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5 DA (IN) EXISTÊNCIA DE UMA REDE DE APOIO À PESSOA IDOSA

5.3 Instituições Jurídicas

Como já referido, não é fácil verificar uma empiria de atuação em rede de apoio às pessoas idosas, nas instituições de acolhimento da notícia de violência, em razão de não haver comunicação entre as instituições, e não haver a pretensão de atuar como rede, mas há comunicação no processamento judicial da notícia de violência: Ministério Público denuncia, Poder Judiciário processa com a defesa do denunciado.

À dinâmica referida é atribuída à categoria de campo jurídico no qual os atuantes, os operadores do direito, concorrem pelo monopólio de dizer o direito:

O campo jurídico é o lugar de concorrência pelo monopólio do direito de dizer o direito [...]. É com esta condição que se podem dar as razões quer da autonomia relativa do direito, quer do efeito propriamente simbólico de desconhecimento, que resulta da ilusão da sua autonomia absoluta em relação às pressões externas (BOURDIEU, 1989, p. 212).

No campo jurídico, há interdependência entre as funções, porém, isso não significa igualdade entre as mesmas. Na verdade, há uma espécie de hierarquia simbólica na atuação de cada um, marcada pela diversidade entre os discursos de cada operador e pelo objetivo comum: o direito a ser proferido pelo juiz, configurando-se, portanto, a concorrência como disputa pela tese vencedora, ou seja, aquela que vai ser adotada pelo juiz.

No Brasil, há controle no acesso ao campo jurídico, feito por formas diversas de meritocracia, seja na formação comum do Bacharelado em Direito, seja no exame da Ordem dos Advogados do Brasil, seja pelos concursos públicos para operadores do campo jurídico: magistrado, promotores, defensores e procuradores.

O campo jurídico é mediatizado por relações de poder e suas simbologias que conferem autonomia ao seu código, sendo o objeto de disputa o poder de dizer o direito. Cada operador concorre para que o direito a ser dito pelo magistrado seja o apresentado por um dos concorrentes, o que confere o bônus da disputa.

Todos os membros concorrem com discursividade peculiar do seu processo de socialização (HABERMAS, 1987), adequada à lógica do campo jurídico, de modo que todos os interesses se tornem o interesse em dizer o direito, o que resulta em decisões que refletem o pensamento dominante em forma de discurso jurídico.

O discurso acionado no campo jurídico guarda similitude com o contexto em que está inserido, porém, não se tratam de uma dependência nem de independência, as posições clássicas sobre o direito: internalista e externalista, que, segundo Bourdieu (1989), ignoram ambas “a existência de um universo social relativamente independente em relação às pressões externas” (1989, p. 211).

Ainda segundo o mesmo autor:

[...] as práticas e os discursos jurídicos são, [...], produto do funcionamento de um campo cuja lógica está duplamente determinada: por um lado, pelas relações de força específicas que lhe conferem a sua estrutura e que orientam as lutas de concorrência ou, mais precisamente, os conflitos de competência que nele têm lugar e, por outro lado, pela lógica interna das obras jurídicas que delimitam em cada momento o espaço dos possíveis e, deste modo, o universo das soluções propriamente jurídicas (BOURDIEU, 1989, p. 211). O que pode ser considerado como “corpus jurídico registra em cada momento, o estado de relação de forças, e sanciona as conquistas dos dominados convertidas deste modo em saber adquirido e reconhecido” (BOURDIEU, 1989, p. 212-213), em que a historicização da norma é realizada pelo processo de interpretação, no qual as fontes são adaptadas a

circunstâncias novas com abertura para as possibilidades inéditas e para deixar de lado o que está ultrapassado.

O processo de historicização da norma é poroso ao contexto social do qual faz parte o campo jurídico, do imaginário social que o compõe das imagens ali refletidas como a imagem que se tem das pessoas idosas. Em sendo esta imagem representada do idoso como inferiorização, inutilidade, estética não compatível com o que é identificado como belo, associação com doenças, simbologia que não deixa imune o campo jurídico.

Assim, tanto as teses levadas ao campo jurídico pelos agentes autorizados a no mesmo atuar são permeadas pelas significações do entorno do campo jurídico, quanto a interpretação do juiz ao decidir e do gestor público ao definir políticas e a praticar os atos da administração pública, sendo pouco provável que a legislação que protege a pessoa idosa efetivamente venha a se configurar como decisão judicial, políticas públicas ou ações, seja do gestor, seja da sociedade de modo amplo.

Bourdieu (1989) refere-se a uma lógica paradoxal de divisão do trabalho no campo jurídico como princípio do sistema de normas e práticas que fundamenta a lógica positiva da ciência e da lógica normativa da moral, reconhecida como lógica e necessária, em que o paradoxo reside na autonomia relativa do campo jurídico e no não reconhecimento das normas, ou seja, o paradoxo entre profanos e profissionais com efeito permanente de apriorização:

A elaboração de um corpus de regras e de procedimentos com pretensão universal é produto de uma divisão do trabalho que resulta da lógica espontânea da concorrência entre diferentes formas de competência ao mesmo tempo antagonistas e complementares que funcionam como outras tantas espécies de capital específico e que estão associadas a posições diferentes no campo (BOURDIEU, 1989, 216-217).

A divisão do trabalho no campo jurídico pesquisado é realizada entres as instituições: Ministério Público – Promotoria de Justiça de Proteção ao Idoso; Defensoria Pública Especializada do Idoso; Poder Judiciário e Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Piauí – Comissão do Idoso.

5.3.1 O Ministério Público – Promotoria de Justiça de Proteção ao Idoso

A Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos das Pessoas Idosas foi criada para atuar em defesa dos direitos dos idosos, de acordo com a Constituição Federal e os artigos 73

a 77 do Estatuto do Idoso que conferem ao Ministério Público, dentre outras, a atribuição de promover ações penais pela prática de crimes praticados contra os idosos.

Cabe ainda ao Ministério Público divulgar os direitos dos idosos através de palestras e seminários, e estimular a integração entre órgãos que atuam na mesma área, visando à criação de uma rede de informação e atendimento (MP– PI, 2015).

Essa rede de informação e atendimento, entretanto, ainda está longe de configurar-se como tal. O Ministério Público tem atuado nos casos de violência física e psicológica contra o idoso quando instigado pela Delegacia Especializada do Idoso, na apreciação dos inquéritos ali instaurados e encaminhados para ser ofertada denúncia ou não, consoante a interpretação deste órgão.

5.3.2 A Defensoria Pública Especializada do Idoso

O Núcleo Especializado de Defesa e Atenção ao Idoso e da Pessoa com Deficiência da Defensoria Pública do Estado do Piauí foi implantado em 2007, e atua de forma a receber toda e qualquer espécie de contenda envolvendo o idoso, seja nas áreas cível ou criminal.

Dessa forma, o Núcleo funciona na Casa dos Núcleos situada na Avenida Nossa Senhora de Fátima, nº 1342, no Bairro de Fátima, e o atendimento realizado por duas defensoras, estagiários e uma psicóloga.

Segundo uma das defensoras, o Núcleo realiza cerca de 30 (trinta) atendimentos por dia, com destaque para os casos em que se busca a proteção aos direitos do consumidor, principalmente empréstimos consignados e estelionatos (DP-PI, 2014).

Em conversa com uma das defensoras, a mesma demostrou preocupação com o fato de o atendimento à pessoa idosa no Núcleo especializado já referido, se dar apenas pelo recorte da idade e não em razão da matéria. Assim, o Núcleo atende o idoso independente do conteúdo da sua demanda, não garantindo, portanto, atendimento especializado, o que acaba prejudicando a apuração dos casos de violência física e psicológica contra o idoso.

Os dados do Núcleo também não são compartilhados em rede com as outras instituições, o que dificulta a proteção ao idoso.

5.3.3 O Poder Judiciário e a Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Piauí – Comissão do Idoso

O Poder Judiciário tem uma função mais ampla, que é a de processar, julgar e dar uma resposta à sociedade. Dessa forma, o Poder Judiciário funciona em rede, contudo, não como proteção específica de grupos ou pessoas determinadas, e, conforme o direito a ser conclamado, com o objetivo funcional de dar uma resposta do cumprimento da norma à sociedade.

Ademais, em se tratando do idoso, não se tem ainda em Teresina, uma Vara Especializada no Judiciário como temos a Vara da Infância e da Juventude e a Vara de Violência Doméstica contra a Mulher, tornando a forma de atuação do Poder Judiciário na rede torna-se mais restrita, menos célere.

A Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Piauí – OAB-PI, através de sua Comissão de Direitos Humanos, criou a partir de 2010, a Comissão do Idoso. Na verdade, trata-se de uma subdivisão da Comissão de Direitos Humanos, que tem a especialidade de garantir a defesa dos direitos dos idosos.

A Comissão do Idoso não tem competência para investigar ou denunciar ela mesma atos de violência contra o idoso. O seu papel é instigar ou noticiar aos órgãos competentes, como a Delegacia Especializada do Idoso, ou o Ministério Público que houve a transgressão de um direito, e cuidar para que este seja restabelecido, informando e zelando pelos direitos do idoso.