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O COMISSARIADO DA PROVÍNCIA DE SANTO ANTÓNIO DE PORTUGAL NO MARANHÃO E PARÁ

4. OS MISSIONÁRIOS E A RES PUBLICA (1619-1623)

Os primeiros tempos da “Feliz Lusitânia” não foram isentos de instabilidade política e social, tanto externa quanto internamente. Os estrangeiros mantinham- se na expectativa de manter contactos com os índios da redondeza a quem alicia- vam para a angariação de produtos da terra, como as riquezas minerais e as famosas drogas do sertão, a que se juntava a pesca ao peixe-boi e outros géneros lucrativos no mercado europeu. Algumas nações de índios, interessadas em man- ter esse comércio, levantaram-se contra os ocupantes lusos, em autênticas suble- vações que foi necessário controlar para garantir a defesa de pessoas e bens dos moradores. Essa acção ganhou, por vezes, foro de verdadeira agressão por parte dos portugueses, atingindo momentos de grande violência na tentativa de domi- nar os índios levantados. Neste contexto, a atitude das autoridades coloniais pecou amiudadamente por falta de equidade e sentido de justiça.

Ao mesmo tempo que se fixavam e estendiam os núcleos populacionais, ini- ciava-se a expansão para o “hinterland” amazónico, numa estratégia que preconi- zava estender os limites da soberania, arrolar os índios e enquadrá-los no sistema, empurrar os estrangeiros e fixar pontos defensivos e de controlo.

Em todos estes processos, os missionários Capuchos foram uma presença constante: no apaziguamento e integração dos índios; nas expedições explorató- rias e de demarcação do território; ao lado dos soldados na luta contra os estran- geiros.

Simultaneamente ao movimento expansionista dos colonos, organizavam-se as novas localidades em termos de crescimento económico, necessário à própria sobrevivência. Em cada um destes passos, fosse para acompanhar as jornadas ao sertão em busca de drogas, fosse na formação de expedições bélicas ou no desen- volvimento da urbe, a massa gentílica era a grande fornecedora de braços para o trabalho que cada uma dessas actividades exigia: o índio era o remeiro, o carre- gador, o soldado, o recolector, o lavrador, o doméstico.

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Quanto maior era a integração dos territórios, mais contingentes de braços servis eram necessários; quanto mais povoadores chegavam, maior era o séquito de serviçais precisos. Quanto maiores eram as necessidades da economia, maior número de índios era imprescindível. Num território onde não havia pratica- mente escravos negros, a vida do índio jogava-se na balança entre o prato do desenvolvimento económico e da afirmação territorial e o da justiça e do direito do Homem.

Do tempo inicial dos “índios mansos” rapidamente se passou a uma atitude de hostilidade. As necessidades cada vez mais crescentes da mão-de-obra indígena levaram às entradas no sertão, em busca do verdadeiro ouro da Amazónia: o índio. Rapidamente se substituiu a brandura pela dureza do cativeiro maciço, que trouxe consigo a revolta e a resistência do natural ao invasor. A repressão e o cas- tigo aos revoltosos tomou conta dos anais da história amazónica. Famosas fica- ram as incursões de Bento Maciel Parente, em 1619, aos índios rebelados que cer- cavam a cidade. De Tapuitapera ao Pará, “extingue por aquela parte as últimas relíquias destes bárbaros”, conforme cita Berredo210.

Simão Estácio da Silveira, na Relação Sumária das Coisas do Maranhão fala no fabuloso número de quinhentas mil almas entre mortos e cativos, às mãos de Maciel, no que, relevado da hipérbole, simboliza bem o morticínio211.

Não satisfeitos com os extermínios, impunham muitas vezes os horrores das torturas, de que ficou como paradigma o primeiro capitão-mor do Pará no suplí- cio imposto aos índios revoltosos:

“Entrou em suspeitas que os Tupinambás se queriam levantar contra ele e, sem averiguação que requeria a resolução que tomou, prendeu os mais principais, e sem mais prova que uns leves indícios mandou matar tirana- mente e, imitando a Túlio Hostílio os fez partir e juntamente afogar a todos. Presas as pernas a duas canoas, por lhe faltarem os cavalos, correram estas à força de remos em contrários rumos”212.

Jacinto de Carvalho Na mesma altura, Bento Maciel Parente condena índios à morte, ao entregá- -los a nações (tribos) inimigas para os executarem, conforme a tradição indígena de matar os contrários para os comerem nos seus rituais mágico-religiosos de antropofagia213.

210Berredo, Op. cit., § 477.

211Simão Estácio da Silveira, Relação Sumária das Cousas do Maranhão, Lisboa, 1624. 212Jacinto de Carvalho, Crónica da Companhia de Jesus, Op. cit.

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Foi nesta conjuntura de violência, que a actividade dos missionários teve de desenvolver-se, como parte integrante do sistema colonizador e simultaneamente como representante da ordem divina e da mentalidade cristã, ideal e doutrinal- mente opostas a tal forma de actuação.

A conjuntura económica do Maranhão e Grão-Pará foi desde logo marcada pela necessidade de desbravar um território cheio de potencialidades, mas cuja especificidade física, retalhada num infinito mar de ilhas, braços de rio, insondá- veis florestas, a que se juntavam ventos, marés e baixios opostos à navegação, tor- naram a região um desafio permanente à capacidade humana.

A adaptação do colono ao meio aumentava proporcionalmente à necessidade de índios. Enquanto aquele avançava, este recuava numa fuga sem saída. A obten- ção do contingente indígena processava-se sob a forma de cativeiros, resgates e descimentos. Relativamente aos cativeiros, pôs-se desde o princípio o problema de definir o cativeiro justo e o cativeiro injusto e as condições em que o mesmo se poderia efectivar. Doutores da Igreja, juristas e teólogos, debateram longa- mente a questão, desde que o Orbis Christianus se expandiu para o Novo Mundo, sendo paradigmática a obra de Frei Bartolomeu de las Casas, Brevissima Relación

de la Destruyción de las Indias, no primeiro quartel do século XVI214.

O sistema do resgate dos índios impôs-se logo de forma natural como um meio privilegiado de obter mão-de-obra servil. Resgatar os silvícolas dos seus ini- migos era restituir-lhes a vida que estava irremediavelmente perdida à mão dos seus algozes. Eram os chamados índios-de-corda, capturados por tribos inimigas e que esperavam a hora da matança. Trocavam-se por utensílios e contas de vidro que se davam aos seus carrascos.

Esta forma de resgate trouxe consigo uma reacção em cadeia ao incitar de forma vantajosa para os capturadores, a prisão dos seus contrários, de modo a arranjarem “mercadoria” humana para trocar com os colonos, e, não raro, estes fomentavam a guerra entre nações inimigas para obter, desta modo, maior número de índios-de-corda.

A terceira categoria da recolha dos índios do sertão era a dos “descimentos” para as aldeias dos missionários, junto aos povoados e centros urbanos, onde pas- savam a morar, enquadrados nos preceitos da vida e moral cristãs, mas continua- vam ao serviço dos moradores e das autoridades. Nem sempre estas entradas e respectivos descimentos eram feitos de forma pacífica, motivados os índios pelo clamor catequético dos religiosos, pois muitas vezes o uso da violência era justifi- cado pelo fim em vista, desta feita, o resgate das almas e a sua salvação enquanto filhos de Deus.

214No século seguinte, o arcebispo de Quito, Frei Alonso de la Peña Montenegro, (1596-1687) publicou em Madrid um guia para os missionários da América espanhola, intitulado, Itinerário para Párocos de Índios (Madrid, 1668), Op. cit., que retoma as linhas mestras de Las Casas.

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Por longos anos se debateram clérigos, governantes e colonos num contínuo choque de áreas de competência e de esferas de poder sobre os índios. O missio- nário teve desde muito cedo um papel de primeiro plano, enquanto servidor de Sua Majestade e, portanto, subordinado às necessidades pragmáticas de uma organização de desenvolvimento económico e social, e enquanto servidor de Deus e da Igreja, o que implicava o dever de levantar a voz na defesa dos direitos humanos dos índios. Divididos entre as duas atitudes, faces de uma só moeda, os religiosos alternaram, perante o problema, a passividade e a aceitação de uma ordem instituída, com uma posição actuante e inconformada.

Perante o abuso dos moradores interessados no lucro fácil, mas também dependentes visceralmente da mão-de-obra indígena, e a inoperância dos capi- tães (ou a sua actuação de desrespeito total pelo índio), os missionários nunca deixaram de ser parte integrante do problema que a historiografia consignou como a “questão da liberdade do índio”.

Quando se instalaram no Maranhão, os Franciscanos Capuchos de Santo António depararam de imediato com um quadro semelhante, que tomava raízes, e lhes traria muitos dissabores pela tentativa precursora de imporem limites ao mau tratamento dos índios e que culminou com o ataque militar ao seu con- vento em 1618.

Jaboatão, um século depois, no Orbe Seráfico faz o relato desses primeiros tempos da vida belenita em que menciona o imprescindível trabalho do índio no desenvolvimento do núcleo, e a sua exploração por parte de moradores cobiço- sos. Acusa os portugueses pelo modo como lhes retiraram a liberdade, “cati- vando-os, maltratando-os e servindo-se deles como escravos”, contra todas as leis, de que era exemplo o capitão-mor, possuidor de trezentos índios, a que se opu- nham os Capuchos do Comissariado:

“(...) e foi isto motivo, para que pelos mesmos princípios, porque vinham estes religiosos a ser estimados dos índios, fossem aborrecidos do capitão e seus sequazes. E como nada podiam eles remediar em bem e favor do gentio, pois tinham ao capitão e aos maiores contra si, e não eram poucos, não achando aquela gente recurso às suas grandes opressões, não teve outro mais que o dos seus arcos, para cobrarem por força deles, o que não podiam pela da razão, e assim, amotinados todos, se levantaram e puseram em tom de guerra”215.

António de Santa Maria Jaboatão

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As sublevações dos Tupinambás contra os portugueses estenderam-se por todo o Belém e São Luís, o que levou a expedições ofensivas ao longo do ano de 1617 e 1618, em que se destacou a mão pesada de António de Albuquerque (filho do primeiro capitão-mor Jerónimo de Albuquerque), Pedro Teixeira e Bento Maciel Parente.

No Pará, o primeiro capitão-mor, Francisco Caldeira de Castelo Branco não foi capaz de governar a capitania sem graves convulsões sociais, entre os morado- res e entre os índios. O sobrinho, António Cabral, matou à punhalada o Capitão Álvaro Neto, de que resultou uma comoção pública, sentida principalmente pelos capitães Paulo da Rocha e Tadeu dos Paços, que se tumultuaram perante a passi- vidade de Castelo Branco em conluio com o sobrinho. No fervilhar da contenda, é dada ordem de prisão aos dois capitães, que se refugiam no Convento dos Capuchos e são por estes protegidos, recusando a sua entrega. É neste contexto que o governador ordena o ataque ao convento, onde é atingido um dos religio- sos, a que se seguiu novo assalto (“mandou comboiar uma peça de artilharia para o hospício com o intento de o derrubar”).

Os tumultos na cidade sucediam-se, na sequência da grande violência com que Caldeira tratava os seus próprios soldados e cabos, a quem sonegava os mise- ráveis soldos. Foi nesse clima de revolta que o Capitão Álvaro Neto foi assassi- nado publicamente pelo sobrinho de Caldeira, a que se seguiu o assalto ao con- vento dos Franciscanos Capuchos. A população rebelada organizou um levantamento contra o capitão-mor, que a 14 de Setembro de 1618 foi destituído em nome do povo. “Ao dia seguinte, unidos todos e aclamando a uma voz, Viva a Igreja, Viva El Rei, o prenderam pela manhã, e às mesmas horas, em que tinha resolvido pôr em execução a tomada do hospício”216.

Com a deposição de Caldeira formou-se uma junta governativa provisória, sob a forma de triunvirato, a qual integrava Frei António da Merceana. O Capitão Baltasar Rodrigues de Melo informa o monarca D. Filipe II sobre os motivos que levaram à revolta contra o capitão-mor. Inicia a epístola com a indicação de ter pedido ao padre custódio (supõe-se que se refira a Frei António da Merceana), que escrevesse ao próprio monarca a dar conta da situação vivida (“pareceu que o faria com o zelo que ele e seus frades ao serviço de Deus e de Vossa Majestade têm mostrado”)217.

Na carta endereçada ao monarca demonstra algumas reservas relativamente à ocupação do cargo, que não deixava de ser, no quadro jurídico-legal, uma usur-

216Ver Berredo, Op. cit.; J. Ribeiro do Amaral, Efemérides Maranhenses; Augusto Meira Filho, Evolução Histórica, Op. cit.; Jaboatão, Op. cit.; Jornal de Timon, 1853, p. 7.

217“Carta de Baltasar Rodrigues a El Rei sobre a Prisão de Francisco Caldeira de Castelo Branco e outros Sucessos no Maranhão”, de 28 de Novembro de 1618, in Documentos Para a História do Brasil e Especialmente do Ceará (1608-1625), Fortaleza, 1904, Vol. I, pp. 153-154.

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pação, e esboça um clima de contencioso com o vigário, a propósito do provi- mento para certos cargos públicos, que entretanto chegara a Belém, aos 26 de Outubro de 1618, dias após o levantamento e prisão de Caldeira. Esboça-se já um certo atrito entre as áreas de jurisdição dos seculares e dos religiosos, que se tor- naria permanente.

Do mesmo modo, o vigário, Padre Manuel Felgueira de Mendonça relata, em carta de 30 de Novembro de 1618, a Filipe II, a situação que encontra e afirma ser um dever de todos os vassalos que “comem o pão de Sua Majestade”, sobretudo os que “têm os cargos da República”, avisar a Coroa dos acontecimentos. Descreve os efeitos que o levantamento dos índios tivera produzido em todas as cercanias, não sem deixar de mencionar os “grandes agravos” feitos ao gentio, e quando relata o motim que depôs Francisco Caldeira (“levantamento feito entre os solda- dos que era o que mais atrevimento dava ao gentio”), acusa os frades Capuchos do seu envolvimento:

“E é a razão que mais me obriga a fazer esta, ainda que desmentirá a ver- dade do ânimo com que falo, a contumância de dois religiosos da Ordem de Santo António, que em tudo encontrarão o que nesta dizer, mas eu falo como pastor e confessor desapaixonado, e bem inteirado das coisas por as saber de raiz e não ser parte nelas, o que eles com verdade não podem dizer por serem principais partes e cabeças nelas e no motim e levantamento”218.

Pe. Manuel Figueira

O vigário propõe à Coroa que mande fazer averiguações por pessoa zelosa do serviço real, para que “uma maldade como esta não fique sem castigo”, punição que serviria como exemplo a futuras situações semelhantes, não sem esquecer de demonstrar as qualidades de Francisco Caldeira, sobretudo a sua experiência, necessária ao combate dos estrangeiros do Cabo do Norte.

Estes dois documentos permitem tecer algumas considerações. O primeiro, como se viu, revela a fragilidade das relações institucionais, no que toca à defini- ção de esferas de poder jurisdicional, entre autoridades seculares e religiosas. O segundo deixa perpassar a animosidade entre o clero secular e as ordens regula- res, num esboçar de contenda que marcaria a relação entre os dois sectores da comunidade religiosa. Perfilam-se aqui, ainda que de forma subtil, duas linhas da conflitualidade, que iria marcar a História maranhense.

218“Carta do Padre Manuel Figueira de Mendonça a El-Rei Filipe II Expondo as Coisas do Maranhão e Pará”, 30 de Novembro de 1618, in Documentos..., Op. cit., pp. 254-256.

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O aspecto fundamental da contenda acaba por convergir na questão do índio, no seu tratamento, no modo como as várias forças em questão se posicio- nam face ao mesmo e, sobretudo, numa luta cerrada pelas atribuições de áreas de competência.

O segundo campo de análise diz respeito à participação dos missionários em situações de carácter político, tomando o partido de uma facção de poder, relati- vamente a outra, e, no caso específico, perfilados contra os representantes legais da autoridade régia. É um aspecto importante, embora justificado por motivos humanitários de carácter social – a palavra contra o modo como se exploravam os índios, a defesa dos soldados, a reacção perante o assassinato público. No entanto, é uma atitude que revela o papel activo das ordens missionárias nos pri- meiros tempos da colónia.

A situação de instabilidade manteve-se com o ataque sucessivo de índios levantados que sitiavam o Forte do Presépio, a que se seguiam as expedições punitivas às “nações inimigas”, uma vez que os Tapuias defendiam os portugue- ses, e os Tupinambás, os atacavam.

Frei Cristóvão de São José acompanhou o Capitão Manuel Soares de Almeida a Pernambuco para pedir socorros militares ao Governador do Brasil D. Luís de Sousa, e Frei Sebastião do Rosário viajou para Portugal e expôs na Corte a gravi- dade dos acontecimentos paraenses, conforme atestam documentos da época219.

Entretanto, em 1619, chega o novo Capitão-mor Jerónimo Fragoso de Albuquerque (29-4-1619) com a função de remeter presos ao Reino, Francisco Caldeira Castelo Branco e seu sobrinho António Cabral. Morre, entretanto, sendo substituído por Matias Cabral que é demitido, recaindo a eleição na pessoa do Capitão Custódio Valente (Setembro de 1619), e como seu coadjutor no governo, o Comissário Frei António da Merceana. Aos dois junta-se Pedro Teixeira (Maio de 1620) que acaba por ficar só, no poder, embora Bento Maciel Parente seja um sério candidato220e acabe por ocupar o lugar (18-7-1621).

Em 1623, o Capitão Luís Aranha de Vasconcelos partiu de Lisboa com a fina- lidade de “descobrir e sondar” o Rio das Amazonas pelo Cabo do Norte, “por dizerem que ali podia tirar a sua prata do Potosi com menos gasto”, conforme refere Frei Vicente do Salvador na primeira História do Brasil221.

219Cf. doc. de 31 de Janeiro de 1619, que menciona cartas de Frei António da Merceana e de Frei Cristóvão de São José, A.H.U., Pará – Papéis Avulsos, Cx. 1.

Por lapso, Frei Venâncio Willeke toma Manuel Soares de Almeida como Governador Geral do Brasil, que na época era Luís de Sousa (1617-1621), em substituição de Gaspar de Sousa (1613-1617).

220Não se dão referências pormenorizadas sobre estas figuras governativas, porque essa matéria extrapola o limite do estudo em causa. Veja-se por exemplo, Mário Meireles, História do Maranhão; José Honório Rodrigues, História do Brasil; Pedro Calmon, História do Brasil, entre outros.



Na jornada, toma parte, como capelão, Frei Cristóvão de São José, “o qual era tão respeitado dos índios que em poucos dias de navegação pelo rio acima lhe ajuntou quarenta canoas com mais de mil frecheiros amigos, que de boa vontade seguiram ao capitão, movidos também das muitas dádivas que ele dava aos prin- cipais e a outros”. Segundo Salvador, contemporâneo dos acontecimentos, o mis- sionário contemplava os índios com ferramentas, velório, pentes, espelhos, anzóis “e outras coisas, dizendo que assim lhe mandava El-Rei”222.

Antes, porém, Frei Cristóvão de São José tinha descido o Rio Tocantins, onde procedera à evangelização dos índios, e iniciara o núcleo da Vila Viçosa de Santa Cruz de Camutá, para onde vieram os índios depois de abandonar as suas tabas. Continuando os seus misteres de catequização e de acompanhamento dos solda- dos portugueses na exploração amazónica e estabelecimento da soberania lusa, ajudam na conquista das Fortalezas de Maturu e Gurupá, onde fundaram uma missão223.

Os primeiros anos de actividade do Comissariado de Santo António de Portugal no Maranhão revelaram a participação activa dos missionários na vida política e social das novas colónias, como presença constante nos principais acon- tecimentos.

A sua acção estendeu-se, não apenas ao campo estrito do trabalho evangélico, mas à generalidade das ocorrências que determinavam a fixação e o crescimento dos núcleos urbanos de feição cristã e sob soberania portuguesa. A redução do índio, o acompanhamento dos colonos e soldados, a presença nos órgãos de deci- são política revelam a verdadeira complexidade da “Missão”.

5. A QUESTÃO DA LIBERDADE DO ÍNDIO NOS PRIMEIROS FRANCIS-