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ESTABELECIMENTO E PROGRESSO DA ORDEM FRANCISCANA NO MARANHÃO

2. O PERÍODO DA ALVORADA (1614-1617): OS FRANCISCANOS PRECURSORES

2.2. Capuchos de Santo António do Brasil (1614-1615)

Com a tomada das posições francesas, após a vitória das forças luso-amerín- dias, na Batalha de Guaxenduba, a 19 Novembro de 1614, a situação politico-mili- tar alterou-se em detrimento dos francos, que abandonariam a França Equinocial cerca de um ano depois. Com a sua rendição, a 4 de Novembro de 1615, os mis- sionários franceses regressariam a França, sem darem continuidade à obra ini- ciada. Contudo, a “missão” franciscana em terras do Maranhão não conheceria o vazio, pois missionários de São Francisco acompanhavam a expedição que derro- tou La Ravardière. Eram Capuchos de Santo António do Brasil, idos da Custódia de Olinda e que se podem considerar precursores dos seus confrades de Lisboa.

O governador-geral do Brasil, Gaspar de Sousa, fez recair em Jerónimo de Albuquerque, que para o efeito foi empossado das funções de Capitão da Conquista e Descobrimento das terras do Maranhão (provisão de 29/5/1613), a preparação do processo que visava expulsar os franceses das zonas ocupadas. Instalando-se no Ceará, o ponto fronteiriço mais avançado relativamente às posi- ções gaulesas, ordenou a Martim Soares Moreno que averiguasse a dimensão da presença francesa. Ponderadas as circunstâncias, avaliou-se o risco da emergência daquela colónia numa zona estrategicamente importante para a segurança do Estado e para os interesses comerciais de Portugal. Estavam em causa os projec- tos portugueses de expansão para Norte e, sobretudo, ameaçada a bacia amazó- nica, principal via de acesso às regiões do interior.

“Logo no ano de 1614, Gaspar de Sousa, que então era Governador do Brasil, mandou a Jerónimo de Albuquerque com 300 brancos e alguns índios,

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lançar fora aos franceses, o que conseguiram os nossos portugueses com o maior valor em dia da “Apresentação” da Virgem Senhora Nossa, por cuja intercessão se alcançou a vitória. Com Jerónimo de Albuquerque vieram logo em sua companhia por missionários, dois religiosos da Província de Santo António. Chamou-se um, Frei Cosme de S. Damião e outro Frei Manuel da Piedade, este muito insigne em a língua geral do Brasil para a doutrina e para o governo dos índios, e aquele da mais notável virtude”134.

Frei Manuel da Piedade e Frei Cosme de São Damião participaram activa- mente na “jornada milagrosa” – nome por que ficou conhecida a expedição que desalojou os franceses. Berredo, nos Anais, salienta a participação dos Capuchos de Santo António, como se estes já prognosticassem ”ao grémio da Igreja, os mui- tos interesses que lhe granjeou esta expedição”. Para tal efeito destinaram para coadjutores espirituais e capelães da esquadra os prelados da Custódia de Santo António do Brasil, dois dos melhores dos seus súbditos: Frei Cosme de São Damião, antigo guardião do Convento da Paraíba, e Frei Manuel da Piedade, da principal nobreza do país e grande teólogo”135.

Chegados ao sítio de Guaxenduba, muito acomodado para as tropas e regado

de um aprazível rio, depois de muito trabalho e perigos por causa dos baixios, aí

desembarcaram, ostentando-se com muitos paveses e galhardetes defronte da Ilha do

Maranhão, com o que atemorizados os seus habitadores de uma tal novidade, a comunicaram à fortaleza de S. Luís, pelas ligeiras postas de vários fogos e fumaças,

como refere Jaboatão.

A vinte e oito de Outubro iniciaram a construção do forte, pelo que escolhe- ram para o intitular a invocação do nascimento de Nossa Senhora e o puseram sob sua protecção (Forte de Santa Maria). Também por direcção dos Padres Frei

Cosme e seu companheiro, se ordenou um oratório, ou barraca, para isso coberta de palmas, como as mais tendas, para se haver de celebrar nela o sacrifício da missa e administrar os sacramentos da Igreja136.

134Memória do Maranhão desde o Seu Descobrimento..., Op. cit. Ver Anexo Documental, doc. 29. 135Bernardo Pereira de Berredo, Anais Históricos do Maranhão, 4ª. ed., Alumar, § 211.

Mário Meireles, na História do Maranhão, Op. cit. p. 57, afirma que a 28 de Outubro de 1614 foi oficiada a primeira missa no Maranhão por Frei Cosme da Anunciação e Frei André da Natividade, Carmelitas “vindos como missionários na “Jornada Milagrosa”.

Na verdade os Religiosos da Ordem do Carmo não acompanharam a expedição contra os Franceses em 1614, mas sim a armada de Alexandre de Moura, cerca de um ano depois. Veja-se “Consulta do Conselho da Fazenda ao Rei D. Filipe II, sobre o pedido do Provincial da Ordem de Nossa Senhora do Carmo, de licença para que os religiosos possam construir uma casa no Maranhão e outra no Pará e as ordinárias que se costumam dar aos conventos”, em que se lê: “O Provincial da Ordem de Nossa Senhora do Carmo da Província deste Reino e Brasil faz petição a Vossa Majestade neste Conselho, em que alega irem à conquista do Maranhão dois religiosos da sua ordem na armada em que lá passou por ordem de Vossa Majestade, Alexandre de Moura (...)”, A.H.U., Maranhão, Cx. 1.

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Continuaram os missionários no exercício das suas actividades religiosas entre os portugueses e ameríndios, até que chegou o dia do confronto. Prevenindo-o, conforme menciona o cronista, na véspera da contenda prepara- ram-se para a batalha, pelo que confessaram os soldados e, aos índios, fizeram uma prédica, “admoestando-os ao esforço e confiança em Deus, que lhes não havia de faltar com assistência superior em uma empresa tanto do seu serviço”.

A 19 de Novembro, segundo o autor anónimo do Epítome do Descobrimento, Monsieur de la Ravardière, “Governador do Maranhão” (sic.), depois de se apro- ximar com um contingente de trezentos e cinquenta soldados e dois mil e qui- nhentos índios frexeiros, “tomou terra sem contradição”. Ocuparam as tropas francesas um sítio elevado, em que se fortificaram trezentos soldados e índios, ficando Ravardière no mar com os restantes efectivos. Acometeram, então, os portugueses divididos em duas esquadras. Uma composta de noventa homens, sob o comando de Frias, avançou pela praia; a outra, com setenta portugueses, subiu pela montanha:

“Diante dos que marchavam pela praia ia Frei Cosme de S. Damião com um crucifixo nas mãos animando aos soldados, e aos que iam pela montanha acometer o inimigo, Frei Manuel da Piedade, excelente língua, que animava os nossos índios que seriam até um cento”137.

Travada a batalha, que pendeu para o lado português, os beligerantes acaba- riam por assinar um tratado de tréguas a 27 de Novembro de 1614 que suspen- deu as hostilidades, sob o pacto de se cumprirem “os artigos de Ravardière”, na expressão de João Francisco Lisboa. Constavam eles, essencialmente, no compro- misso da não agressão às posições militares recíprocas, suspendendo as armas até fins de Dezembro de 1615; às respectivas cortes se enviariam emissários para resolver o acesso às localidades de Cumã e Tapuitapera, assim como o entabula- mento de relações com os seus índios (no entanto, deixava-se-lhes livre o mar, para receberem socorros e mantimentos); trocavam-se os respectivos prisionei- ros, sem qualquer resgate. Finalmente, os franceses contraíam a obrigação de par- tir, no prazo de três meses, assim que chegassem as ordens da Europa.

Antes de assinarem o tratado, foram pedidos a La Ravardière os seus títulos de legitimidade, nomeadamente as patentes e as comissões régias, não fosse ele

algum pirata, banido de França como herege, com quem não havia de tratar por nenhum caso, gente católica e honrada, como eram os portugueses138.

Do mesmo modo, se exigiu aos Capuchinhos franceses que apresentassem aos frades de Santo António, Frei Cosme e Frei Manuel da Piedade, os instru-

137Epítome, Op. cit.

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mentos que os legitimavam, após o que se selou a paz em procissão de acção de graças, com a promessa de se edificar igreja dedicada a Nossa Senhora da Ajuda. Com a assinatura do armistício, coroava-se a batalha miraculosa, em que

Deus Nosso Senhor mostrou que as nações estranhas infestadas com a pestífera dou- trina dos hereges não queria que ocupassem aquelas conquistas que ele queria dar aos seus portugueses, conforme sintetiza o autor do Epítome.

Entretanto, os índios partidários dos franceses ameaçam sublevar-se, por não encararem de bom ânimo as tréguas assinadas com os portugueses, devido ao receio de que a elas se seguisse o seu cativeiro, como acontecera aos de Ibiapaba com o Capitão Pedro Coelho. A pedido de Ravardière, Diogo de Campos acom- panhou Frei Manuel da Piedade, “como prático do gentio”, para aplacar os ínco- las, pelo que foram recebidos na ilha, no Forte de São José, onde se detiveram na sua “redução”.

Continuaram, depois, até ao Forte de São Luís, onde os esperava o próprio Ravardière. Aí, Frei Manuel visitou o Convento dos Capuchinhos e o achou com

suficiente capacidade, assim nas celas, como nas oficinas para acomodação de vinte missionários, que assistiam nele, com seu prelado, o Padre Arcângelo de Pembroke.

Os frades tinham também um seminário para rapazes franceses e índios da ilha

onde aprendiam a língua uns dos outros139.

Nesse interim, declarou-se entre os índios e portugueses uma epidemia de sarampo, “achaque espantoso e mortal”, que vitimou um número incalculável de ameríndios e a quem os frades Capuchos, apesar da sua dedicação, nada puderam fazer, senão minorar-lhes o sofrimento e assistir-lhes espiritualmente. Os ditos

religiosos mostraram muito valor na paciência, com os que sofriam e maior cuidado na liberalidade com que acudiam os necessitados (Epítome). É muito mencionado o

uso do vinagre no tratamento dos enfermos atingidos nestes surtos epidémicos, e, embora muitas vezes estejam os relatos mesclados de aspectos miraculosos e fan- tásticos, que fazem multiplicar a eficácia da cura pela intervenção divina, não se podem deixar de considerar as informações relativas a estas pandemias. O pro- blema das doenças infecciosas no Novo Mundo, que levou a uma mortandade incalculável entre os índios, desprovidos de anticorpos resistentes às bactérias e vírus, introduzidos pelos europeus, não está claramente estudado. No entanto, ao longo do período colonial, encontram-se ciclicamente referidas quer nos docu- mentos oficiais, quer na correspondência particular, inúmeras alusões a essas doenças contagiosas. Neste contexto, e porque lidavam directamente com os pacientes, sobretudo índios, os missionários constituíram testemunhas de inesti- mável valor pelos informes que deixaram140.

139Cf. Jaboatão, Op. cit., p. 115, citando Berredo.

140Durante o período colonial iniciou-se a produção de estudos sobre estas doenças infecciosas, de que são exemplo: Simão Pinheiro Mourão, Tratado Único das Bexigas e Sarampo, Lisboa, 1683; de João Ferreira da

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Dos dois primeiros missionários franciscanos do Maranhão, Frei Manuel da Piedade é aquele de quem se conhecem mais elementos bibliográficos. Sabe-se que entrou na Ordem Seráfica no ano de 1597 no Convento de Olinda, onde fez os votos de noviço, professou e obteve o cargo de Mestre em Artes. Era essa a fun- ção que desempenhava quando a abandonou para acompanhar Frei Cosme de São Damião na expedição contra os franceses. Sobre a sua actuação em território maranhense, escreve Zavarella: “La sua eccellente oratoria pacificava gli indi ribelli e, como buon samaritano, insieme al suo compagno si prodigó nell’ assis- tenza ai feriti brasiliani, portoghesi e francesi. Per due anni lavorò tra gli indios del Maranhão, finché, essendo la missione ormai autosufficiente, i due missionari tornarono in Olinda dopo aver fasciato una indelebile impronta missionaria”141.

Em 1617, dois anos depois de sair do Maranhão, torna-se Guardião do Convento de Santo António de Ipojuca onde permaneceu até 1620, data em que regressou a Olinda, retomando o lugar de Mestre, durante sete anos. Nesse ano, foi eleito em capítulo Guardião do Convento de Olinda, e ali se manteve até à invasão holandesa de 1630, quando os frades se transferiram para o Recife e para o Convento da Paraíba. Aí, na sequência da investida dos holandeses, foi ferido, vindo a falecer a 11 de Dezembro de 1641.

Durante dois anos, Frei Cosme e o seu companheiro permaneceram no Maranhão, local onde as tréguas não levaram à paz definitiva, devido ao choque dos interesses luso-castelhanos com a situação estratégica dos franceses. Do Reino, o Vice-Rei D. Aleixo de Meneses, por determinação de Filipe II, ordena a Gaspar de Sousa que organize uma expedição contra os franceses para os expul- sar. É nesse contexto que os capelães jesuítas, Manuel Gomes e Diogo Nunes, che- gam a São Luís, onde os homens de La Ravardière pediram a rendição em Novembro de 1615, com a tomada da fortaleza por Alexandre de Moura. Assim o relata Jaboatão:

“Aos dois dias do mês de Novembro de 1615 anos, na Ilha de S. Luís, onde habitavam os franceses, e no Quartel de S. Francisco, que chamam o

Rosa, Constituição Pestilencial de Pernambuco, Lisboa, 1694 (este autor era clínico no Recife); Teodósio Constantino Chermont, “Memória dos Mais Terríveis Contágios de Bexigas e Sarampos no Estado do Maranhão”, R.I.H.G.B., 48, 1, pp. 28-30; Alfredo Carlos Schmalz, A Febre Amarela ao Tempo da Restauração das Ordens Religiosas em Pernambuco, Recife, Col. Katholon3, 1962.

141Salvatore Zavarella, O.F.M., Pionieri dell’Evangezzazione Latino Americana, Sulmona, 1992, p. 220. Para mais detalhes sobre as condições necessárias para tomar o hábito franciscano, assim como os vários lugares, tempo e qualidade de cada etapa, consultar, para o Brasil: Estatutos da Província de Santo António do Brasil, Lisboa, António Craesbeeck de Melo, 1683; Estatutos da Província de Santo António do Brasil, Lisboa, Of. de Manuel e José Lopes Ferreira, 1709.

Durante a vigência da Custódia de Santo António em Olinda (1585-1649), os frades regiam-se pelas normas estatutárias vigentes na Província de Santo António de Portugal. Veja-se, entre outros, Estatutos da Província de Santo António do Reino de Portugal, [Lisboa, 1645].

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Forte da Sardinha, apareceu perante mim Daniel de la Touche, Senhor de la Ravardière, e por eles foi dito, em presença dos religiosos, Padres de São Francisco, que cá estavam, e dos que em minha companhia vieram de Nossa Senhora do Carmo, e dos da Companhia de Jesus, estando também presente o almirante da armada e muitas pessoas nobres, que ele estava prestes para entregar o forte que possuía em nome de Sua Majestade católica, ao general da armada e conquista do Maranhão, Alexandre de Moura”142.

Frei Cosme de São Damião e Frei Manuel da Piedade sucederam aos seus confrades capuchinhos na prossecução do trabalho missionário, tendo-se alber- gado no hospício dos Franciscanos franceses, após a sua partida: “foram os pri- meiros portugueses que em forma regular se estabeleceram naquelas conquistas, recolhendo-se no conventinho que largaram os Padres Capuchinhos franceses, que ainda que estava muito nos seus princípios, mereceu em tudo o nome de pri- meiro”143.

Durante o tempo da sua permanência, deram continuidade ao trabalho apos- tólico entre os índios Tupinambás “vizinhos e amigos dos franceses” e, segundo Jaboatão, na conversão de alguns “hereges calvinistas” que permaneceram depois da partida dos seus compatriotas. Dedicaram-se, como se disse, à assistência médica aos portugueses e ameríndios, enfermos de sarampo, a que sobreveio uma crise de fome geral, numa altura em que não havia produtos da terra e os manti- mentos de reforço não chegavam com frequência. O cronista refere ainda pragas de insectos que destruíam as roças da mandioca, base da alimentação dos índios: “Naquelas partes do Maranhão mui infectadas da imundice dos gafa- nhotos, mais ou menos, conforme as estações do tempo e mudança deste, produz a terra infinidade desta praga, que levantando-se dos lugares, em que se criam, em nuvens espessas, onde se assenta um exército destes, queimam e arrasam sem reparo, em mui poucas horas, toda a lavoura, sobre que caem144”.

Das condições de vida, em extrema pobreza, refere o cronista que antes de se recolherem no hospício dos Capuchinhos, habitavam uma choupana de palha – seria de folhas de pindoba, como era uso entre os naturais da terra – e tinham como principal sustento umas raízes agrestes que se cultivavam, denominadas de “Aypy – Macacheyra”. Parece óbvio que se refere a um tipo de mandioca, um

142Disposições do tratado de rendição entre Alexandre de Moura e Daniel de la Touche, feito por Francisco Frias de Mesquita, apud Jaboatão, Op. cit., p. 117.

143Berredo, Op. cit., p. 117. 144Jaboatão, Op. cit., p. 121.

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género de planta euforbiácea, cuja raiz produz uma película de que se faz a fari- nha e o polvilho da tapioca e de que se aproveitam as folhas. A macacheira é uma das variantes, conhecida por mandioca doce ou aipim. Do seu cultivo e utilização há imensas citações nos primeiros cronistas, missionários e viajantes do Brasil, de que são exemplo Luís da Grã, Gândavo, Cardim, Gabriel Soares de Sousa, Simão Estácio da Silveira ou Frei Cristóvão de Lisboa, cuja tradição foi continuada ao longo dos tempos, até aos romancistas contemporâneos, como Mário de Andrade, Lins do Rego, Jorge de Lima e o próprio Jorge Amado145.

As iguarias dos frades eram constituídas por “mingau”, uma espécie de papas ou caldo grosso feito de raízes (de “Aypi-Mandioca”), de que se faz a farinha, depois de estarem em infusão na água e cozidas ao fogo, e outras ervas mais, con- forme relata Frei António de Santa Maria Jaboatão146, que acrescenta:

“Era todo o mais enxoval da casa, servindo-lhe só de precioso ornato duas imagens, ou crucifixos pequenos, que traziam ao pescoço, e os seus bre- viários, e duas “typoias” ou redesinhas, onde algumas poucas horas descansa- vam os corpos, e sempre mal acomodados, por não ser capaz aquela volátil cama de se poderem estender de todo nela”.

A duração do período em que os dois Franciscanos da Custódia de Santo António de Olinda permaneceram no Conventinho dos confrades franceses ainda suscita dúvidas (“não o achamos em nossas memórias”), sendo certo que regres- saram por terra a Pernambuco, em princípio na esquadra comandada pelo Sargento-Mor Baltasar Álvares Pestana, composta de vinte soldados e cem índios, que terão sido os primeiros portugueses que fizeram esse caminho, no que demo- raram cinco meses147.

Os Anais consideram que os Capuchos, Frei Cosme de São Damião e Frei Manuel da Piedade, se retiraram do Convento dos Capuchinhos para a sua cus- tódia de Pernambuco, depois de acomodarem os da Companhia de Jesus na mesma

vivenda de que saíam, que também deixaram sem muita resistência, passando a uma aldeia do Rio Muni148.

Fechava-se, com a partida destes missionários, o primeiro ciclo da presença franciscana no Maranhão, podendo-se considerá-los como precursores do grupo que seguiria então do Reino, da Província de Santo António de Portugal, nomea- damente da sua casa-mãe, o Convento de Santo António de Lisboa.

145Para informações complementares ver António Geraldo da Cunha, Dicionário Histórico das Palavras de Origem Tupi, Op. cit., pp. 46-47 e 194.

146Jaboatão, Op. cit., p. 122. 147Cf. Berredo, Op. cit., nº 116. 148Ibid., nº 521.

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Deste ciclo inicial, apesar de breve, podem tirar-se algumas conclusões, desde logo pela presença de missionários como capelães das expedições militares, a sua presença nos actos públicos, nomeadamente ao lado de índios e soldados, expul- sando os estrangeiros; a sua participação em todos os momentos solenes, em par- ticular nas assinaturas dos tratados de paz; a importância junto das multidões ameríndias, enquadrando-as ao lado dos portugueses no combate ao invasor; o seu papel como intérpretes das línguas nativas e a constante assistência no plano social, sobretudo no auxílio aos doentes, para além das funções específicas do seu labor missionário e evangélico.

O papel do frade, como se vê, cobria praticamente todas as actividades públi- cas, quer oficiais, quer sociais. Não é novo dizer-se que o missionário, para além da sua função de representante da Igreja, era também um funcionário régio, ao serviço da Coroa. A questão é complexa, e apaixonadas as discussões. O que não