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Conforme explicitado, a Convenção nº 29 da OIT previu a possibilidade de utilizar-

se do trabalho forçado como pena, desde que executado sob a fiscalização e o controle das

autoridades públicas e que o indivíduo não fosse posto à disposição de particulares,

companhias ou pessoas privadas. Porém, o Código Penal de 1940 ainda assim pôs fim à

sanção de trabalho forçado, prevendo, de forma concisa, como penas principais a reclusão, a

detenção e a multa.

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A determinação de acabar com o trabalho forçado como sanção criminal foi mantida

com as alterações da Lei nº 7.209, de 11 de julho 1984, que estabeleceu como penas as

privativas de liberdade, as restritivas de direito e a multa.

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Em redação originária, o art. 149, colocado dentro do capítulo dos crimes contra a

liberdade individual, já tratava do trabalho em condições análogas às de escravo, de forma

mais resumida:

Art. 149 - Reduzir alguém a condição análoga à de escravo: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.73

Segundo Luiz Regis Prado, o referido artigo foi “taxado de supérfluo por grande

parte da doutrina”,

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ressaltando Nelson Hungria sua posição a favor da sanção.

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Prado cita, a

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“Art. 28. As penas principais são: I - reclusão;

II - detenção;

III - multa.” (BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da

União, de 31 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm>.

Acesso em: 5 out. 2015. O dispositivo encontra-se revogado.)

72 “Art. 32 - As penas são: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) I - privativas de liberdade;

II - restritivas de direitos; III - de multa.” (Idem, ibidem) 73 Idem, ibidem.

74 Considerou-se que a previsão seria inócua por não existirem mais fatos dessa natureza na sociedade contemporânea, o que é criticado pelo autor. Ver: PRADO, Luiz Regis. Parte Especial - Arts. 121 a 249. In: _____. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 2. p. 348.

75 HUNGRIA, Nelson. Arts. 137 a 154. In: _____. Comentários ao Código Penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982. v. 4. p. 200.

título de exemplo, explicação de Jorge Severiano, que diz não crer na possível prática do

delito imaginado pela lei, nunca tendo visto nada semelhante.

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Importante ressaltar que, após muitos anos da edição do Código Penal, também

foram previstos tipos penais que muitas vezes se mostram acessórios no combate ao tráfico.

Segundo Carlos Henrique Borlido Haddad, as alterações feitas pela Lei nº 9.777/98 compõem

a “cesta de crimes” relacionados ao trabalho escravo.

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São eles:

Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:

Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave. Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 1998)

Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho:

Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 9.777, de 1998)

§ 1º Na mesma pena incorre quem: (Incluído pela Lei nº 9.777, de 1998)

I - obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida; (Incluído pela Lei nº 9.777, de 1998)

II - impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 1998)

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 1998)

Art. 206 - Recrutar trabalhadores, mediante fraude, com o fim de levá-los para território estrangeiro. (Redação dada pela Lei nº 8.683, de 1993)

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa. (Redação dada pela Lei nº 8.683, de 1993)

Art. 207 - Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional:

Pena - detenção de um a três anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.777, de 1998)

§ 1º Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 1998)

76 SEVERIANO, Jorge apud HUNGRIA, Nelson. Arts. 137 a 154. In: _____. Comentários ao Código Penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982. v. 4. p. 200.

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HADDAD, Carlos Henrique Borlido. Do paradigma da propriedade à concepção da liberdade de escolha: definindo o trabalho escravo para fins penais. In: REIS, Daniela Muradas; MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira; FINELLI, Lília Carvalho (Orgs.). Trabalho Escravo: estudos sob as perspectivas trabalhista e penal. Belo Horizonte: RTM, 2015. p. 203-240.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 1998)78

O ordenamento jurídico penal foi, portanto, muito além do esperado para a época,

prevendo não só o crime de redução à condição análoga à de escravo, como todos os crimes

conexos.

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Durante anos, coube à doutrina e à jurisprudência a definição do tipo penal do art.

149, embora o primeiro registro de acusação pública pelo delito tenha se dado apenas em

1971.

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Por isso, durante o Seminário Internacional sobre Trabalho Forçado – Realidade a

ser combatida, em 2000, o Ministério Público do Trabalho produziu a “Carta de Belém”,

esforçando-se para conceituar o trabalho escravo contemporâneo:

I.2) O “trabalho forçado”, denominação genérica que abrange o trabalho escravo stricto sensu, servil e degradante, serve de ignóbil instrumento de produção e centralização de riquezas em detrimento dos valores transcendentais do trabalho e dos primados mais basilares dos direitos naturais do ser humano, diante dos olhos semicerrados e ainda omissos do Estado Brasileiro;

[...]

I.4) Assim, o trabalho forçado, em seu conceito mais amplo, deve ser entendido como aquele que contempla, dentre outras, as seguintes situações:

•Utilização de trabalhadores, através de intermediação de mão-de-obra pelos chamados “gatos” e pelas Cooperativas fraudulentas;

•Utilização de trabalhadores aliciados em outros Municípios ou Estados, pelos próprios tomadores de serviços ou através de interposta pessoa, com promessas enganosas e não cumpridas;

•Servidão de trabalhadores por dívida, com o cerceamento de sua liberdade de ir e vir e o uso de coação moral ou física, para mantê-los no trabalho;

•Submissão de trabalhadores a condições precárias de trabalho, pela falta ou inadequado fornecimento de alimentação sadia e farta e de água potável;

•Fornecimento aos trabalhadores de alojamentos sem condição de habitabilidade e sem instalações sanitárias adequadas;

•Falta de fornecimento gratuito aos trabalhadores de instrumentos para prestação de serviços, de equipamentos de proteção individual e de materiais de primeiros socorros;

•Não utilização de transporte seguro e adequado aos trabalhadores;

•Não cumprimento da legislação trabalhista, desde o registro do contrato na carteira de trabalho, passando pela falta de cumprimento das normas de proteção à saúde e

78 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, de 31 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm>. Acesso em: 5 out. 2015.

79 Com relação à necessidade de melhorar a previsão legislativa sobre o tráfico de pessoas e sobre como tal mudança afetaria também o crime de trabalho escravo, ver: FINELLI, Lília Carvalho; SOARES, Thiago Moraes Raso Leite. Tráfico de pessoas e trabalho escravo: da necessidade de tipificação do tráfico para o combate ao trabalho escravo. In: REIS, Daniela Muradas; MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira; FINELLI, Lília Carvalho (Orgs.). Trabalho Escravo: estudos sob as perspectivas trabalhista e penal. Belo Horizonte: RTM, 2015. p. 221-239.

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HADDAD, Carlos Henrique Borlido. Do paradigma da propriedade à concepção da liberdade de escolha: definindo o trabalho escravo para fins penais. In: REIS, Daniela Muradas; MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira; FINELLI, Lília Carvalho (Orgs.). Trabalho Escravo: estudos sob as perspectivas trabalhista e penal. Belo Horizonte: RTM, 2015. p. 203-240.

segurança dos trabalhadores, até a ausência de pagamento da remuneração a eles devida;

•Coagir ou induzir trabalhador a se utilizar de armazéns ou serviços mantidos pelos empregadores ou seus prepostos.81

Tal ideia seria aproveitada na edição da Lei nº 10.803/03,

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conforme será abordado

adiante. Porém, o conceito de trabalho escravo como trabalho forçado permaneceu sendo a

interpretação geral, o que persiste mesmo na atualidade.

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Existem, no entanto, outras normas

que auxiliaram na evolução em conformidade com o disposto acima, como é o caso da

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).