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Comissariado e Primeira Custódia do Maranhão e Grão-Pará (1617-1635) A 22 de Junho de 1617, na companhia de Francisco Caldeira de Castelo-

ESTABELECIMENTO E PROGRESSO DA ORDEM FRANCISCANA NO MARANHÃO

1. SINOPSE HISTÓRICA – TENTATIVA DE PERIODIZAÇÃO (1614-1829) Primeiros Missionários (1614-1615)

1.2. Comissariado e Primeira Custódia do Maranhão e Grão-Pará (1617-1635) A 22 de Junho de 1617, na companhia de Francisco Caldeira de Castelo-

-Branco, embarcaram em Lisboa para Belém quatro frades Capuchos: Frei António da Merceana, com as funções de Comissário; Frei Cristóvão de São José, Vice-Comissário; Frei Sebastião do Rosário e Frei Filipe de São Boaventura. A 28 do mês seguinte aportaram à recém criada cidade. Alojaram-se provisoriamente no Forte do Presépio até à constituição da sua residência, sita no lugar de Una, a alguma distância do núcleo populacional, receberam a costumada ordinária de sustento e a oficialização do seu trabalho catequético.

O Comissariado da Província de Santo António de Portugal teve, portanto, a sua vigência a partir de 1617 até 1622, altura em que se estabelece a criação da Custódia da mesma invocação, na sequência do nascimento do novo território do extremo-norte brasileiro: o Estado do Maranhão, administrativamente separado do Estado do Brasil, por Carta Régia de 13 de Junho de 1621. No entanto, até ao estabelecimento dos missionários idos do Reino, enquadrados na nova estrutura, mediaram dois anos, durante os quais vigorou o estatuto de Comissariado.

Para exercer o cargo de superior da Custódia de Santo António de Portugal no Maranhão é escolhido Frei Cristóvão de Lisboa (ou Cristóvão Severim), cuja nomeação é comunicada à Coroa em Abril de 1622. Durante dois anos, o pri- meiro custódio maranhense dedicou-se à organização do empreendimento a que iria presidir, para o que contou com as informações que lhe eram remetidas dos seus confrades do Comissariado. Só depois de assegurar, por alvará régio, a admi- nistração temporal das aldeias dos índios e a defesa dos seus direitos humanos contra a ambição de certos colonos portugueses, acobertados pela administração local, Frei Cristóvão de Lisboa e dez confrades Capuchos partem do Reino. Para além do título de Custódio, Severim levava as funções de Vedor e Qualificador pelo Tribunal da Mesa da Consciência e Ordens e Visitador do Santo Ofício e seu Comissário, o que lhe conferia largos poderes.

Frei Cristóvão de Lisboa no Maranhão (1624-1635)

A 25 de Março de 1624, na armada do primeiro governador do Estado do Maranhão, Francisco Coelho de Carvalho e de Manuel de Sousa d’ Eça, capitão- mor do Pará, o custódio e seus confrades Capuchos embarcaram em direcção a Pernambuco, de onde seguiriam para o Ceará e São Luís102.



103Após a Restauração da independência de Portugal em relação a Espanha, em 1640, D.João IV não obteve reconhecimento por parte da Cúria Romana, subordinada aos interesses espanhóis. As movimentações diplomáticas foram entabeladas, desde muito cedo na difícil missão de fazer a Santa Sé aceitar o novo monarca e o novo estatuto de Portugal, na embaixada que “cansou mais os discursos, e que verdadeiramente se devia ventilar com mais cuidado”.

O grupo de missionários chegou a Olinda em Maio desse ano e agregou mais cinco frades da Custódia do Brasil, Frei António do Calvário, Frei Manuel Baptista, Frei João da Cruz e os irmãos Frei Junípero de São Paulo e Frei Domingos dos Anjos. Seguiu depois para o Ceará, onde, a pedido do Capitão- mor, Martim Soares Moreno, ficaram dois missionários para lançar as bases da actividade pastoral naquela Capitania.

Frei Cristóvão de Lisboa entrou em São Luís do Maranhão em Agosto de 1624 e iniciou a construção do Convento e Igreja de Santa Margarida, recebeu noviços e distribuiu frades pelas aldeias. Segue para Belém onde dá entrada solene em Maio de 1625 e tenta apresentar o alvará régio que abolia as adminis- trações das aldeias de índios por seculares, o que causou grande agitação entre os moradores e iniciou um processo de conflitualidade entre estes e o custódio, que resistia ao modo como os ameríndios eram tratados. Em Belém do Pará, funda o Convento de Santo António, que se tornou a sede da actividade apostólica. Dá, então, início à primeira grande viagem missionária, ao subir o Tocantins e o Araguaia até Goiás, onde visitou aldeias e procedeu à evangelização dos naturais, inaugurando o processo da missionação sistemática dos Capuchos no território.

O labor do primeiro custódio do Maranhão foi fortemente marcado pelo seu posicionamento na defesa dos direitos dos índios dentro do contexto e da menta- lidade da época, o que valoriza ainda mais a sua actuação, tendo-se batido por eles no púlpito e oficialmente em pareceres e queixas contra os violadores. O tra- balho de Frei Cristóvão de Lisboa durou onze anos, durante os quais enfrentou a hostilidade dos governantes coloniais e de Luís Figueira, superior dos Jesuítas, que lutava pela fixação da Companhia no Estado Maranhense com prerrogativas concedidas anteriormente aos Franciscanos.

Frei Cristóvão de Lisboa Regressa ao Reino (1635)

Frei Cristóvão regressa ao Reino, “por Índias de Castela”, em 1635, tendo sido nomeado pregador régio. Na Província de Santo António de Portugal exerceu os cargos de Guardião do Convento da Carnota e Definidor da Província até 1641, altura em que recebe a guardiania do Convento dos Capuchos em Lisboa, vindo depois a ser eleito Bispo de Angola, dignidade que nunca viria a exercer por esta- rem cortadas as relações entre Portugal e a Santa Sé103.



A primeira embaixada constituída por D. Miguel de Portugal, Bispo de Lamego, e Pantaleão Rodrigues Pacheco, Inquisidor do Santo Ofício, partiu a 15 de Abril de 1641. Em Roma, as negociações arrastaram-se sem êxito durante anos, atravessando a governação de vários Sumos Pontífices, nomeadamente Urbano VIII, Inocêncio X, Alexandre VII e Clemente IX, tendo Portugal enviado várias missões diplomáticas e tentado todos os recursos.

Uma das questões de conflitualidade relacionava-se com a posse dos bens de religiosos mortos fora dos conventos e que tanto a Santa Sé, em nome da Igreja, como o monarca, em nome do Estado, reivindicava. Como efeito directo da situação existente, os provimentos das sés vacantes não se faziam, por falta de confirmação dos bispos nomeados pelo rei português. Verdadeiramente, só em 1668 com a assinatura das pazes com Madrid, houve normalização das relações diplomáticas com o Vaticano. Clemente X, pelo Breve Quicquid Incolumi, de 2 de Abril de 1669, aceitou receber o representante do príncipe-regente.

“Pendant 15 ans le Portugal n’a pas de rapports diplomatiques avec Rome, et dans ses territoires d’outre-mer restaient vivant seulement deux évêques. Le Préfect de la Mission des Capucins, Fr. Jean François de Rome, par lettre du 22 juin 1655 au secrétaire de la S. Congrégation de la Propaganda Fide, révèle les graves conséquences spiritueles de cette situation pour le Portugal et ses domaines d’autre-mer. Le 8 mars 1663, António de Sousa Macedo, secrétaire d’Etat, expose a la Junta de Eclesiásticos et à d’autres personnalités la périleuse situation de l’Eglise au Portugal, sans prélats (...) et sans ordinations sacerdotales (car il y avait seulement un éveque titulaire trés vieux). António de Sousa Macedo, cependant, sait que tout cela arrive par “violence de Castella”, “contre la volonté du Pontifice”. Cf. Fr. Henrique Pinto Pena, O.F.M., Il Cristianesimo Nel Mondo Atlantico Nel Secolo XVII, Roma, [1997]; p. 57.

Ver para o mesmo assunto, A. Brásio, Monumenta Missionaria Africana, vol. X, Lisboa, 1965; Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, vol. IV, Lisboa, 1979; Angelo Ribeiro, “A Actividade Diplomática da Restauração”, in História de Portugal, Barcelos, T. VI; Eduardo Brazão, História Diplomática de Portugal, vol. I; António A. Dória, “Diplomacia da Restauração”, in D.H.P., Porto, vol. V, 1989, pp. 326-337. 104Frei Cristovão de Lisboa, O.F.M., Santoral de Vários Sermões de Santos. Oferecido a Manuel Severim de Faria. Chantre da Sé de Évora, Lisboa, por António Álvares, 1638. A produção bibliográfica de Frei Cristovão de Lisboa será descrita em capítulo próprio. Ver infra.

Já no Reino, Frei Cristóvão de Lisboa continuou a sua luta em prol da digni- ficação dos índios, pelo que se empenhou na publicação, em 1638, de um “Santoral”, obra teológica constituída por uma colectânea de sermões, entre os quais alguns pregados no Brasil e que revelam, para além das qualidades da sua Oratória, o missionário intransigente na defesa dos silvícolas, naturais da terra104.

Em 1647, doze anos depois de deixar o Maranhão, Frei Cristóvão de Lisboa ainda pugnava pelos direitos dos nativos e se insurgia claramente contra o pro- cesso de resgates a que estavam sujeitos. Pede mais humanidade no seu trata- mento e acusa a violência com que os índios eram tratados pelos cristãos, palavra que aqueles acabariam por odiar se continuassem a explorá-los como até ali.