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Entendimentos jurisprudenciais sobre a Lista Suja do MTE e sobre o crime

Fixada a competência da Justiça Federal para o crime do art. 149 do CP/40, resta

ainda outra divergência: a relativa à edição da Lista Suja pelo Ministério do Trabalho e

Emprego.

A Constituição de 1988 determinou originalmente a competência da Justiça do

Trabalho de forma limitada, englobando apenas os dissídios individuais e coletivos entre

trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da

administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da

União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como

os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.

Dessa forma, não se vislumbraria, com a antiga redação constitucional, qualquer

competência do Tribunal Superior do Trabalho para conhecer de casos envolvendo

penalidades impostas por órgãos de fiscalização, que geram, dentre outros, a edição da Lista

Suja. No entanto, o art. 114 da CR/88 foi alterado com a Emenda Constitucional nº 45/04,

constando as seguintes hipóteses:

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MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL. Portaria nº 1.150, de 18 de novembro de 2003. Diário

Oficial da União, 20 nov. 2003. Disponível em:

<http://www.mi.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=b9f0a700-687a-47e3-9c1c- 4d418f9e6cf8&groupId=407753>. Acesso em: 10 out. 2015.

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II as ações que envolvam exercício do direito de greve;

III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;

V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;

VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.83

(grifos nossos)

Desde então, a Justiça Especializada passou a apreciar tanto os processos de danos

morais e verbas rescisórias decorrentes do resgate de trabalhadores em condições análogas às

de escravo, quanto aqueles em que se requer a retirada do nome do empregador do cadastro.

Nesse sentido está o entendimento do TST:

I - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. EXCLUSÃO DO NOME DA EMPRESA DO CADASTRO DE EMPREGADORES QUE MANTÉM TRABALHADORES EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS A DE ESCRAVOS. PERMANÊNCIA NO CADASTRO POR MENOS DE DOIS ANOS. PORTARIA 540 DO MTE. Demonstrada possível violação dos arts. 1.º, III, 170, III e VIII, e 186, III e IV, da Constituição Federal, impõe-se o provimento do agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. II - RECURSO DE REVISTA. EXCLUSÃO DO NOME DA EMPRESA DO CADASTRO DE EMPREGADORES QUE MANTÉM TRABALHADORES EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS A DE ESCRAVOS. PERMANÊNCIA NO CADASTRO POR MENOS DE DOIS ANOS. PORTARIA 540 DO MTE. A Portaria 540 do MTE visou inibir práticas espúrias de

exploração humana e dar efetividade aos princípios constitucionais de valorização do trabalho, de dignidade da pessoa humana, de livre iniciativa, da função social da propriedade, da busca do pleno emprego, almejando, enfim, a realização dos direitos fundamentais do homem (arts. 1.º, II e IV; 3.º, I, III e IV;

5.º, I, III e XLI; 6.º; 7.º, X; 170, VIII; 186 e 193, todos da Constituição Federal). Na hipótese, o Tribunal Regional concluiu pela exclusão do nome da empresa do cadastro de infratores criado pela Portaria 540 do MTE, mesmo sem ter permanecido pelo período de dois anos, sob o fundamento de que a reclamada regularizou sua conduta tão logo foi autuada. Ao assim entender, a Corte de

origem acabou por negar vigência à referida Portaria, cuja finalidade na cominação da manutenção do nome da empresa na -lista suja-, pelo período de dois anos é de estabelecer diretriz administrativa hábil a fornecer dados suficientes para orientar a ação da Administração Pública, no sentido de combater a prática ilegal de trabalho escravo. O lapso de 2 anos previsto no art.

83 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988.

Diário Oficial da União, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 17 fev. 2016.

4.º da Portaria 540/2004 refere-se ao período de monitoramento da propriedade, a fim de que, em caso de não reincidência, o nome do infrator possa ser retirado da referida lista após a quitação das multas administrativas e dos débitos trabalhistas e previdenciários decorrentes da ação fiscal. Assim, a regularidade das condições de

trabalho, antes de transcorrido o período de dois anos, não pode servir à exclusão da penalidade imposta à empresa pela prática já efetivada da caracterização de trabalho em condições análogas a trabalho escravo, pois, do contrário, estar-se-ia negando exigibilidade e eficácia à referida norma, de dar publicidade à sociedade do resultado das práticas fiscalizatórias em que se concluiu pela existência de trabalho degradante. Recurso de revista conhecido e

provido.84 (grifos nossos)

CADASTRO DE EMPREGADORES QUE MANTÊM TRABALHADORES EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO. PORTARIA MTE Nº 540/2004. MANDADO DE SEGURANÇA. COGNIÇÃO RESTRITA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADO. Trata-se de mandado de segurança em que o impetrante objetiva ter seu nome excluído do cadastro de empregadores que mantêm trabalhadores em condições análogas à de escravo, previsto na Portaria nº 540/2004 do Ministério do Trabalho e Emprego. [...] De qualquer forma, manter

trabalhadores em condições análogas à de escravo é prática socialmente repudiada e não necessita de norma positivada para que seja coibida, pois representa ato contrário à dignidade da pessoa humana, princípio basilar da Constituição da República de 1988 e, no dizer de Flávia Piovesan, assume posição essencial, na condição de verdadeiro -superprincípio constitucional-.

Cotejando ambas as Portarias, 1.234/2003 e 540/2004, percebe-se que a mais recente estabelece procedimento prático de represália, qual seja a criação do -Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo-, com um maior número de órgãos a terem conhecimento da inclusão do infrator no citado cadastro, particularizando ações, de forma a permitir tão somente maior operabilidade. Por outro lado, a Portaria nº 1.234/2003 já previa a criação de uma relação de empregadores que submetessem trabalhadores a formas degradantes de trabalho ou condições análogas à de escravo, com o respectivo encaminhamento, pelo Ministério do Trabalho, a outros órgãos, com a finalidade de subsidiar ações no âmbito das competências daqueles órgãos relacionados, estabelecendo também restrições de direito, ainda que de forma ampla e genérica. Não se pode afirmar

que as citadas portarias possuem objetos distintos, uma vez que ambas concretizam os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e valorização do trabalho, bem como prestigiam os objetivos de constituir uma sociedade livre, justa e solidária, de forma a erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais, promovendo o bem de todos (artigo 3º, incisos I, III e IV,

da Constituição Federal). A Portaria nº 540/2004 foi tão somente mais específica nos aspectos sancionatórios. Não é fora de propósito sublinhar que o artigo 184 da

Constituição Federal legitima a macro sanção de perda da propriedade rural que não esteja cumprindo a sua função social. Com muito mais razão, o Ministério do Trabalho e Emprego, no bojo de sua ação fiscalizatória, bem como os órgãos destinatários das informações sobre a ação fiscalizadora, poderiam estabelecer atos administrativos sancionatórios, restritivos de direito. Assim, à luz da Portaria nº 1.234/2003, o Ministério do Trabalho e Emprego poderia estabelecer ações inibidoras. A Portaria nº 540/2004 apenas tornou

específicos alguns procedimentos sancionatórios e até imprimiu contornos limitadores. O que se estabeleceu posteriormente foi mera especificação das consequências, antes genéricas. Conclui-se, portanto, que as medidas pontuadas na

84 TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. RR - 970-28.2010.5.18.0000, Relatora Ministra: Delaíde Miranda Arantes, Data de Julgamento: 08/04/2014, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT, 15 abr. 2014. Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highligh t=true&numeroFormatado=RR%20-%20970-

28.2010.5.18.0000&base=acordao&rowid=AAANGhAA+AAAN39AAR&dataPublicacao=15/04/2014&local Publicacao=DEJT&query=lista%20and%20suja%20and%20trabalho%20and%20escravo>. Acesso em: 10 out. 2015.

Portaria nº 540/2004 já poderiam ter sido levadas a efeito sob a égide da norma anterior, com respaldo na matriz constitucional, pois a Portaria nº 1.234/2003 tinha potencialidade de inibir a prática do trabalho escravo e dar concretude à vontade do constituinte originário de ter o imóvel rural função social. Há outro aspecto a ser ressaltado. [...] Recurso de revista conhecido e provido.85 (grifos nossos)

A egrégia Corte Superior trabalhista afirmou, portanto, em seus diversos

pronunciamentos sobre a Lista Suja, que as Portarias nº 540/04 e 1.234/03 eram essenciais

para concretizar os princípios da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho,

além de prestigiar os objetivos da construção de uma sociedade livre, justa e solidária,

erradicando a pobreza e reduzindo as desigualdades sociais. Até mesmo o prazo de dois anos,

durante os quais o empregador era mantido na lista, foi considerado legal pelo TST, por

garantir a exigibilidade e eficácia ao combate, publicizando tais ocorrências.

Com a edição da EC nº 81/14, que alterou o art. 243 da Constituição de 1988 a fim

de possibilitar a expropriação de terras em que for encontrado trabalho escravo, entendeu João

Humberto Cesário que a permissão para editar regulamentos sobre o direito de propriedade,

que decorria apenas do art. 184 da CR/88

86

, pode se fundamentar também no próprio art. 243.

Além disso, entende o autor que aplicar a presunção de inocência aos casos de trabalho

escravo, divulgando a lista apenas após o trânsito em julgado da ação penal, seria correr o

risco de financiar, com recursos da própria sociedade, por via da concessão de créditos

públicos, a produção privada dos que se utilizam da prática, sendo aplicável, por isso, o

princípio do in dubio pro societate.

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Mesmo diante dessa tendência do Tribunal Superior do Trabalho e de todos os

argumentos largamente utilizados pelos juízes do trabalho, em janeiro de 2015, o Supremo

Tribunal Federal, em decisão proferida em período de recesso e em tempo recorde, concedeu

liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5209, suspendendo a Portaria

Interministerial MTE/SEDH nº 02, de 12 de maio de 2011, que até o momento regulava

inteiramente a Lista, em substituição às anteriores:

85 TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. RR - 105100-64.2005.5.10.0001, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 18/12/2012, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT, 15 fev. 2013.

Disponível em:

<http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highligh t=true&numeroFormatado=RR%20-%20105100-

64.2005.5.10.0001&base=acordao&rowid=AAANGhAAFAAAJyFAAB&dataPublicacao=15/02/2013&localP ublicacao=DEJT&query=lista%20and%20suja%20and%20trabalho%20and%20escravo>. Acesso em: 10 out. 2015.

86 CESÁRIO, João Humberto. Breve estudo sobre o cadastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo (Lista Suja): aspectos processuais e materiais. In: VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Trabalho Escravo Contemporâneo: o desafio de superar a negação. São Paulo: ANAMATRA/LTr, 2006. p. 184.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, ajuizada pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias – ABRAINC contra a Portaria Interministerial MTE/SDH n° 2, de 12 de maio de 2011, bem como da Portaria MTE n° 540, de 19 de outubro de 2004, revogada pela primeira. O ato impugnado, que “Enuncia regras sobre o Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo e revoga a Portaria MTE n° 540, de 19 de outubro de 2004”, autoriza o MTE a atualizar, semestralmente, o Cadastro de Empregadores a que se refere, e nele incluir o nome de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo. A requerente alega ofensa ao artigo 87, inciso II; ao artigo 186, incisos III e IV, ambos da Constituição Federal; aos princípios da separação dos poderes, da reserva legal e da presunção de inocência. Sustenta que os Ministros de Estado, ao editarem o ato impugnado, “extrapolaram o âmbito de incidência do inciso II, do artigo 87, do Texto Constitucional, eis que inovaram no ordenamento jurídico brasileiro, usurpando a competência do Poder Legislativo”. Afirma, além disso, que “o pedido de declaração de inconstitucionalidade da Portaria não significa menosprezo à legislação nacional e internacional de combate ao trabalho escravo, e muito menos uma defesa de prática tão odiosa”, mas sim prestígio aos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil mitigados pelos Ministros de Estado que, por meio impróprio, legislaram e criaram restrições e punições inconstitucionais. Assevera, dessa forma, que “assim como é inconcebível que empregadores submetam trabalhadores a condições análogas às de escravo, também é inaceitável que pessoas sejam submetidas a situações vexatórias e restritivas de direitos sem que exista uma prévia norma legítima e constitucional que permita tal conduta da Administração Pública”. Nessa linha, alega que a inscrição do nome na “lista suja” ocorre sem a existência de um devido processo legal, o que se mostra arbitrário, pois “o simples descumprimento de normas de proteção ao trabalho não é conducente a se concluir pela configuração do trabalho escravo”. Defende, ainda, que a inclusão de uma pessoa em tal lista, sem o respeito, ao devido processo legal, vulnera o princípio da presunção de inocência. Ao final requer a concessão da medida cautelar para suspender os efeitos das Portarias 2/2011 e 540/2004, até o julgamento final da ação direta, e, no mérito, a declaração, em caráter definitivo, da inconstitucionalidade dos atos impugnados. Os autos foram encaminhada pela Secretaria Judiciária ao Gabinete da Presidência, nos termos do artigo 13, VIII, do RISTF. É o relatório necessário. Decido. Inicialmente, entendo que a Requerente possui legitimidade para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade, pois, dos documentos juntados, verifica-se a existência de nexo entre o objeto da presente ação direta e os seus objetivos institucionais, além da presença de suas associadas em número suficiente de estados, apta a comprovar o seu caráter nacional. Nesse mesmo sentido, destaco a decisão da ADI 3102, da Relatoria do Ministro Dias Toffoli, em hipótese em tudo semelhante à presente, cuja decisão reconheceu a legitimidade de associação composta por empresas distintas, desde que presente em mais de nove estados da federação, o que constatado no caso em apreço. Passo, portanto, ao exame do pedido de liminar. O art. 10 da Lei 9.868/1999 autoriza que, no período de recesso, a medida cautelar requerida em ação direta de inconstitucionalidade seja excepcionalmente concedida por decisão monocrática do Presidente desta Corte – a quem compete decidir sobre questões urgentes no período de recesso ou de férias, conforme o art. 13, VIII, do RISTF. O tema trazido aos autos – trabalho escravo – é muito caro à República Federativa do Brasil, que tem por fundamentos a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, sendo as políticas públicas, para a extinção de odiosa prática, um dever constitucionalmente imposto às pastas ministeriais envolvidas. Contudo, mesmo no exercício de seu munus institucional de fiscalizar as condições de trabalho e punir os infratores, a Administração Pública Federal deve observância aos preceitos constitucionais, dentre os quais os limites da parcela de competência atribuída aos entes públicos. A Portaria Interministerial

MTE/SDH n° 2/2011 foi editada no exercício da competência do inciso II, do art. 87, da Constituição da República, o qual permite ao Ministro de Estado expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos. Ocorre que, para a expedição de tais atos, faz-se necessária a preexistência de uma lei formal apta a estabelecer os limites de exercício do poder regulamentar, pois

este não legitima o Poder Executivo a editar atos primários, segundo afirma assente jurisprudência desta Corte Suprema. No caso em apreço, embora se

mostre louvável a intenção em criar o Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo, verifico a inexistência de lei formal que respalde a edição da Portaria 2/2011 pelos Ministros de Estado, mesmo porque o ato impugnado fez constar em seu bojo o intuito de regulamentar o artigo 186 da Carta Constitucional, que trata da função social da propriedade rural. Configurada, portanto, a edição de ato normativo estranho às atribuições conferidas pelo artigo 87, inciso II, da Carta Constitucional, o princípio constitucional da reserva de lei impõe, ainda, para a disciplina de determinadas matérias, a edição de lei formal, não cabendo aos Ministros de Estado atuar como legisladores primários e regulamentar norma constitucional. Observe-se que por força da Portaria 2/2011 – e da anterior Portaria 540/2004 – é possível imputar aos inscritos no Cadastro de Empregadores, criado por ato normativo administrativo, o cometimento do crime previsto no artigo 149 do Código Penal, além da imposição de restrições financeiras que diretamente afetam o desenvolvimento das empresas. Embora a edição dos atos normativos impugnados vise ao combate da submissão de trabalhadores a condições análogas à de escravo, diga-se, no meio rural, a finalidade institucional dos Ministérios envolvidos não pode se sobrepor à soberania da Constituição Federal na atribuição de competências e na exigência de lei formal para disciplinar determinadas matérias. Um exemplo que bem ilustra essa exigência de lei formal para criação de tais cadastros é Código de Defesa do Consumidor, que em seus arts. 43 a 46 prevê expressamente a criação “Dos Bancos de Dados e Cadastros de Consumidores”, ou seja, parece-me que sem essa previsão normativa expressa

em lei não seria possível criar um cadastro de consumidores inadimplentes. Há outro aspecto importante a ser observado em relação a tal Portaria Interministerial: a aparente não observância do devido processo legal. Isso porque a inclusão do nome do suposto infrator das normas de proteção ao trabalho ocorre após decisão administrativa final, em situações constatadas em decorrência da ação fiscal e que tenha havido a identificação de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo. Ou seja, essa identificação é feita de forma unilateral sem que haja um processo administrativo em que seja assegurado contraditório e a ampla defesa ao sujeito fiscalizado. Assim,

considerando a relevância dos fundamentos deduzidos na inicial e a proximidade da atualização do Cadastro de Empregadores que submetem trabalhadores a condição análoga à de escravo, tudo recomenda, neste momento, a suspensão liminar dos efeitos da Portaria 2/2011 e da Portaria 540/2004, sem prejuízo da continuidade das fiscalizações efetuadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Isso posto, defiro, ad referendum do Plenário, o pedido de medida liminar formulado na inicial, para suspender a eficácia da Portaria Interministerial MTE/SDH n° 2, de 12 de maio de 2011 e da Portaria MTE n° 540, de 19 de outubro de 2004, até o julgamento definitivo desta ação. Comunique-se com urgência. Publique-se. Brasília, 23 de dezembro de 2014. Ministro Ricardo Lewandowski Presidente Documento assinado digitalmente.88 (grifos nossos)

O STF considerou, portanto, que o devido processo legal estava sendo desrespeitado,

vez que a identificação das condições era feita unilateralmente, pelo MTE. Ademais, a Lista

88 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 5209 MC, Relator(a): Min. Cármen Lúcia, julgado em 23/12/2014, publicado em Processo Eletrônico DJe-022 DIVULG 02/02/2015 PUBLIC 03/02/2015. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADI%24%2ESCLA%2E+E+5209%2E NUME%2E%29+E+S%2EPRES%2E&base=basePresidencia&url=http://tinyurl.com/pusjhlq>. Acesso em: 10 out. 2015.

seria exemplo de ato primário,

89

quando o art. 87, II, da CR/88,

90

apenas autoriza os Ministros

de Estado a expedir regulamentos sobre leis que já existam.

A argumentação do Supremo, no entanto, parece ser condizente com o

posicionamento político da Corte, que há tempos vem flexibilizando as normas trabalhistas.

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O ataque ao que com tantas lutas foi construído é claro a partir do voto concedendo a liminar

de suspensão.

Márcio Túlio Viana, ao tratar da efetividade das portarias do MTE e do Ministério da