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O CONVENTO DE SANTO ANTÓNIO DE LISBOA: CASA-MÃE DOS CAPUCHOS DO MARANHÃO

1. FUNDAÇÃO E CONTINUIDADE

Cerca do ano de 1217 foram-se instalando em Portugal, em pequenos eremi- térios, os frades de São Francisco. Imbuídos do mais puro sentido cristão, preten- diam provar, no quotidiano, que a “Regra da Vida” a que tinham aderido, seria o retorno à pobreza original vivida na penitência, caridade e amor ao próximo e a Deus.

Rigorosos na sua conduta, iniciaram uma rápida expansão, mas acabaram por subverter o carácter inicial do movimento, já que os pedidos feitos sucessiva- mente aos Papas os ia livrando do rigor da Regra. A partir de meados do século, os estudos, mormente teológicos, impuseram-se com maior acuidade, e os Franciscanos foram deixando os pequenos eremitérios, para descerem aos povoa- dos onde edificaram vastos conventos para acolhimento dos estudantes.

Rapidamente a regra de ouro da pobreza, humildade e mortificação se per- deu, e a Ordem iniciou o processo da “conventualidade”, organizando esquemas de sobrevivência, baseados na detenção de propriedades e rendas. No entanto, a vontade de regressar à simplicidade primitiva levou a que grupos de frades se rebelassem, provocando um movimento reformista de que nasceriam as várias Províncias Franciscanas portuguesas.

A este propósito, convém recordar que no século XIV a Ordem Franciscana se repartia por duas correntes, a do Conventualismo – “Claustra” – e a da Obervância.

As casas do Conventualismo funcionavam segundo o modelo geral dos con- ventos portugueses do século XIV: eram de construção ampla, seguiam a disci-

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plina de vida monástica praticando a pobreza mas gozando de alguns privilégios, e localizavam-se, predominantemente, em centros urbanos, mantendo alguns escolas próprias.

Quanto aos Observantes, eram pela observância integral da Regra, e neles impunham-se a austeridade e a pobreza, ao ponto de estas virtudes se estenderem à simplicidade dos edifícios, situados, normalmente, em lugares rurais ou ermos. Como forma de espiritualidade privilegiavam a oração mental e dedicavam-se à pregação popular74.

A Província de Portugal, a que estavam sujeitos tanto os Conventuais (ou Claustrais) como os Observantes, acabaria por se dividir em 1517. Dava-se iní- cio ao processo da reforma com a fundação da Província dos Algarves em 1532, a Província de Santo António em 1568 e, mais tarde, a Província de São João Evangelista em 1639 e a Província da Conceição em 170675.

Conhecidos por “Descalços”, “Frades do Capucho” e finalmente “Capuchos”, pelo facto de envergarem um hábito de burel de que fazia parte um capelo pira- midal, os religiosos da Província de Santo António dos Capuchos necessitavam de um convento à medida do novo estatuto, e compatível com a regra que pro- fessavam76.

A invocação do santo padroeiro para título da nova província prende-se com a devoção que sempre os Franciscanos sentiram por António, filho dilecto de Lisboa, ele próprio um representante fiel do franciscanismo. Ficou, portanto, como emblema a imagem de Santo António com o Menino Jesus sobre o livro na mão esquerda, e a Cruz na mão direita.

No Reino vivia-se ainda o temor da “peste grande” que no ano de 1569 tinha morto cerca de sessenta mil pessoas só em Lisboa, renovando-se o surto epidé- mico em 1579. Aliado a este facto, o fervoroso culto que os portugueses, sobre- tudo os da capital, dispensavam ao santo padroeiro, levou-os a juntar esforços no sentido de se fundar um mosteiro para os seus frades “antoninhos”.

Manifestando esse desejo ao Cardeal D. Henrique, o Provincial Frei António de São Vicente obteve a sua anuência, bem como o empenho dos vereadores da Câmara de Lisboa, que ajudaram na escolha do local.

74António Montes Moreira, “Implantação e desenvolvimento da Ordem Franciscana em Portugal – Séculos XIII-XVI”, in I-II Seminário: O Franciscanismo em Portugal, Lisboa, Fundação Oriente, 1996, p. 21. 75Cf. Fernando Félix Lopes, “Franciscanos”, in D.H.P., Vol. III, Porto, p. 72; Id., “Capuchos” in E.L.B.C., Vol. IV, p. 946; Id., “Franciscanos de Portugal antes de Formarem Província Independente – Ministros Provinciais a que Obedeciam”, AIA, s. 2, 45, 1985, pp. 349-350; Frei Manuel da Esperança, História Seráfica da Ordem dos Frades Menores de São Francisco na Província de Portugal, I e II, Lisboa, 1956 e 1666; Frei Fernando da Soledade, História Seráfica Cronológica da Ordem de S. Francisco na Província de Portugal, III, IV e V, Lisboa, 1705, 1709 e 1721.

76História dos Mosteiros, Conventos e Casas Religiosas de Lisboa, Lisboa, 1950; Frei Martinho do Amor de Deus, Escola de Penitência, Caminho de Perfeição, Estrada Segura Para a Vida Eterna, Lisboa, 1740.

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Fora de muros, existia um sítio denominado “as Covas”, junto à Porta de Santo Antão, refúgio de vadios e “facinorosos”. Sentiram os religiosos que era o local propício à fundação do mosteiro, a que o cronista do seu cartório chamou “Templum Concor- diae”77.

Pertenciam as terras a vários donos, em que se incluíam também foreiros, entre os quais os Padres Dominicanos do Convento de São Domingos de Lisboa e os Padres da Companhia de Jesus. A Diogo Botelho pertencia o terreno em que se fundou a capela-mor, sacristia e o lanço do segundo dormitório, assim como a terra da ladeira até à estrada. Muitos outros proprietários como D. Brites

ou D. Maria da Silva, à semelhança do cabido da Sé e da Câmara de Lisboa, doa- ram os seus terrenos, para que Frei Martinho da Ínsua, encarregado das obras, procedesse ao início da construção.

E assim, a 15 de Fevereiro de 1570, dia da trasladação de Santo António, no reinado de D. Sebastião e com o Papa Pio V a presidir aos destinos da Igreja, lan- çou-se a primeira pedra daquele que viria a ser um dos locais de culto mais fre- quentados da cidade. Nove anos depois, no mesmo dia, rezava-se solenemente a primeira missa e abria-se o convento à devoção popular.

De fachada austera, à maneira dos frades que a edificaram, a igreja destacava- se ao fundo de uma alameda bordada de árvores silvestres. Durante séculos a cerca do convento, com as suas capelas e a “escada santa”, concorria com o inte- rior do templo em manifestações de piedade cristã. Sucederam-se as ofertas dos devotos, como as custódias ou os relicários de prata. Peças em marfim, ébano, pau-preto e coral ombreavam com as vestimentas de damasco ou os frontais de seda, a atestar a presença dos fiéis pelas partes do Mundo, especialmente do Brasil78.

77“Livro do Cartório do Convento de Santo António”, I.A.N./T.T., O.F.M., Província de Santo António, Província, Lº. 7.

78“Livro dos Inventários, Hábitos e Profissões do Convento de Santo António dos Capuchos de Lisboa”, I.A.N./T.T., O.F.M., Província de Santo António, Província.

8. Convento de Santo António dos Capuchos de Lisboa.

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Ao mesmo tempo que oficiavam, os frades Capuchos dedicavam-se à assis- tência médica, albergando muitos irmãos de outros conventos.

O estado da sua casa era preocupação constante, pelo que se empenhavam em obras e consertos permanentes. Às capelas originais acrescentaram-se outras, conseguindo-se, actualmente, identificar a Capela-mor, a de Santo António, a de São Francisco, a de Nossa Senhora da Conceição, de Jesus, de São Pedro Apóstolo, do Descimento da Cruz, do Evangelho, de Nossa Senhora da Assunção e a Sacristia.

Em 1755 o Terramoto de Lisboa causou danos avultados no convento, obri- gando à sua reconstrução, em que se destacou a acção do Conde de Povolide, patrono da capela-mor, onde jazem sepultados os restos mortais da família79.

Chegou, entretanto, o ano de 1834 e, com ele, a extinção das ordens religio- sas. Fechou-se o convento e vendeu-se a cerca com as suas capelinhas a um par- ticular, que permitiu a continuação do seu culto80.

Mousinho de Albuquerque, em 1836, mandou instalar, no antigo convento, o Asilo de Mendicidade, como está assinalado em inscrição lapidar, à entrada. Em 1903 o convento é integrado nos anexos do Hospital de São José, passando a ser propriedade dos Hospitais Civis de Lisboa. Finalmente, em 1928, o Asilo é insti- tuído como Hospital. Gizava-se, assim, o novo destino que o Convento de Santo António dos Capuchos viria a ter. De convento a hospital, as velhas paredes con- tinuam no cumprimento dos primitivos ideais: servir o próximo, sob os auspícios de Santo António, padroeiro.