É importante notar que, mesmo no Código Criminal do Império, de 1830,
19já havia
menção à escravidão. Porém, considerando que a Lei Áurea
20declarou extinto o regime
escravocrata apenas em 1888, a previsão criminal era somente para os casos em que se
escravizasse pessoa livre:
19 BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o Código Criminal. Coleção de Leis do Brasil, 1830. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm>. Acesso em: 5 out. 2015.
20 BRASIL. Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888. Declara extinta a escravidão no Brasil. Coleção de Leis do
Brasil, de 1888. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM3353.htm>. Acesso em:
Art. 179. Reduzir à escravidão a pessoa livre, que se achar em posse da sua liberdade.
Penas - de prisão por tres a nove annos, e de multa correspondente à terça parte do tempo; nunca porém o tempo de prisão será menor, que o do captiveiro injusto, e mais uma terça parte.21
Veja-se que o crime era tão grave que o réu não poderia ficar preso por tempo
inferior ao que manteve o homem livre escravo, condenação à qual era acrescido um terço do
tempo.
22Ainda assim, o Código Penal de 1890,
23editado dois anos após a proibição da
escravatura, nada trouxe sobre a repressão ao trabalho escravo. Muitas de suas imperfeições
são, entretanto, creditadas à pressa na elaboração, vez que sua vigência se fez antes mesmo da
primeira Constituição da República, de 1891.
24Mesmo sendo posterior, o espírito constitucional fez com que o próprio Código já
trouxesse avanços importantes, como a abolição das penas de morte e a de banimento
judicial,
25além da instituição da prescrição (arts. 77 a 85). Porém, da mesma forma de antes,
o trabalho forçado como sanção criminal continuou a existir (art. 46 do Código Criminal de
1830
26e arts. 43, d, e 48 do Código Penal de 1890
27).
21 BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o Código Criminal. Coleção de Leis do Brasil, 1830. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm>. Acesso em: 5 out. 2015.
22
Tradicionalmente, a escravização de um homem livre era tratada sob a alcunha de “plágio”, indicando Luiz Regis Prado que a diferença era a necessidade do Direito Romano de tutelar não a liberdade individual, mas o direito de domínio. PRADO, Luiz Regis. Parte Especial - Arts. 121 a 249. In: _____. Curso de Direito Penal
Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 2. p. 347.
23
BRASIL. Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o Codigo Penal. Coleção de Leis do Brasil 1890, Página 2664 Vol. Fasc. X. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824- 1899/decreto-847-11-outubro-1890-503086-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 5 out. 2015.
24 SILVEIRA, Mariana Moraes. De uma República a outra: notas sobre os Códigos Penais de 1890 e de 1940.
Revista do CAAP, Belo Horizonte, Número Especial: I Jornada de Estudos Jurídicos da UFMG, p. 109-125,
jul./dez. 2010. Disponível em:
<http://www2.direito.ufmg.br/revistadocaap/index.php/revista/article/download/322/311>. Acesso em: 19 jan. 2016.
25
Tradicionalmente, o banimento implica a perda da nacionalidade e, com ela, dos direitos políticos. Sobre o histórico da referida pena em nosso ordenamento, o STF se manifestou em Habeas Corpus em favor de Dom Luiz de Orleans e Bragança, ex-príncipe da Casa Imperial do Brasil. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
Habeas Corpus nº 2.437. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/sobreStfConhecaStfJulgamentoHistorico/anexo/HC2437.pdf>. Acesso em: 17 fev. 2016.
26 “Art. 46. A pena de prisão com trabalho, obrigará aos réos a occuparem-se diariamente no trabalho, que lhes fôr destinado dentro do recinto das prisões, na conformidade das sentenças, e dos regulamentos policiaes das mesmas prisões.” (BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o Código Criminal. Coleção de
Leis do Brasil, 1830. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm>.
Acesso em: 5 out. 2015.)
27 “Art. 43. As penas estabelecidas neste codigo são as seguintes: [...]
d) prisão com trabalho obrigatorio; [...]
Art. 48. A pena de prisão com trabalho será cumprida em penitenciarias agricolas, para esse fim destinadas, ou em presidios militares.” (BRASIL. Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o Codigo Penal.
A tendência do Código era, ainda, claramente racista, demonstrando Boris Fausto,
em análise sobre o conteúdo dos autos criminais da época, que a distinção por raça era
frequentemente utilizada em provas testemunhais, sendo o delinquente identificado conforme
os padrões do mercado escravagista.
28Ademais:
O trabalho foi uma das formas de “disciplinar” a população, em detrimento de uma civilização moderna. Para aquela época, o velho provérbio popular “O trabalho dignifica o homem” foi levado literalmente para o ordenamento legal, passando pela norma incriminadora.
Embora inserida no Código, Carvalho apresenta que a ideologia do trabalho, pode ser inferida no principal indício da real urgência das elites republicanas na institucionalização de uma nova norma repressiva: Abolição, que lançou o restante da mão-de-obra escrava no mercado de trabalho livre e engrossou o contingente de subempregados e desempregados. Além disso, provocou um êxodo para a cidade proveniente da região cafeeira do estado do Rio [...] (1987, p. 16), ou seja, os ex- escravos que trabalhavam no campo, viram na cidade a oportunidade de melhores condições de vida. Porém, ao chegar à cidade, este “ex-escravo” encontrava dificuldades ainda maiores, pois além da discriminação racial, nas regiões de maior dinâmica da economia do Brasil, que compreendem São Paulo e Rio de Janeiro, a opção era pelo imigrante europeu, levando os negros para a marginalidade.29