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OS SERMÕES DE FREI CRISTÓVÃO DE LISBOA EM DEFESA DO ÍNDIO

A CUSTÓDIA DE SANTO ANTÓNIO DO MARANHÃO E GRÃO-PARÁ

2. OS SERMÕES DE FREI CRISTÓVÃO DE LISBOA EM DEFESA DO ÍNDIO

Durante a sua estada no Maranhão, Frei Cristóvão de Lisboa não mede esfor- ços, no sentido de terminar com a exploração dos índios, pelo que entra em con- flito aberto com as autoridades da administração colonial e os próprios morado- res, usando de todos os meios ao seu alcance, fosse através dos poderes com que ia instituído pela Mesa da Consciência e Ordens e como Visitador do Santo Ofício, fosse como religioso, no uso da prédica aos fiéis. Frei Cristóvão soube usar a arte da Oratória Sacra como um instrumento político de ataque aos cobiçosos. O sermão teve em Frei Cristóvão de Lisboa um dos mais altos cultores seiscentis- tas, numa época em que o púlpito servia de tribuna, onde se julgavam as atitudes e as mentalidades reinantes.

240Alvará de Filipe II que manda retirar às pessoas seculares a administração das aldeias dos Índios, I.A.N./T.T., O.F.M., Província de Santo António, Província, Mç. 18, doc. nº 66. Ver Anexo Documental, doc. 10.

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Cristóvão fez da luta pelo índio a cruzada máxima do seu percurso apostó- lico. A superior questão da liberdade do índio, tema nuclear da vida amazónica de Seiscentos, deve a Cristóvão um dos maiores protagonismos do tempo. Na pri- meira metade do Século XVII, o custódio franciscano não deixou por mãos alheias o crédito de uma obra ímpar, que a História começa a revelar.

Ao mesmo tempo que teve que enfrentar a oposição dos moradores e dos governantes, Frei Cristóvão consignava no púlpito o testemunho dessa luta titâ- nica, na defesa dos oprimidos contra os senhores. Durante a sua estada no Maranhão lançou excomunhões contra homens do poder e dignitários das câma- ras por lhe impedirem a promulgação do alvará que concedia aos Capuchos a administração temporal dos índios, transferida para os Franciscanos, por decisão régia. Ao longo de onze anos enfrentou o poder político, ao mesmo tempo que

20. O Menino Jesus aparece a Santo António, Pintura sobre madeira, Detalhe do tecto e coro da Igreja e Mosteiro de Santo António, Iguaraçu.

241Justificação da ida do Custódio do Maranhão a Espanha, por Índias de Castela, Cruz de La Merced, em 18 de Setembro de 1635 e de Salamanca aos 19 de Setembro de 1635, I.A.N./T.T., O.F.M., Província de Santo António, Província, Mç. 7.

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tentou impedir a afirmação do poder jesuítico, que lutava por se estabelecer no Estado do Maranhão, almejando as premissas concedidas aos Franciscanos. Foram duas frentes de um combate cerrado, no qual também pesou o deficiente relacionamento com o governador Francisco Coelho de Carvalho.

Durante o período em que permaneceu no Maranhão, Frei Cristóvão de Lisboa desenvolveu as missões, para o que edificou algumas aldeias de índios ao longo dos rios, e definiu as bases da estratégia missionária franciscana.

Para além do político, do orador e do missionário, Frei Cristóvão foi também o naturalista e o historiador. Conhecida a faceta do cientista, pela publicação do tratado que deixou, História dos Animais e Árvores do Maranhão, e respectivos “dibujos”, pequena quota daquilo que terá produzido, o custódio mantém ainda na penumbra muitos testemunhos do seu labor literário, quer na Oratória Sacra, quer na epistolografia, ou nas ciências e na História.

Frei Cristóvão de Lisboa manteve-se fiel à sua luta na defesa dos direitos dos índios, mesmo depois de sair do Maranhão, por Índias de Castela, pelo que se deslocou a Espanha numa campanha de denúncia política da situação vivida na colónia. Retirando-se do estado maranhense, em 1635, dirigiu-se ao comissário geral da Ordem em Espanha, a fim de testemunhar as perseguições a que estavam sujeitos os Capuchos no território, situação que tivera como epílogo o cerco ao convento em São Luís e o assassinato de um religioso no seu interior, ocorrência que se dava pela segunda vez na história dos Franciscanos no Maranhão.

Aos 18 de Setembro de 1635, em Santa Cruz de La Merced, Frei Hernando de Leon elaborava uma justificação sobre a ida de Frei Cristóvão de Lisboa, directa- mente ao superior da Ordem, sem passar pelo provincial em Lisboa, facto que, em termos estatutários, fazia o custódio incorrer em sanções. No entanto, a situação que levou o Custódio do Maranhão a Espanha, a fim de denunciar as “extorsões” e os “excessos”, é tão grave que o ilibam das penas previstas nas regras da Ordem: “Entre el Brasil e las Índias de Castilla se fundo por orden de los prelados de la religión de S. Francisco una custodia, a la qual, e debajo de cuja ins- trucción, estaban entregues los índios daquela Província a que llamam Marañon. En ela se sucederam algunos casos e si introduzirón abusos mui em prejuizo de los índios e contra lo bien de sus animas”241.

O extenso documento alude às tiranias praticadas sobre os índios (“de maneira que nem tempo suficiente lhes davam para serem doutrinados na fé”), além de cativarem a muitos “injustissimamente”, ao que se juntou o padecimento

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dos religiosos, que defendiam os índios como era sua obrigação, e que passaram grandes trabalhos por esse facto:

“Chegou o negócio a tal ponto que aconteceu um extraordinário excesso e rompimento feito por uns seculares, que quase não houve semelhante no Mundo, que foi cercar o convento de noite, sem ordem, nem voz de justiça e o apedrejaram dizendo palavras injuriosas e tentando escalá-lo, de que resul- tou atirar uma escopeta e matar um religioso”242.

O cerco ao convento deveu-se ao facto de terem os Franciscanos acolhido no seu interior um religioso da Ordem de Santo Agostinho fugido à perseguição de “certa pessoa poderosa”. Para colmatar estes excessos, esperava-se no Maranhão que o monarca interviesse, o que não acontecera por ser muito grande a distân- cia e por lhe sonegarem as cartas. Por tais factos, tinha saído o custódio do Maranhão directamente a Castela, por entender que a situação referida necessi- tava de ser remediada (“porque, o que ocasionava todos estes males era o mesmo governador, que por estar distante não tinha “quién le fosse a la mano”).

“E assim, o dito guardião do dito convento ordenou que o dito custódio que havia acabado o seu ofício viesse a Espanha a dar conta ao seu comissá- rio geral para que se remediassem estas coisas com Sua Majestade”243.

Apesar de ter sido enviado pelo guardião, os estatutos da Ordem impediam que os guardiães ordinários pudessem dar licença aos seus súbditos para se ausentarem fora dos limites da sua guardiania. O processo segue os passos usuais, no sentido de se averiguarem as infracções do custódio, pelo que se pediu o pare- cer de Fernando Arias, doutor em Cânones em Salamanca, que o iliba, ao afirmar: “La distancia de los lugares, e quando concurren causas e casos extraor- dinarios, nunca estos se deben regular por las leis ordinarias”.

Segundo o jurista, o súbdito podia recorrer ao seu superior para tentar obs- tar aos “gravames” mencionados. O custódio acabou por ser agraciado com a estima e cuidado pelos trabalhos desenvolvidos durante o seu custodiato e pela ida a Espanha, a fim de denunciar tais extorsões.

Regressado ao Reino, a mesma questão de se saber se o custódio tinha incor- rido em alguma pena prevista nos estatutos, deu lugar à emissão de um parecer,

242Ibid. Tradução livre. 243Ibid.

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elaborado no Colégio de São Tomás, por D. Frei Paulo da Natividade e D. Frei Luís Pereira, em Dezembro de 1635. Perguntava-se se um religioso de Santo António que estava no Maranhão, para onde tinha sido enviado por três anos, mas onde ficara muitos mais, actuara contra o regulamento por ter regressado ao Reino, com licença do eleitor que entretanto terminara o mandato.

“Sou de parecer que o dito religioso tuta conscientia, pode usar da dita licença que o sobredito eleitor lhe concedeu, pois foi passada auctoritate apos-

tolica”244.

Estes dois documentos revelam um dos períodos menos conhecidos do pri- meiro custódio do Maranhão, o da sua vinda para o Reino, através da América Espanhola directamente para Castela. Embora nunca mencionem o nome de Frei Cristóvão, tratam necessariamente da sua figura, uma vez que era ele o titular do custodiato nesse tempo e sabe-se que regressou através de Espanha.

O mérito da sua informação recai, para além do aspecto biográfico, no teste- munho de que Frei Cristóvão de Lisboa continuou, após a saída do Maranhão, a denunciar a atitude dos portugueses relativamente aos índios e, sobretudo, levan- tando a voz contra o seu governante máximo, Francisco Coelho de Carvalho.

O seu regresso não foi pacífico, já que incorreu em penas previstas pelo regulamento da Ordem. Recorde-se que a duração dos cargos era feita por um período de três anos, mas deviam manter-se em funções até serem substituídos. Nos Estatutos da Província de Santo António do Reino de Portugal em 1645, nas atribuições do custódio do Brasil, determina-se:

“Do Brasil não virão frades a este Reino, nem à Ilha da Madeira, nem às Terceiras, sem expressa licença in scriptis do Irmão Ministro, ao qual manda- mos não as dê sem justíssimas causas”245.

Frei Cristóvão de Lisboa revelou ser um homem de coragem e acção, que enfrentava as hostilidades de forma activa, mesmo que isso implicasse dissabores e sofrimentos.

No Reino, continuou a sua cruzada em prol do índio, ao preparar o seu ser- monário para publicar, no qual incluía os sermões proferidos durante a estada no Grão-Pará e Maranhão, verdadeiros libelos de acusação contra a escravatura e o cativeiro. Essa colectânea saiu impressa, três anos depois do seu regresso, em

244Parecer sobre o uso de licença para regressar ao Reino, concedida ao Custódio do Maranhão, I.A.N./T.T., O.F.M., Província de Santo António, Província, Mç. 7.

245Estatutos da Província de Santo António do Reino de Portugal, Op. cit., cap. XX –“Dos Custódios do Brasil”, pp. 12-14.

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1638, com o título de: Santoral de Vários Sermões de Santos Oferecido a Manuel

Severim de Faria, Chantre da Sé de Évora246.

Esta obra é constituída por vinte e seis sermões, e Frei Cristóvão dedica-a ao irmão Manuel Severim de Faria, Chantre da Sé de Évora, com a declaração de que o faz para que se tenha através dela notícia dos seus trabalhos “e possa Vossa Mercê julgar sobre a publicação das outras obras que intento dar à estampa”.

A produção literária de Frei Cristóvão de Lisboa teve início ainda antes de embarcar para o Maranhão. Em 1625 publicou em Évora o Sermão de São José

que Pregou em a Cidade de Lisboa no Mosteiro de Santo António, cujo prólogo é

assinado pelo sobrinho Gaspar de Faria Severim, o mesmo que fez a sua biogra- fia depois do regresso ao Reino e que contribuiu para o conhecimento do perfil genealógico de Frei Cristóvão de Lisboa e da actividade desenvolvida no Maranhão247.

Nesse preâmbulo, o sobrinho diz claramente: “antes que o Padre Frei Cristóvão de Lisboa, meu tio, se embarcasse para o Brasil, me entregou este sermão”.

Na época da Restauração, o ex-custódio publica uma série de sermões dedi- cados a esta temática, como foi prática corrente entre os oradores sacros do tempo, e que têm vindo a ser estudados por João Francisco Marques na obra

A Parenética Portuguesa e a Restauração (1640-1668) onde inclui a análise da

Oratória de Frei Cristóvão sobre a matéria248.

A bibliografia activa de Frei Cristóvão de Lisboa é constituída por cerca de duas dezenas de obras impressas durante a sua vida, composta basicamente por sermões. Postumamente, publicou-se o Jardim da Sagrada Escritura Disposto em

Modo Alfabético, em 1653, que interessa em particular para o estudo da sua acti-

vidade no Maranhão. No prólogo pode ler-se: “foi ao Maranhão como custódio e o primeiro que passou àquela conquista com este título (...); baptizou infinidade de gentios, e por defendê-los da opressão dos ministros padeceu grandes traba- lhos, fome e perigos”249.

246Frei Cristovão de Lisboa, Santoral de Vários Sermões de Santos Composto por Frei Cristovão de Lisboa, Religioso da Ordem do Seráfico Padre S.Francisco da Província de Santo António dos Capuchos de Portugal, Lente de Teologia, Revedor e Qualificador do Santo Ofício, Lisboa, 1638.

247Notícias dos Severins e Farias – Vida de Frei Cristóvão de Lisboa por Gaspar de Faria Severim, (cerca de 1638), B.C.C., Cod. M VII, 19 A, pub. in Frei Cristóvão de Lisboa, História dos Animais e Árvores do Maranhão, Lisboa, A.H.U., 1967, pp. 10-16. Ver Anexo Documental, doc. 19.

248Cf. João Francisco Marques, A Parenética Portuguesa e a Restauração (1640-1668), 2 vols., Porto, 1989. 249Frei Cristóvão de Lisboa, Jardim da Sagrada Escritura Disposto em Modo Alfabético, Op. cit.

Na obra dirigida por José Adriano de Freitas Carvalho, Bibliografia Cronológica da Literatura da Espiritualidade em Portugal (1501-1700), Porto, 1988, referem-se duas edições desta obra, uma em 1653 e outra de 1635, respectivamente nas páginas 284 e 330, o que não corresponde à realidade, pois trata-se de uma obra póstuma como se refere no prólogo, e o autor morreu em 1652.

Em erro idêntico incorre Fr. Lucas Wadding, Scriptores Ordinis Minorum que data a publicação do Sermão do Domingo da Quaresma em 1541, em vez de 1641, como de facto ocorreu.

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No livro faz-se o historial da Província de Santo António de Portugal desde a sua instalação no Reino, suas ramificações e a passagem dos primeiros francisca- nos ao Brasil e ao Maranhão, em que se inclui a ida de Cristóvão.

Postumamente, saiu do prelo a Consolação dos Aflitos e Alívio de Lastimados, em 1742. Cerca de um século após a sua morte, ocorrida em 1652, mantinha-se o interesse do público e dos letrados pela sua prédica, cujo “Prólogo” ao leitor, informa:

“D. Frei Cristóvão de Lisboa, cujo apelido indica a pátria que lhe deu o berço, foi filho de Gaspar Gil Severim, Executor-mor do Reino, e de Juliana de Faria, e irmão do célebre antiquário Manuel Severim de Faria, Chantre da Catedral de Évora”250.

A formação intelectual do religioso, a sua ordenação na Província da Piedade e posterior passagem para a de Santo António, os cargos que desempenhou, par- ticularmente como pregador régio, os padecimentos no Maranhão... tudo são informes contidos nesta edição do século XVIII. Ainda refere: “O seu retrato está na Casa do capítulo do Convento de Santo António desta Corte entre os bispos que teve neste Reino esta santa reforma”251.

A obra que mais consagraria Frei Cristóvão de Lisboa, por ser a mais divul- gada actualmente e tratar de uma temática diversa da Oratória, é a História dos

Animais e Árvores do Maranhão, editada pela primeira vez em 1967, mas elabo-

rada trezentos anos antes, durante a estada do custódio na Amazónia.

Apesar de ser o trabalho literário mais conhecido de Frei Cristóvão, com informações sobre aquele território brasílico, não significa que as outras obras não estejam impregnadas de referências ao Maranhão. O caso particular do men- cionado “Santoral”, em que se incluem sermões pregados no Brasil, representa uma fonte inesgotável de estudo sobre o tema da liberdade do índio, e do papel de Frei Cristóvão, enquanto missionário e seu defensor.

Se se atender ao carácter específico desta produção literária, que enforma uma ideologia e uma caracterização de aspecto funcional, dirigida a um determi- nado público com objectivos bem definidos, aquilatar-se-á da verdadeira impor- tância do testemunho neles impregnado.

250Id., Consolação dos Aflitos e Alívio de Lastimados, Lisboa, Of. de António Isidoro da Fonseca, 1742. 251Alberto Iria no prefácio com que abre a obra de Frei Cristóvão de Lisboa, História dos Animais e Árvores do Maranhão refere-se ao quadro a óleo que existia em Angola, e que é reproduzido, afirmando que o mesmo, depois de ter sido restaurado em Lisboa voltou a Luanda.

Foram vãos todos os esforços feitos para saber o destino desse quadro que deveria existir no Paço Episcopal daquela cidade. Segundo informações colhidas junto do Arcebispo Emérito de Luanda, D. Eduardo André Moaca, todos os quadros existentes na galeria do Paço foram retirados entre os anos de 1978 e 1983 devido a problemas de humidade, não se tendo conseguido saber onde estão depositados.

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252Francisco da Gama Caeiro, “Ensino e Pregação Teológica em Portugal Na Idade Média: Algumas Observações”, Sep. da Revista Española de Teologia, Vol. 44, 1984, pp. 114-135.

253Cristóvão de Lisboa, Santoral, Op. cit. Os excertos dos sermões que se citam neste capítulo são todos de Frei Cristóvão de Lisboa, pelo que se omite a repetição da autoria.

Veículo de propagação e condena- ção de ideias, de superior importância, a homília constituía um caso ímpar de influência de pensamento e apelos à consciência.

O recurso às imagens bíblicas, ao maravilhoso ou ao bestiário, alternava entre a indução do medo do castigo divino e a esperança da recompensa eterna. A palavra do orador tinha o efeito de convencer os ouvintes, de os persuadir num determinado sentido. Era a arma privilegiada do missioná- rio, o trunfo de que melhor dispunha para fazer chegar determinadas nor- mas de conduta moral, social e polí- tica aos fiéis. Era o meio de comunica- ção por excelência.

Os sermonários constituem, na opinião de Francisco da Gama Caeiro, terreno fértil para “abordagens novas de textos velhos”252.

A História colonial brasileira também foi marcada por essa realidade, e pelo poder da palavra. Frei Cristóvão de Lisboa foi um pregador que soube usar todos os recursos da técnica da Oratória Sacra, para fazer valer os seus intentos na denúncia e na condenação de certas práticas lesivas dos interesses dos índios.

O orador inicia o prólogo com uma autobiografia, e refere o regresso do Maranhão, por Índias de Castela, “de onde me embarquei para Espanha”, não sem antes ter mencionado a sua estada no território maranhense em que fez várias viagens. O autor informa os leitores de que fez em todas as partes por onde pas- sou vários sermões:

“Deles separei para imprimir os que se contêm no presente livro, não por me parecer que foram os mais aceites que preguei, mas por que não faltou quem os notasse de muito ásperos”253.

Frei Cristóvão de Lisboa

21. Folha de rosto da obra de Frei Cristóvão de Lisboa, Jardim da Sagrada Escritura, 1653.

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254Ibid., pp. 1-10.

255Ibid.

Esclarece que aqueles sermões não foram compostos para se imprimir, por isso, ligou menos ao formalismo da linguagem que à eficácia da doutrina que pre- tendia pregar, tornando-a simples para ser compreendida. Critica os pregadores falsamente eloquentes, como é uso em todas as partes do Mundo por onde havia passado: “Os pregadores evangélicos hão-de tratar, não de deleitar com a compo- sição desnecessária das palavras – mas de doutrinar com a clareza e lhaneza sufi- ciente”, e não encobrirem verdades com termos de eloquência inútil.

No Sermão de Todos os Santos254compara os homens, conforme as suas ati-

tudes, a determinadas aves, baseando-se em Aristóteles, Da Natureza Animal, e em Plínio, História Natural. Em relação à pega, que diz ser conhecida por “minhoto”, explica como agem, roubando os pintos às mães, para os comerem, e atesta a semelhança das suas atitudes com as dos homens.

O minhoto [pega] é a representação do homem poderoso e tirano que se sus- tenta dos pequenos, como é frequente no Maranhão:

“Alguns dos que vão aos sertões, que são senão minhotos, que apanham os filhos e as filhas aos pobres dos índios, porque os não podem defender e os trazem cativos, e se sustentam deles, deixando os pais sós, chorosos e sobre- maneira escandalizados, blasfemando o nome do Senhor que é o pior de tudo”255.

A tónica do discurso de Frei Cristóvão assenta nas mesmas bases dos seus