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Os Franceses no Maranhão Capuchinhos Franceses (1612-1615) “No ano de 1590 aportou nas costas do Maranhão um francês dos prin-

ESTABELECIMENTO E PROGRESSO DA ORDEM FRANCISCANA NO MARANHÃO

2. O PERÍODO DA ALVORADA (1614-1617): OS FRANCISCANOS PRECURSORES

2.1. Os Franceses no Maranhão Capuchinhos Franceses (1612-1615) “No ano de 1590 aportou nas costas do Maranhão um francês dos prin-

cipais a comércio com o seu gentio. Um destes também principal, chamado

Ovirapivé, aconselhou ao francês, a quem chamavam Rifault, que deixando

de andar à pilhagem, viesse tomar posse de alguma porção daquela terra, e fazer-se senhor dela. Passou este a França e associado com outros, voltou ao Brasil, e foi aportar à Ilha do Maranhão em 14 de Maio de 1594 com menos um de três navios que trazia em sua conserva. Na ilha foi recebido dos natu- rais, seus habitadores. Ali se deteve por algum tempo, e vendo que na terra poderia melhorar de fortuna com maior poder, deixando nela alguma gente, comandada por outro cavaleiro moço, natural do Condado de Turena, cha- mado Carlos, Senhor de De Vaux, tornou a França a comunicar com o Rei os seus projectos. Governava aquela monarquia Henrique IV, que dando ouvi- dos à proposta do capitão, despachou com ele a Daniel de la Touche, Senhor de la Ravardière, a informar-se melhor do estado das coisas. Voltou o

Ravardière do Maranhão a França no princípio do ano de 1620, a tempo em

que era morto pelo aleivoso Ravailhac, o Rei Henrique. Ficara com o governo a Rainha, mãe do pupilo Luís XIII, Maria de Medicis, e não atendendo esta a tudo o que pretendia o Ravardière, para continuar na conquista com ajuda da Coroa, com permissão sua, ajustou ele uma companhia com Nicolau de

Harlay, Senhor de Sancy e Francisco Rasilly, Senhor deste lugar, para que uni-

dos os cabedais de todos, lhe aumentassem as forças, para reduzir a praticar as suas ideias, na fundação e progressos de uma nova colónia”126.

António de Santa Maria Jaboatão

Na sequência da mudança estratégica dos franceses em relação à América, nomeadamente, depois dos projectos da França Antárctica e da Florida Huguenote, há uma viragem para o nordeste brasileiro, posição que viriam tam- bém a perder pelo restabelecimento da soberania lusa. Os gauleses foram sucessi- vamente expulsos da Paraíba, do litoral rio-grandense e do Ceará, num retrocesso imposto pela contínua afirmação das forças portuguesas127.

126António de Santa Maria Jaboatão, Orbe Seráfico, Novo Brasílico, Lisboa, 1761, p. 109.

127As várias fases deste conflito podem ser analisadas em Jorge Couto, “O Conflito Luso-Francês Pelo Domínio do Brasil até 1580”, in Viagens e Viajantes no Atlântico Quinhentista, Lisboa, 1996, pp. 33-56; Joaquim Veríssimo Serrão, Do Brasil Filipino ao Brasil de 1640, São Paulo, 1968; Id., O Tempo dos Filipes em

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No entanto, o propósito de fundarem uma colónia em território sul-ameri- cano, ganhava cada vez mais consistência, integrando-se numa política estraté- gica de que já resultara a fundação da Nova França por Samuel Champlain em 1608 e a concepção de um projecto colonial para a Guiana.

Com as expectativas criadas por Charles des Vaux, quanto às potencialidades da região maranhense, Henrique de Valois indica Daniel de La Touche, Senhor de la Ravardière, para seu lugar-tenente na América. Nomeado, por patente régia de 3 de Julho de 1605, partiu para a região, de onde regressou firmemente convicto da viabilidade da empresa.

Por morte de Henrique IV, às mãos de Ravaillac, La Ravardière consegue o apoio de Catarina de Médicis, regente por menoridade do filho herdeiro, Luís XIII. Por intercessão do Conde de Danville, Almirante de França e Bretanha, é-lhes concedida a licença de edificar uma colónia para sul da linha que constitui

o centro do mundo, ou melhor, seu espinhaço (Claude d’ Abeville).

Com a finalidade de dar prossecução ao empreendimento constituiu-se uma sociedade de capitais particulares, participada por Nicolas de Harlay, Senhor de Sancy e Barão de la Molle e Gros-Bois, conselheiro do Rei, e François de Razilly, Senhor de Razilly e Aunelles.

Reunidos os meios, organizou-se a expedição formada por quinhentos homens, divididos pelas naus “Regente” e “Charlotte” e o patacho “Saint’Anne”, que a 1 de Março de 1612 se reuniu no porto bretão de Cancale, onde se com- prometeram a dar os bens e as vidas em prol da fundação da colónia: Em teste-

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Portugal e no Brasil (1580-1668), Lisboa, 1994; Frank Lestrigant, Le Huguenot et le Sauvage: L’Amérique et la Controverse Coloniale, en France, au Temps des Guerres de Religion (1555-1589), Paris, 1990.

128Apud Mário Meireles, História do Maranhão, 2ª ed., São Luís, 1980, p. 43. Cf. do mesmo autor, França Equinocial, São Luís, 1962; Claude d’Abeville, História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e Terras Circunvizinhas (trad. port.), Belo Horizonte/São Paulo, 1975, entre outros.

129Epítome do Descobrimento. Op. cit.

130João Francisco Lisboa, Jornal de Tímon-“Apontamentos, Notícias e Observações para servirem à História do Maranhão”, 1853, pp. 80-81.

Neste título, assinado em nome da Coroa de França, eram ainda concedidas, três caixas de arcabuzes e mosquetes; uma caixa de bandoleiras e outra de espelhos; uma caixa para o capitão e para o tenente com vestuário; quatro ou cinco caixas, para os soldados; três para os índios e oito almudes de vinagre.

munho da verdade, assinamos do próprio punho o presente. Cancale, 1º de Março de 1612. De Pezieux; Du Plessis; Felisbert de Brichanteau, Hardivilliers, Mestres Isac de Razilly, Claude de Razilly, Antoine Charon, Pierre Auber, De La Barre, Deschamps, Cornier, Mothaye, François Mondion, Bernard128.

Em Agosto desse mesmo ano, a armada chegou à dita Ilha do Maranhão, onde

os franceses foram bem recebidos e festejados dos índios naturais da terra. Fizeram três fortalezas na ilha para sua defesa temporal, e para espiritual edificaram um mosteiro para doze frades que levavam consigo da Ordem do nosso seráfico Padre São Francisco dos Reformados. São assim apresentados os primeiros missionários

da terra maranhense, pelo autor, franciscano, do Epítome do Descobrimento do

Maranhão e Grão-Pará e das Coisas que os Religiosos da Província de Santo António do Reino de Portugal Fizeram em Proveito das Almas, Aumento desta Coroa, e Tudo Para Maior Glória de Deus Meu Senhor129.

Ainda em França e, ao contrário de La Ravardière, que professava o credo luterano, Rasilly pediu a Maria de Médicis que intercedesse junto dos Capuchinhos – ramo francês de Franciscanos Reformados – para que acompa- nhassem a expedição e lançassem as bases da religião católica na nova colónia.

A Regente endereça a solicitação oficial ao Padre Léonard, por carta de 20 de Abril de 1611, que a remete ao Geral, Padre Jerónimo de Castel Ferrete. Fica assente a nomeação dos Capuchinhos para a Colónia do Maranhão, recaindo a sua escolha nos frades Yves d’Evreux, Ambroise d’Amiens, Arsène de Paris e Claude d’Abeville, religiosos Capuchinhos do Convento parisiense de Santo Honorato. Assim:

“Mandamos de presente à nova França doze padres capuchos, para nela instituírem a santa religião cristã, católica e apostólica romana. E assim quere- mos e mandamos que os ditos capuchinhos levem um baú de livros, dois baús de cálices, casulos e paramentos e coisas de móveis da igreja. E assim, outro baú de livros e coisas de refresco para sua embarcação. E mais uma grande caixa de estamenhas e de lenços para se vestirem os religiosos. E mais uma caixa de papel, e de candeias de cera, e de bugias para o serviço da missa (...)”130.

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Aceite pelos nativos, a comitiva deu início ao processo de colonização, sob o estandarte da França e a égide espiritual da cristandade, desde logo pela celebra- ção da primeira missa, que congregou nativos e gauleses. Seguir-se-ia a erecção do forte e das residências (de folhas de pindoba, a famosa palmeira da flora maranhense), enquanto os frades iam, mil passos adiante, ao pé de uma nascente,

fazer construir sua capela e sua residência, a que chamaram Convento de São Francisco131.

À semelhança do que acontecera em 1500, na Terra de Vera Cruz, outro braço religioso da família Franciscana, os Capuchinhos Franceses, iniciou a actividade evangelizadora nas terras do Maranhão. No 1º de Novembro, dia de Todos-os- Santos, ano da graça de 1612, no Forte de São Luís do Maranhão, fundava-se a

França Equinocial, cuja carta constitucional ordenava a todos:

“quaisquer que sejam qualidades e condições, que temam, sirvam e hon- rem a Deus; que guardem os santos mandamentos; que não blasfemem em seu santo nome, sob pena de multa e punições corporais; ordenamos a todos, a quem quer que seja, que honrem e respeitem os reverendos padres capu- chinhos, enviados por Sua Majestade a fim de implantarem entre os índios a Religião Católica, Apostólica e Romana; ordenamos que ninguém, qualquer que seja a condição, embarace ou perturbe os ditos capuchinhos no exercício da religião ou de sua missão de conversão das almas dos índios, isto sob pena de morte”132.

Este primeiro grupo de frades Franciscanos Capuchinhos lançou as bases da catequese dos índios – que seriam, na época, grupos tupis, instalados na região maranhense, na sequência de vagas migratórias, vindas do Sul, resultantes da fuga às investidas dos portugueses. Em meados do ano seguinte à sua chegada, e quando já se esboçava uma resposta por parte das autoridades lusas a esta usur- pação francesa, chegou um novo contingente de homens sob o comando de Du Prat, acompanhado por outros missionários Capuchinhos, de que se destaca Frei Arcangelo de Pembroke, Comissário da Ordem, e Frei François de Bourdenaire (este com a função de substituir o superior na guardiania do convento)133.

131Mário Meireles, Op. cit., p. 44. 132Ibid., pp. 46-47.

133Relativamente à chefia do primeiro grupo de missionários, tanto Mário Meireles, História..., Op. cit., p. 50, como Jorge Couto, As Tentativas..., Op. cit., p. 189, a mesma é atribuída a Yves d’Evreux. Jaboatão considera como superior dos Capuchinhos franceses, na França Equinocial, Claude d’Abbeville. Cf. Orbe Seráfico, p. 110. Do mesmo modo, o autor da Memória do Maranhão, desde o seu Descobrimento. Acção dos Religiosos Capuchos de Santo António, desde 1614 a 1701, I.A.N./T.T., O.F.M., Província de Santo António, Província, Mç. 18, doc. nº 59, diz: “Estes foram os primeiros missionários dos índios que ao Maranhão vieram com os franceses. Chama-se o prelado que fundou o hospício Frei Cláudio de Abeville”.

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Para o autor do citado Epítome, os religiosos da Ordem seráfica que acompa- nhavam o segundo contingente de colonos seguiam com destino ao Maranhão,

para que não houvesse falta do espiritual, assim na conversão dos índios, como nos exercícios dos sacramentos aos residentes católicos, cristãos, zelo certo muito para louvar, principalmente em Reino, onde se permite liberdade de consciência. É, com

certeza, uma referência à situação religiosa da França, em que os Huguenotes pro- fessavam uma doutrina não católica, de que era um exemplo o próprio La Ravardière.

Para a História do Maranhão, os Capuchinhos Franceses podem considerar- se os primeiros missionários a pisar solo maranhense e a estabelecer os princípios da evangelização entre os naturais. No entanto, a verdadeira epopeia dos Franciscanos naquele território só se começaria a delinear com a chegada dos Capuchos de Santo António, uma vez que o empreendimento francês não se con- solidaria, em consequência da reacção portuguesa que recuperou a sua soberania.