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2.9 Lei nº 10.803 (2003)

2.9.2 Jornada exaustiva

Relacionada ao sweating system (sistema de suor), remontando à Revolução

Industrial e às longas horas de trabalho dos industriais, a jornada exaustiva tem seu cerne na

extrema fadiga.

171

Nos dias atuais, embora a jornada de trabalho tenha limitações,

166 Assim entende Rogério Greco, ao afirmar ser possível, com a nova redação, visualizar outros bens a serem protegidos, como a vida, saúde e segurança, além da liberdade. GRECO, Rogério. Parte especial. Introdução à teoria geral da parte especial: crimes contra a pessoa. In: _____. Curso de Direito Penal. 11. ed. Niterói: Impetus, 2015. v. 2. p. 537.

167 BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho decente. Análise jurídica da exploração do trabalho – trabalho forçado e outras formas de trabalho indigno. São Paulo: LTr, 2004. p. 75.

168 BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho com redução do homem a condição análoga à de escravo e dignidade da pessoa humana. Revista Genesis, Curitiba, n. 137, p. 673-682, maio 2004. Disponível em: <http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/brasil/documentos/dignidadetrabalhoescravo.pdf>. Acesso em: 19 fev. 2016.

169 SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho Escravo no Brasil. São Paulo: Ltr, 2000. p. 23-27. 170 HADDAD, Carlos Henrique Borlido. Do paradigma da propriedade à concepção da liberdade de escolha:

definindo o trabalho escravo para fins penais. In: REIS, Daniela Muradas; MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira; FINELLI, Lília Carvalho (Orgs.). Trabalho Escravo: estudos sob as perspectivas trabalhista e penal. Belo Horizonte: RTM, 2015. p. 203-240.

171 BELISARIO, Luiz Guilherme. A redução de trabalhadores rurais à condição análoga à de escravo. São Paulo: LTr, 2005. p. 107.

impossibilitando-se sua extensão além do máximo legal, mesmo diante da vontade das partes

de fazê-lo, ainda é possível exaurir o trabalhador em suas tarefas.

A jornada de trabalho,

172

na forma da Constituição de 1988, tem como limite

máximo o labor por oito horas diárias e quarenta e quatro semanais (art. 7º, XIII, CR/88),

sendo possível a prestação de horas extras mediante um pagamento adicional de, no mínimo,

50% (art. 7º, XVI, CR/88). De acordo com o art. 59 da CLT, é possível laborar, em condições

normais, duas horas extras diárias; no entanto, ainda se permite a compensação (por acordo

individual ou instituição de banco de horas),

173

a prorrogação nos casos de necessidade

imperiosa,

174

bem como a jornada de 12 horas de trabalho por 36 de descanso.

175

Ademais, não basta que o trabalhador labore dentro dos limites legais, sendo

importante respeitar seus períodos de descanso. Por isso, a CLT determina em seus arts. 66,

67 e 71, em consonância com o art. 7º, XV e XXII, da CR/88, a necessidade de fornecer ao

empregado pausas dentro da jornada (no mínimo uma hora) e entre uma jornada e outra (no

mínimo 11 horas),

176

além de um descanso semanal de 24 horas, preferencialmente aos

domingos.

Daí o motivo pelo qual alguns doutrinadores fixam como exaustiva a jornada que não

respeita os limites de prorrogação e de descanso, como é o caso de Belisario, que ainda aponta

a necessidade de se controlar a prorrogação ilegal da jornada dos rurais.

177

Sobre o conceito aplicável após a mudança do art. 149 do CP/40, o Ministério do

Trabalho e Emprego ressaltou o seguinte:

172

De acordo com Maurício Godinho Delgado, “jornada é o lapso temporal diário em que o empregado se coloca à disposição do empregador em virtude do respectivo contrato” (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de

Direito do Trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 862).

173 Sobre o assunto, conferir a Súmula nº 85 do TST. (TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Súmula nº

85. Disponível em:

<http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_51_100.html#SUM-85>. Acesso em: 18 fev. 2016.)

174 A necessidade imperiosa deve, conforme determina o art. 61 da CLT, ser motivada por força maior ou para atender à realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto. Nesses casos, o excesso precisa ser comunicado à autoridade competente em dez dias, dispensando-se a negociação coletiva em razão da urgência.

175 Embora não regulamentada legalmente, a jurisprudência do TST permite a contratação em jornada 12x36 via acordo ou convenção coletiva de trabalho, por considerá-la mais benéfica ao empregado. (TRIBUNAL

SUPERIOR DO TRABALHO. Súmula 444. Disponível em:

<http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_401_450.html#SUM-444>. Acesso em 18 fev. 2016.)

176

Tais pausas são aplicadas para a jornada básica de oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, existindo exceções para contratos especiais de trabalho e outros.

177 Tal limitação seria necessária por se tratar de trabalho penoso e pela possibilidade de elastecer o intervalo intrajornada, permanecendo o trabalhador mais do que o necessário no local. Existe, ainda, no âmbito rural, a prática comum de serviços intermitentes, executados em mais de uma etapa diária, além de poderem os trabalhadores cumular o vínculo empregatício com o contrato de trabalho de plantação intercalar (art. 12 da Lei nº 5.589/73). Cf.: BELISARIO, Luiz Guilherme. A redução de trabalhadores rurais à condição análoga à

Note-se que jornada exaustiva não se refere exclusivamente à duração da jornada, mas à submissão do trabalhador a um esforço excessivo ou a uma sobrecarga de trabalho – ainda que em espaço de tempo condizente com a jornada de trabalho legal – que o leve ao limite de sua capacidade. É dizer que se negue ao obreiro o direito de trabalhar em tempo e modo razoáveis, de forma a proteger sua saúde, garantir o descanso e permitir o convívio social. Nessa modalidade de trabalho em condição análoga à de escravo, assume importância a análise do ritmo de trabalho imposto ao trabalhador, quer seja pela exigência de produtividade mínima por parte do empregador, quer seja pela indução ao esgotamento físico como forma de conseguir algum prêmio ou melhora na remuneração. Ressalte-se que as normas que preveem limite à jornada de trabalho (e, no mesmo sentido, a garantia do gozo do repouso) caracterizam-se como normas de saúde pública, que visam a tutelar a saúde e a segurança dos trabalhadores, possuindo fundamento de ordem biológica, haja vista que a limitação da jornada – tanto no que tange à duração quanto no que se refere ao esforço despendido – tem por objetivo restabelecer as forças físicas e psíquicas do obreiro, assim como prevenir a fadiga física e mental do trabalhador, proporcionando também a redução dos riscos de acidentes de trabalho.178

Da mesma maneira, muitos apontam, em concordância com o conceito estipulado

pelo MTE, que a jornada pode ser exaustiva mesmo sem extrapolar os limites legais. Nesses

casos, é a intensidade do trabalho que exaure o empregado.

179

Não parece adequado, no entanto, o entendimento de alguns doutrinadores criminais

de que a anuência e vontade da vítima em trabalhar exaustivamente para aumentar a

remuneração ou adquirir vantagem torne o fato atípico. Isso porque é dever do empregador

respeitar os limites da legislação do trabalho, sendo as normas de saúde e segurança

obrigatórias e indisponíveis.

180

Veja-se, por exemplo, que a necessidade de trabalhar além do estipulado é uma

realidade para muitos dos empregados brasileiros, em especial nos contratos que envolvem a

remuneração por produção.

181

O baixo valor da remuneração se mostra peça-chave no

178 MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Manual de Combate ao Trabalho em Condições

Análogas à de Escravo. Brasília: MTE, 2011. Disponível em: <http://2ccr.pgr.mpf.mp.br/coordenacao/grupos-de-trabalho/gt-escravidao-contemporanea/notas-tecnicas- planos-e-oficinas/combate%20trabalho%20escravo%20WEB%20MTE.pdf/at_download/file>. Acesso em: 20 fev. 2016, p. 13-14.

179

Sobre o tema, ver: SILVA, Sandro Pereira. Percepção dos trabalhadores sobre intensidade e exigências no ambiente de trabalho. Mercado de Trabalho, IPEA, n. 52, p. 27-33 ago. 2012. Disponível em:

<http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3875/1/bmt52_nt02_percepcao.pdf>. Acesso em: 21 fev. 2016. DAL ROSSO, Sadi. Mais trabalho! A intensificação do labor na sociedade contemporânea. São Paulo: Boitempo Editorial, 2008.

180 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Estrutura normativa da segurança e saúde do trabalhador no Brasil. Rev.

Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 45, n. 5, p. 107-130, jan./jun. 2007. Disponível em:

<http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_75/Sebastiao_Oliveira.pdf>. Acesso em: 21 fev. 2016. 181

Cite-se o trabalho nos canaviais, onde com frequência ocorrem mortes por exaustão. Sobre o tema, ver: REPÓRTER BRASIL. As condições de trabalho no setor sucroalcooleiro. 26 fev. 2015. Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/02/26.-Folder_Sucroalcooleiro_web_baixa.pdf>. Acesso em: 19 fev. 2016.

problema, existindo inclusive casos que a jurisprudência trabalhista considera como passíveis

de reparação por “dano existencial”.

182

Referido dano, espécie do género dano moral, vem sendo assim reconhecido pela

Justiça do Trabalho:

DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXTRA EXCEDENTE DO LIMITE LEGAL DE TOLERÂNCIA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. O dano existencial é uma espécie de dano imaterial, mediante o qual, no caso das relações de trabalho, o trabalhador sofre danos/limitações em relação à sua vida fora do ambiente de trabalho em razão de condutas ilícitas praticadas pelo tomador do trabalho.

Havendo a prestação habitual de trabalho em jornadas extras excedentes do limite legal relativo à quantidade de horas extras, resta configurado dano à existência, dada a violação de direitos fundamentais do trabalho que traduzem

decisão jurídico-objetiva de valor de nossa Constituição. Do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana decorre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade do trabalhador, do qual constitui projeção o direito ao desenvolvimento profissional, situação que exige condições dignas de trabalho e observância dos direitos fundamentais também pelos empregadores (eficácia horizontal dos direitos fundamentais). Recurso provido.183

Diante da possibilidade de imputar às empresas reclamadas o pagamento de

indenização por dano existencial, há que se ressalvar o fato de que a Justiça do Trabalho, por

vezes, afirma a existência de diferença conceitual entre jornada exaustiva e extenuante.

“Nessa linha de entendimento, a jornada exaustiva não caracteriza o labor em condições

análogas à de escravo, ensejando, todavia, o pagamento de dano existencial por representar

uma ofensa a direito fundamental do trabalhador referente ao seu descanso e lazer.”

184

Correta a ideia de que a mera inobservância de direitos trabalhistas relacionados à

jornada não necessariamente implica a incidência do tipo penal, mesmo porque este se

considera ultima ratio. Mostra-se necessária, então, para a condenação em danos existenciais,

a privação do direito de lazer e descanso, enquanto o tipo penal requer conduta ainda mais

gravosa, ofendendo a dignidade.

182

O dano existencial tem por fundamentos legais os arts. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição de 1988, e os arts. 12, 186 e 927, do Código Civil de 2002. Ver: SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade Civil por

Dano Existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

183 TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO 4ª REGIÃO. RO 0001137-93.2010.5.04.0013, Relator: José Felipe Ledur, Data de Julgamento: 16/05/2012. Disponível em: <http://trt- 4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21666606/recurso-ordinario-ro-11379320105040013-rs-0001137-

9320105040013>. Acesso em: 19 fev. 2016.

184 MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira, FINELLI, Lília Carvalho. Trabalho em condições análogas ao de escravo: a polêmica questão da jornada extenuante. BRAGA, Ana Gabriela Mendes; ÁGUILA, Iara Marthos; CUNHA, Juliana Frei; BORGES, Paulo César Corrêa (Orgs.). Formas Contemporâneas de Trabalho

Escravo. São Paulo: PPGD, 2015. p. 47-57. Disponível em: <http://www.franca.unesp.br/Home/Pos-

Com relação aos casos em que o excesso de prestação de horas extras se dá diante da

necessidade do trabalhador de receber contraprestação maior, configura-se o dano da mesma

maneira. Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini inclusive afirmam que a inconsciência

da vítima quanto às condições a que é submetida não elide o crime, bem como seu

consentimento não afasta a ilicitude do fato.

185

A fundamentação para tal seria exatamente a

indisponibilidade dos bens que o tipo penal tutela.

186

Muito criticada pelos empregadores, a jornada exaustiva foi definida de forma

simplificada pelo MPT e pelo MTE. Com relação ao primeiro, sua previsão se deu com a

Orientação nº 3 da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, de 2009,

que assim ditou:

Jornada de trabalho exaustiva é a que, por circunstâncias de intensidade, frequência, desgaste ou outras, cause prejuízos à saúde física ou mental do trabalhador, agredindo sua dignidade, e decorra de situação de sujeição que, por qualquer razão, torne irrelevante a sua vontade.187

Também em sentido semelhante, o MTE editou o Manual de Combate ao Trabalho

em Condições Análogas à de Escravo, em 2011, afirmando que a:

[...] jornada exaustiva não se refere exclusivamente à duração da jornada, mas à submissão do trabalhador a um esforço excessivo ou a uma sobrecarga de trabalho – ainda que em espaço de tempo condizente com a jornada de trabalho legal – que o leve ao limite de sua capacidade. É dizer que se negue ao obreiro o direito de trabalhar em tempo e modo razoáveis, de forma a proteger sua saúde, garantir o descanso e permitir o convívio social. Nessa modalidade de trabalho em condição

análoga à de escravo, assume importância a análise do ritmo de trabalho imposto ao trabalhador, quer seja pela exigência de produtividade mínima por parte do empregador, quer seja pela indução ao esgotamento físico como forma de conseguir algum prêmio ou melhora na remuneração.188 (grifo nosso)

Há sutil diferença entre os conceitos, uma vez que o MPT conjugou o elemento de

prejuízos físicos e mentais à necessidade de sujeição, elemento esse conectado com o controle

185 No mesmo sentido, ver: BITENCOURT, Cezar Roberto. Parte Especial 2 – Dos crimes contra a pessoa. In: _____. Tratado de Direito Penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 428.

186 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Parte Especial. Arts. 121 a 234-B do CP. In: _____.

Manual de Direito Penal. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2010. v. 2. p. 159.

187 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo – CONAETE. Relatório de atividades do CONAETE, exercício de 2009. Disponível em: <http://www.pgt.mpt.gov.br/portaltransparencia/download.php?tabela=PDF&IDDOCUMENTO=643>. Acesso em: 6 out. 2015. p. 9.

188 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas à

de Escravo. Brasília: MTE, 2011. Disponível em: <http://2ccr.pgr.mpf.mp.br/coordenacao/grupos-de-

trabalho/gt-escravidao-contemporanea/notas-tecnicas-planos-e-

oficinas/combate%20trabalho%20escravo%20WEB%20MTE.pdf/at_download/file>. Acesso em: 6 out. 2015. p. 13-14.

e a posse previstos nas Diretrizes de Bellagio-Harvard.

189

Por outro lado, o MTE tem

conceituação mais aprofundada, analisando o sistema de produção através do ritmo de

trabalho, considerando que a proteção não é apenas à saúde, mas também para o convívio

social, baseando-se no trabalho digno.

190

Também compreendendo que a exaustão a que são levados os trabalhadores constitui

afronta à dignidade, Julio Fabrini Mirabete afirma que “tutela-se a dignidade da pessoa

humana, que não pode ser submetida a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, inciso II,

da CF), inclusive no exercício do trabalho, objeto de especial proteção na Constituição

Federal (art. 7º) e na legislação pátria.”

191

Em entendimento atual, muitos julgados trabalhistas indicam o seguinte:

JORNADA EXAUSTIVA. PRIVAÇÃO DO LAZER E DA CONVIVÊNCIA FAMILIAR E SOCIAL. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. A exposição do empregado, de forma habitual e sistemática, a carga extenuante de trabalho, em descompasso com os limites definidos na legislação, implica indébita deterioração das condições laborativas, a repercutir inclusive na esfera de vida pessoal e privada do trabalhador. Nessas circunstâncias, as horas extras quitadas durante o pacto

representam válida contraprestação da força de trabalho vertida pelo obreiro, em caráter suplementar, em prol da atividade econômica. Todavia, não reparam o desgaste físico e psíquico extraordinário imposto ao empregado bem como a privação do lazer e do convívio familiar e social, sendo manifesto

também, nessas condições, o cerceamento do direito fundamental à liberdade. O lazer, além da segurança e da saúde, bens diretamente tutelados pelas regras afetas à duração do trabalho, está expressamente elencado no rol de direitos sociais do cidadão (art. 6º da CR). A violação à intimidade e à vida privada do autor encontra- se configurada, traduzindo, em suma, grave ofensa à sua dignidade, a ensejar a reparação vindicada, porquanto não se pode lidar com pessoas da mesma forma como se opera uma máquina.192 (grifos nossos)

De forma mais acanhada que a Justiça do Trabalho, que faz relação direta entre a

jornada exaustiva e o dano existencial, Tribunais Regionais Federais se manifestam sobre o

tema atrelando-o às condições degradantes, o que não se mostra de todo incorreto.

189 RESEARCH NETWORK ON THE LEGAL PARAMETERS OF SLAVERY. Bellagio-Harvard Guidelines

on the Legal Parameters of Slavery, de 3 mar. 2012. Disponível em: <http://www.qub.ac.uk/schools/SchoolofLaw/Research/HumanRightsCentre/Resources/Bellagio-

HarvardGuidelinesontheLegalParametersofSlavery/>. Acesso em: 7 out. 2015. (Documento disponível no ANEXO F).

190 Sobre a existência, atualmente, de uma reestruturação produtiva que vem levando os trabalhadores a um serviço cada vez mais alienante, cf.: ALVES, Giovanni. Trabalho e subjetividade. São Paulo: Boitempo, 2011.

191 MIRABETE, Julio Fabrini. Parte Especial. In: _____. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 2004. v. 2. p. 192.

192 TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO – 3ª REGIÃO. RO 0001189-86.2013.5.03.0086, Relator: Convocada Martha Halfeld F. de Mendonca Schmidt, Sétima Turma, Data de Publicação: 06/06/2014 05/06/2014. DEJT/TRT3/Cad.Jud. Página 212. Boletim: Sim. Disponível em: <http://trt- 3.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/122825759/recurso-ordinario-trabalhista-ro-1189201308603000-0001189- 8620135030086>. Acesso em: 20 fev. 2016.

Embora em diversos casos a jornada exaustiva esteja presente em conjunto com as

condições degradantes, há relatos de condutas que especificam a jornada exaustiva em si,

como é o caso dos trabalhadores de corte da cana-de-açúcar:

A partir da década de 90 houve um grande aumento da produtividade do trabalho. Os trabalhadores para manterem seus empregos na cana necessitam hoje cortar no mínimo 10 toneladas de cana por dia, para se manterem empregados; a média cortada expandiu-se para 12 toneladas de cana por dia. Portanto a produtividade média cresceu em 100%, saiu de 6 toneladas/homem/dia, na década de 80, e chegou a 12 toneladas de cana por dia, na presente década. (...) Um trabalhador que corta hoje 12 toneladas de cana em média por dia de trabalho realiza as seguintes atividades no dia: caminha 8.800 metros; despende 366.300 golpes de podão; carrega 12 toneladas de cana em montes de 15 Kg em média cada um, portanto, ele faz 800 trajetos levando 15Kg nos braços por uma distância de 1,5 a 3 metros; faz aproximadamente 36.630 flexões de perna para golpear a cana; perde, em média 8 litros de água por dia por realizar toda esta atividade sob sol forte do interior de São Paulo, sob os efeitos da poeira, da fuligem expelida pela cana queimada, trajando uma indumentária que o protege, da cana, mas aumenta a temperatura corporal. (...)O que vai ao centro da questão, que são as mortes dos trabalhadores cortadores de cana pelo excesso de trabalho é o pagamento por produção. Enquanto o setor sucro-alcooleiro permanecer com esta dicotomia interna: de um lado, utiliza o que há de mais moderno em termos tecnológicos e organizacionais; uma tecnologia típica do século XXI (tratores e máquinas agrícolas de última geração, agricultura de precisão, controlada por geo-processamento via satélite etc.); mas manterem, de outro lado, relações de trabalho, já combatidas e banidas do mundo desde o século XVIII, trabalhadores continuarão morrendo.193

O conceito, embora existente, ainda é motivo de divergências doutrinárias,

especialmente quando se realiza a comparação entre o que a Justiça do Trabalho considera

como exaustivo e como extenuante e o que a Justiça Federal vem decidindo a partir da

legislação criminal. Daí a crítica de diversos parlamentares com relação a essa hipótese do art.

149, do CP/40.

No entanto, a jornada exaustiva não se mostrou como único tipo de trabalho em

condições análogas a sofrer críticas, já que também as condições degradantes foram objeto de

controvérsias. Conforme será demonstrado a seguir, também as condições degradantes têm

divergências na doutrina e jurisprudência.