de canalização desta “energia” e os transtornos comportamentais:

[...] faltam ao homem longas cadeias de movimentos instintivos obrigatoriamente acoplados, porém podemos extrapolar através de resultados obtidos em mamíferos superiores que ele dispõe de maior número de impulsos instintivos autênticos do que qualquer animal. (...) Isso é

especialmente importante no julgamento de um comportamento com evidentes perturbações patológicas (1991, p. 15).

Nessa perspectiva, o ser humano pode até não se dar conta, mas cada um traz em si, uma parcela de maldade, de ressentimento, de ódio, de amor, de agressividade que lhe é peculiar, e que pode ser externada em maior ou menor grau contra outros seres humanos, contra si mesmo, contra os animais, meio ambiente ou seres inanimados. Entretanto, quando há um excesso ou descontrole na forma de liberação dessa energia acumulada, devem-se verificar as causas que originaram esse distúrbio comportamental.

Para Lorenz, portanto, a agressividade não é uma reação a estímulos externos, mas a liberação de uma energia interna acumulada (um instinto), e que o homem pode procurar mecanismos de canalizar essa energia através das mais variadas formas, como por exemplo, através da moral, da cultura e normas de comportamento social:

Tudo aquilo a que se chamam boas maneiras é, claro está, estritamente determinado pela ritualização cultural. As boas maneiras são, por definição, as do nosso próprio grupo e confortamo-nos constantemente às suas exigências; tornam-se para nós numa segunda natureza. Normalmente, já não nos damos conta de que sua função é inibir a agressão ou criar um laço. [...] A agressividade que cada desvio das maneiras e das civilidades características que o grupo provoca força todos os seus membros a uma observância absolutamente uniforme das normas do comportamento social (1973, p. 91-92).

Percebe-se que, embora a agressividade humana não seja controlada por mecanismo inibitório natural presente no homem, esse mecanismo pôde e pode ser desenvolvido por leis morais, pela cultura, bem como pela lei institucionalizada. E a lei ou norma institucionalizada que tem o Estado como responsável pela sua aplicação e punição, no caso de seu descumprimento, faz-se necessária, a fim de reprimir a agressividade humana, “moldando” o corpo e comportamento do ser humano, como será abordado na perspectiva de Foucault.