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Perspectiva constitucional: a vedação do retrocesso na proteção contra

Necessário ter em mente, de início, que os direitos sociais trabalhistas se localizam

na Constituição de 1988 dentro do Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Não

bastasse tal fato para indicar sua característica basilar, estão previstos ainda nos arts. XXIII,

XXIV e XXV da Declaração Universal Dos Direitos Humanos,

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e nos arts. 6º, 7º e 8º do

Protocolo de San Salvador.

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1 “Artigo XXIII 1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.

Artigo XXIV Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.

Artigo XXV 1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos

Humanos, de 10 de dezembro de 1948. Disponível em: <http://www.dudh.org.br/wp- content/uploads/2014/12/dudh.pdf >. Acesso em: 20 fev. 2016.)

2 “Artigo 6 Direito ao trabalho 1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, o que inclui a oportunidade de obter os meios para levar uma vida digna e decorosa por meio do desempenho de uma atividade lícita, livremente escolhida ou aceita. 2. Os Estados Partes comprometem‑se a adotar medidas que garantam plena efetividade do direito ao trabalho, especialmente as referentes à consecução do pleno emprego, à orientação vocacional e ao desenvolvimento de projetos de treinamento técnico‑profissional, particularmente os destinados aos deficientes. Os Estados Partes comprometem‑se também a executar e a fortalecer programas que coadjuvem um adequado atendimento da família, a fim de que a mulher tenha real possibilidade de exercer o direito ao trabalho.

Artigo 7 Condições justas, eqüitativas e satisfatórias de trabalho Os Estados Partes neste Protocolo reconhecem que o direito ao trabalho, a que se refere o artigo anterior, pressupõe que toda pessoa goze do mesmo em condições justas, eqüitativas e satisfatórias, para o que esses Estados garantirão em suas legislações, de maneira particular: a. Remuneração que assegure, no mínimo, a todos os trabalhadores condições de subsistência digna e decorosa para eles e para suas famílias e salário eqüitativo e igual por trabalho igual, sem nenhuma distinção; b. O direito de todo trabalhador de seguir sua vocação e de dedicar‑se à atividade que melhor atenda a suas expectativas e a trocar de emprego de acordo com a respectiva regulamentação nacional; c. O direito do trabalhador à promoção ou avanço no trabalho, para o qual serão levadas em conta suas qualificações, competência, probidade e tempo de serviço; d. Estabilidade dos trabalhadores em seus empregos, de acordo com as características das indústrias e profissões e com as causas de justa separação. Nos casos de demissão injustificada, o trabalhador terá direito a uma indenização ou à readmissão no emprego ou a quaisquer outras prestações previstas pela legislação nacional; e. Segurança e higiene no trabalho; f. Proibição de trabalho noturno ou em atividades insalubres ou perigosas para os menores de 18 anos e, em geral, de todo trabalho que possa pôr em perigo sua saúde, segurança ou moral. Quando se tratar de menores de 16 anos, a jornada de trabalho deverá subordinar‑se às disposições sobre ensino obrigatório e, em nenhum caso, poderá

São, portanto, intangíveis, irrevogáveis, invioláveis, por serem, decididamente,

direitos fundamentais. Em âmbito constitucional estão protegidos por cláusula pétrea, mesmo

que o art. 60, § 4º, IV,

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ressalve como merecedores de proteção apenas os direitos e garantias

individuais constantes do Capítulo I do Título II da CR/88, que corresponde ao art. 5º.

O entendimento de que a proteção do art. 60 se aplica também ao Capítulo II do

Título II não é recente. No sentido da intangibilidade pétrea dos Direitos Humanos Sociais do

Trabalho, Rosilaine Chaves Lage afirma que tais garantias são blindadas com a cláusula da

imutabilidade, sendo absolutamente inaptas à renúncia pelo obreiro.

4

São as cláusulas pétreas,

portanto, que asseguram o patamar mínimo civilizatório conceituado por Maurício Godinho

Delgado,

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ratificando a identidade da Constituição e sendo, elas próprias, parte integrante

dessa identidade.

Para o autor, tal patamar se relaciona aos direitos que não podem ser submetidos a

negociação, por estarem revestidos de uma indisponibilidade absoluta:

[...] no caso brasileiro, esse patamar civilizatório mínimo está dado, essencialmente, por três grupos convergentes de normas trabalhistas heterônomas: as normas constitucionais em geral (respeitadas, é claro, as ressalvas parciais expressamente constituir impedimento à assistência escolar ou limitação para beneficiar‑se da instrução recebida; g. Limitação razoável das horas de trabalho, tanto diárias quanto semanais. As jornadas serão de menor duração quando se tratar de trabalhos perigosos, insalubres ou noturnos; h. Repouso, gozo do tempo livre, férias remuneradas, bem como remuneração nos feriados nacionais.

Artigo 8 Direitos sindicais 1. Os Estados Partes garantirão: a. O direito dos trabalhadores de organizar sindicatos e de filiar‑se ao de sua escolha, para proteger e promover seus interesses. Como projeção desse direito, os Estados Partes permitirão aos sindicatos formar federações e confederações nacionais e associar‑se às já existentes, bem como formar organizações sindicais internacionais e associar‑se à de sua escolha. Os Estados Partes também permitirão que os sindicatos, federações e confederações funcionem livremente; b. O direito de greve. 2. O exercício dos direitos enunciados acima só pode estar sujeito às limitações e restrições previstas pela lei que sejam próprias a uma sociedade democrática e necessárias para salvaguardar a ordem pública e proteger a saúde ou a moral pública, e os direitos ou liberdades dos demais. Os membros das forças armadas e da polícia, bem como de outros serviços públicos essenciais, estarão sujeitos às limitações e restrições impostas pela lei. 3. Ninguém poderá ser obrigado a pertencer a um sindicato.” (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais “Protocolo de San Salvador”. San Salvador, 17 de

novembro de 1988. Disponível em:

<http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/e.Protocolo_de_San_Salvador.htm >. Acesso em: 20 fev. 2016.) 3

“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...]

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.” (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 20 set. 2015.)

4 LAGE, Rosilaine Chaves. A importância da efetividade do princípio da valorização do trabalho regulado. São Paulo: LTr, 2010. p. 127-128.

feitas pela própria Constituição: art. 7º, VI, XIII e XIV, por exemplo); as normas de tratados e convenções internacionais vigorantes no plano interno brasileiro (referidas pelo art. 5º, §§ 2º e 3º, CR/88, já expressando um patamar civilizatório no próprio mundo ocidental em que se integra o Brasil); as normas legais infraconstitucionais que asseguram patamares de cidadania ao indivíduo que labora (preceitos relativos à saúde e segurança no trabalho, normas concernentes a bases salariais mínimas, normas de identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios, etc.)6

Segundo Gabriela Neves Delgado, “os direitos de indisponibilidade absoluta

constituem o centro convergente dos Direitos Humanos porque se revelam, em essência,

como direitos fundamentais do homem”.

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Por isso, afirma que:

Para melhor compreender a ideia de indivisibilidade dos direitos fundamentais exemplifica-se: não há como se concretizar o direito à vida digna se o homem não for livre e tiver acesso ao direito fundamental ao trabalho também digno. Da mesma forma, não há possibilidade real do exercício do trabalho digno se não houver verdadeira preservação do direito fundamental à vida humana digna.8

Para Dinaura Godinho Pimentel Gomes, a positivação constitucional da

exequibilidade plena dos direitos fundamentais serve como barreira jurídica, impedindo o

Estado de se tornar um fim em si mesmo. Segundo a autora:

É dessa forma que vem reforçado o “sistema de proteção interna por vários sistemas de proteção internacional dos direitos do homem”,(482) dentre os quais se destaca o direito ao trabalho que propicia os meios de existência digna: alimentação, moradia, vestuário e transporte. Juntamente com direito à saúde e à educação, o direito ao trabalho constitui o núcleo fundamental dos direitos econômicos sociais e culturais.9

Diante de tais ideias, comprova-se também a imutabilidade de dois princípios

10

relacionados ao trabalho escravo na forma da Constituição de 1988: a dignidade do ser

humano (art. 1º, III) e os valores sociais do trabalho (art. 1º, IV).

11

6

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2013. p. 1.313. 7 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006. p. 210. 8 Idem, ibidem, p. 211.

9 GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do Trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da

globalização econômica. Problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005. p. 214.

10 De acordo com Paulo Bonavides, os princípios tiveram seu caráter normativo reconhecido apenas em 1952, quando então eram diferenciados das normas. Ver: BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 20. Ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 256-262. De forma complementar, ensina Robert Alexy que a diferença entre princípios e regras está na qualidade, sendo os primeiros operados com elasticidade e, as segundas, com restrição. Já para Ronald Dworkin, a diferença tem natureza lógica, sendo as regras aplicáveis pela sistemática “tudo ou nada”, enquanto os princípios são padrões que devem ser observados. Ver: ALEXY, Robert. Teoría

de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 73-74. DWORKIN,

Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins, Fontes, 2002. p. 39-40.

11 Nesse sentido, SÜSSEKIND, Arnaldo. Os direitos constitucionais trabalhistas. In: MONTESSO, Cláudio José; FREITAS, Marco Antônio; BORGES, Maria de Fátima Coêlho (Coord.). Direitos Sociais na Constituição de

Relativamente ao primeiro princípio, a dignidade do ser humano, indica Ingo

Wolfgang Sarlet que seu conteúdo se identifica como núcleo essencial dos direitos

fundamentais, encontrando-se imune a restrições.

12

O autor assim conceitua a dignidade:

Assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.13

De fato, como qualidade intrínseca, considera-se avanço jurídico a centralidade da

pessoa humana na sociedade. Daí porque Maurício Godinho Delgado designa seu lugar como

o “epicentro de todo o ordenamento jurídico.”

14

Para Lívia Mendes Moreira Miraglia, cabe ao Direito do Trabalho se tornar o meio

mais eficaz para a concretização da dignidade.

15

O trabalho escravo, nessa toada, pode ser

combatido não apenas com a sanção criminal, mas também pelo fortalecimento do próprio

Direito do Trabalho, que protege o que aquele fere: o trabalho digno.

Ao tratar das condições a que os trabalhadores são submetidos, não se pode olvidar,

da mesma forma, a imprescindibilidade do cumprimento da justiça social como princípio

basilar do Estado Democrático de Direito. É este princípio que, como faceta da dignidade

humana, promove o homem a centro convergente de direitos humanos, conforme afirmado

acima.

16

A justiça social como objetivo, fundamento e princípio norteador do Estado

Democrático de Direito precisa, nesse sentido, ser observada. E sua concretização demanda

iniciativas do Estado na promoção da igualdade real entre os cidadãos, conforme entende José

Joaquim Gomes Canotilho.

17

12 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal

de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 122.

13

Idem, ibidem, p. 62.

14 DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais na relação de Trabalho. In: SILVA, Alessandro da; SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; FELIPPE, Kenarik Boujikian; SEMER, Marcelo (Coord.). Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2007. p. 75.

15

MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira. Trabalho Escravo Contemporâneo: conceituação à luz do princípio da dignidade humana. 2. ed. São Paulo: LTr, 2015. p. 87.

16 Idem, ibidem, p. 46.

Sobre o assunto, ainda afirma o autor:

[...] os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez alcançados e conquistados, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo. Desta forma, [...] o princípio em análise justifica, pelo menos, a subtracção à livre e oportunística disposição do legislador, da diminuição de direitos adquiridos, em clara violação do princípio da proteção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural. [...] constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e expectativas subjectivamente alicerçadas. Esta proibição justificará sanção de inconstitucionalidade relativamente a normas manifestamente aniquiladoras da chamada “justiça social”.18

De acordo com José Afonso da Silva, a empresa, como propriedade, deve também

cumprir sua função social, estando vinculada ao princípio da justiça social.

19

É exatamente em

decorrência deste princípio que se optou por inserir no art. 243 da Constituição de 1988 a

previsão para a expropriação de terras em que for encontrado trabalho escravo. Dela também

se depreende a defesa do meio-ambiente, gênero do qual se desdobra o meio ambiente do

trabalho, também tutelado pela proteção dos direitos sociais.

20

Além do art. art. 170, o

princípio também teria como fundamento os arts. 1º, IV, 3º, I e III, e 5º, XXIII, da

Constituição de 1988.

21

São eles direitos sociais intangíveis, primando pela dignidade da pessoa humana,

pelos valores sociais do trabalho e pela justiça social. Todavia nem sempre o legislador

ordinário está atento a esse fato. Por isso, norteiam a atividade legislativa, em especial na

primeira de suas funções, a pré-jurídica, pois, conforme Godinho, é na construção do direito

que eles “despontam como proposições gerais que propiciam uma direção coerente na

construção da regra de Direito.”

22

As movimentações legislativas de aprovação ou reprovação de projetos, por

possuírem essência política, dependem dos mais diversos fatores. Diante de tantas iniciativas

para diminuir o conceito que foi sendo construído juridicamente para criminalizar a prática

em que se reduz a liberdade e/ou a dignidade do trabalhador, poderia acontecer o que entende

José Afonso da Silva:

18 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 468-469. 19

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 273-274.

20 A proteção do meio ambiente do trabalho está prevista ainda no art. 200, VIII, da CR/88.

21 DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais na relação de Trabalho. In: SILVA, Alessandro da; SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; FELIPPE, Kenarik Boujikian; SEMER, Marcelo (Coord.). Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2007. p. 73.

22 DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 15.

[...] quanto mais divergentes são os interesses das classes sociais, quanto mais aguçadas são as contradições do sistema social vigente, tanto mais acirrados são os debates e as lutas no processo de formação das leis, já que estas é que vão estabelecer os limites dos interesses em jogo, tutelando uns e coibindo outros. Daí também a luta prévia relativa à composição dos órgãos incumbidos da função legislativa, pois que, no regime de representação popular e decisão por maioria, os titulares de interesses que conseguirem maior representação terão a possibilidade de domínio. Essa luta prévia se traduz no procurar evitar-se que os interesses

dominados, ou que se quer dominar, venham a participar da legislação. A história registra esse embate, que tem culminado nas grandes revoluções, sempre com a consequência de novas conquistas democráticas.23 (grifos nossos)

A ocorrência de grandes revoluções tendo como consequência novas conquistas

democráticas não parece ocorrer no caso da repressão ao trabalho escravo,

24

no qual a análise

dos projetos de lei aponta para um retrocesso na proteção ao trabalho digno e à liberdade de

locomoção do trabalhador. Ante tais projetos, não se pode deixar de afirmar a existência de

uma barreira constitucional implícita que proíbe tais acontecimentos, o princípio da vedação

ao retrocesso na proteção dos direitos trabalhistas fundamentais.

25

Conectado diretamente à proteção ao trabalhador, impede tratamento que fira a

dignidade deste, vez que o objetivo primordial do Direito do Trabalho se resume a igualar a

situação socioeconômica que se desarmoniza quando o assunto trata de capital e trabalho.

26

De acordo com Daniela Muradas Reis, seu objetivo não é estabelecer a imutabilidade dos

preceitos justrabalhistas, mas sim estipular níveis sociais que, uma vez incorporados, não

podem mais ser suprimidos.

27

Entende a autora que:

[...] o princípio da progressividade dos direitos sociais, concebido no domínio teórico do Direito Internacional dos direitos humanos, enuncia o compromisso

internacional dos Estados promoverem, no máximo de seus recursos disponíveis, a

proteção da pessoa humana em sua dimensão econômica, social e cultural. Pelo princípio da progressividade dos direitos humanos de caráter econômico, social e cultural, vincula-se a atividade legiferante nacional ao progresso ininterrupto das

condições de proteção à pessoa humana na sua dimensão social, sendo

juridicamente inviável a eliminação dos padrões sociais já estabelecidos, sem a correspondente criação de um conjunto normativo compensatório e qualitativamente vantajoso.28

23

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 130-131.

24 Que é prevenido e reprimido de maneira insuficiente, segundo Brito Filho. Ver: BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho decente. Análise jurídica da exploração do trabalho – trabalho forçado e outras formas de trabalho indigno. São Paulo: LTr, 2004. p. 79.

25 SARLET, Ingo Wolfgang. Notas sobre a assim designada proibição de retrocesso social no constitucionalismo latino-americano. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Porto Alegre, RS, v. 75, n. 3, p. 116-149, jul./set. 2009.

26

REIS, Daniela Muradas. O princípio da vedação do retrocesso no Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 2010. p. 20.

27 Idem, ibidem, p. 21. 28 Idem, ibidem, p. 21.

Sobre o mesmo tema, explica Carlos Henrique Bezerra Leite:

O princípio da proibição do retrocesso social, portanto, é uma verdadeira cláusula de defesa do cidadão frente a possíveis arbítrios impostos pelo legislador no sentido de este vir a desconstituir aquilo que havia sido provido mediante normas de direitos fundamentais. De acordo com este princípio, uma vez concedida regulamentação de um direito, principalmente se for de ordem social, não pode o legislador retroceder para reduzir aquela situação vantajosa. 29

De forma semelhante, asseverou Márcio Luís de Oliveira que o princípio da vedação

do retrocesso impossibilita a “supressão, restrição ou suspensão de direitos e garantias

fundamentais que já foram incorporados ao sistema constitucional”.

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Aplicar tal referência a

um dispositivo infraconstitucional, impedindo sua alteração legislativa ordinária em prol da

vedação ao retrocesso, no entanto, não se apresenta de maneira simples.

Em tese, poder-se-ia alegar que o princípio da vedação do retrocesso social teria

aplicação restrita ao âmbito internacional e constitucional. Porém, como princípio, todas as

suas funções – seja construindo, interpretando, descrevendo, informando ou criando normas –

devem ser cumpridas também em relação à legislação infraconstitucional.

Como lei infraconstitucional, a previsão do art. 149 do CP/40 desafia a aplicação