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A QUESTÃO DA PRIMAZIA OU A ETERNA PENDÊNCIA JESUÍTICO FRANCISCANA: EXCURSO HISTORIOGRÁFICO

ESTABELECIMENTO E PROGRESSO DA ORDEM FRANCISCANA NO MARANHÃO

3. A QUESTÃO DA PRIMAZIA OU A ETERNA PENDÊNCIA JESUÍTICO FRANCISCANA: EXCURSO HISTORIOGRÁFICO

Há autores que consideram, para o período situado entre 1600 e 1614, a pas- sagem pelo Maranhão do franciscano Frei Francisco do Rosário, da custódia de Santo António de Olinda e que, assim, constituiria o primeiro missionário naquele território. Estão nessa linha Jorge Cardoso no Agiológio Lusitano e António de Santa Maria Jaboatão, Orbe Seráfico Novo Brasílico, reiterando a mesma posição Frei Venâncio Willeke em Missões Franciscanas no Brasil (1500-1975)149.

Este último baseia a sua convicção no facto de Jorge Cardoso ter lidado com o custódio Frei Sebastião do Espírito Santo (1650-1653), recém chegado de Olinda, que lhe teria transmitido directamente esse testemunho. Alerta para o

149Veja-se Jaboatão, Op. cit., I, 2, p. 81 e 83, II, p. 113; Jorge Cardoso, Agiológio Lusitano, Lisboa, III, 1666, p. 508, Frei Venâncio Willeke, Missões Franciscanas no Brasil (1500-1975), Petrópolis, 1974, p. 135.

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facto de a obra de Cardoso ter saído do prelo em 1666, cerca de um século antes de Orbe Seráfico, onde este se teria inspirado, não cabendo ao cronista franciscano a responsabilidade de “criar” um facto histórico com o intuito de valorizar a Ordem dos Menores portugueses.

Por não haver outra base documental, nem o apoio de outras menções, em qualquer crónica ou memória compulsadas, não se considera como um dado adquirido o acompanhamento das primeiras entradas ao Maranhão por Frei Francisco do Rosário, embora se deixe a questão em aberto150.

Das várias relações e memórias que se cotejaram, pertencentes ao antigo car- tório do Convento de Santo António dos Capuchos de Lisboa, nenhuma refere o facto de Frei Francisco do Rosário ter ido ao Maranhão antes de Frei Cristóvão de Lisboa, primeiro custódio capucho daquele Estado, por nomeação de 1622. Os documentos mencionados, na sua quase totalidade inéditos, são como se referiu, o citado Epítome do Descobrimento; Memória do Maranhão desde o seu

Descobrimento. Acção dos Religiosos Capuchos de Santo António desde 1614 a 1701;

a Relação Sumária do que Obrou a Província de Santo António por seus Filhos em

ambas as Majestades; a Relação Sumária do Descobrimento do Maranhão e Entrada que nele Fizeram os Religiosos da Província de Santo António; a Memória Acerca dos Primórdios das Missões do Grão-Pará e Maranhão e Religiosos que nelas se distin- guiram151.

Em nenhuma destas narrativas, que tratam da instalação dos Capuchos de Santo António em território maranhense, se faz alusão a Frei Francisco do Rosário como precursor dos seus confrades. Considera-se, portanto, como ponto de partida, a permanência de Frei Cosme de São Damião e Frei Manuel da Piedade, que acompanhavam Jerónimo de Albuquerque na expedição contra os franceses, em 1614, a primeira etapa de Franciscanos portugueses no Maranhão, a que se seguiu a criação do Comissariado da Província de Santo António de Portugal naquele território.

150Mais consensual é o facto de Frei Francisco do Rosário aí ter estado no tempo de Frei Cristóvão de Lisboa, enquanto este ocupou o cargo de primeiro custódio do Maranhão e Grão-Pará. Jaboatão e Berredo asseguram este facto.

Frei Francisco do Rosário nasceu no Porto em 1567, onde se tornou tabelião, tendo ido para Olinda, e aí tomou o hábito de franciscano a 1 de Maio de 1592.

Bom conhecedor do latim, aprendeu a língua geral do Brasil, de que deixou escrito Ritos, Costumes, Trajes e Povoações dos Brasis e Catecismo para o Gentio do Brasil, este no idioma brasílico. O autor de Pequenos na Terra, Grandes no Céu diz, a propósito dos seus escritos: «de cujos ritos, costumes e trajes fez um livro em vulgar, de que se aproveitaram os Holandeses quando tomaram Pernambuco, e um catecismo na língua brasílica».

Do Convento de Olinda, aonde regressara, depois de ter ido ao Maranhão, passou ao Convento da Baía, onde faleceu a 24 de Fevereiro de 1650. Cf. Willeke, Op. cit., pp. 57-60 e Salvatori Zavarella, Francescani nel Nuovo Mondo, Storia della Missionarità Francescana in America Latina, Sulmona, 1991, p. 259.

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Com o desenrolar do tempo, por razões que se confinavam à grande questão do índio, e à sua tutela espiritual e temporal, os Franciscanos da Província Capucha de Santo António e a Companhia de Jesus vão desenvolver uma acesa querela com a pretensão de provarem a primazia de uma ordem sobre a outra, sobretudo quando se deu a repartição das missões entre os vários institutos reli- giosos.Com base na «antiguidade» dos Jesuítas, no diploma régio de 19 de Março de 1693 que demarcava o território, era atribuída aos inacianos a parte mais requisitada, uma vez que todas as ordens missionárias preferiam as regiões adja- centes ao Rio Amazonas, em detrimento das regiões periféricas e de fronteira, como era o caso do Cabo do Norte.

“Aos Padres da Companhia assinala por distrito tudo o que fica para o Sul do Rio das Amazonas, terminando pela margem do mesmo rio, e sem limitação para o interior dos sertões, por ser a parte principal e de maiores consequências do Estado, com a razão de serem os mais antigos nele, e da grande atenção que merecem as suas muitas virtudes”152.

O alegado motivo da entrega aos Jesuítas da margem direita do Amazonas e sertões adjacentes, “por serem os mais antigos nele”, levou os Franciscanos Capuchos a levantar uma acção, junto ao Ouvidor, que provasse judicialmente quais tinham sido os primeiros missionários que tinham entrado no Estado do Maranhão e Grão-Pará. Ouvidos os prelados das várias religiões sobre a matéria, o Superior da Companhia, Padre António Coelho, não deu qualquer resposta, com a fundamentação de que tal assunto “não punha nem tirava” e que só no caso de prejuízo da Companhia romperia o silêncio.

Serafim Leite, em comentário a esta questão, refere em nota de rodapé na sua

História da Companhia de Jesus no Brasil:

“O Barão de Studart fez porém longamente o que o Padre não quiz fazer (Datas e Factos, I, 24-25). No tempo em que isso se discutia, Ibiapaba fazia parte do Estado do Maranhão e Grão-Pará. E à Serra de Ibiapaba tinham che- gado em 1607 os Padres Pinto e Luís Figueira. A resposta seria outra, se se tratasse das cidades de S. Luís ou de Belém, ou se se quisesse ter em conta religiosos não pertencentes à Coroa de Portugal, isto é, ao Brasil”153.

Serafim Leite

152B.P.A.D.E., Cód. CVX/2-18, ff. 178 ss, Op. cit.

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Esta asserção do historiador jesuíta levanta duas questões, para além de remeter para o Barão de Studart o veredicto sobre o assunto, sem veicular a pró- pria opinião. A primeira interrogação que se pode formular confina-se ao facto de se considerar a época em que a pendência decorria e não o tempo histórico em que os acontecimentos tiveram lugar. Serafim Leite afirma, claramente, “no tempo em que isso se discutia” e não aquele em que ocorreu. De facto, nessa altura, o Ceará, onde se situa a mencionada Serra de Ibiapaba, fazia parte do Estado do Maranhão e Grão-Pará. E, como comprovam as crónicas, os Padres da Companhia Francisco Pinto e Luís Figueira chegaram a Ibiapaba cerca de 1607. A primeira questão que ocorre é a de saber se em 1607 o Ceará fazia parte do Brasil ou do Maranhão, e como era este considerado em termos administrativos e políticos.

O segundo aspecto do caso em análise é pincelado pelo próprio historiador, quando deixa em aberto a possibilidade de não ser a resposta de Studart – favo- rável aos Jesuítas –, tão exacta, se se considerassem as cidades de São Luís ou de Belém, núcleos do Estado maranhense, ou ainda, se se considerasse a entrada de padres “não pertencentes à Coroa de Portugal, isto é, ao Brasil”. Decorrem daqui duas situações concretas: a primeira é considerar Belém e São Luís intrínseca e inegavelmente como parte do Estado do Maranhão, e a segunda é excluir à par- tida os missionários que estavam subordinados a Portugal, como era o caso dos

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Franciscanos. Esta última parte da citação de Leite suscita, ainda, maior confusão: a que religiosos quer o autor reportar-se, quando afirma que “a resposta seria outra se se quisesse ter em conta religiosos não pertencentes à Coroa de Portugal, isto é ao Brasil”? Não se refere aos Capuchinhos Franceses, porque afirma serem do Brasil. Não considera, neste caso, o Padre Pinto ou Figueira na primazia em São Luís e em Belém, porque tal não ocorreu. Tome-se em conta, também, que os Capuchos Frei Cosme de São Damião e Frei Manuel da Piedade, que foram na expedição de Jerónimo de Albuquerque em 1614, eram da Custódia de Olinda, ainda sujeita à Província de Santo António de Portugal, e, portanto, pertencentes à Coroa Portuguesa.

Das várias interrogações apontadas fica claro que considerar a Serra de Ibiapaba no Maranhão em 1605/6 é contornar os dados históricos. O Ceará foi integrado no Estado do Maranhão quando este foi criado em 13.06.1621, fazendo até aí, parte do Brasil, sem diferença de qualquer outra capitania. Só depois da separação dos dois estados se pode considerar o Ceará como território do Maranhão. O próprio autor da Crónica da Companhia de Jesus no Maranhão, Jacinto de Carvalho, ao descrever as várias fases da jornada dos Padres Francisco Pinto e Luís Figueira, menciona o seu intento de chegarem ao Maranhão, depois de demandarem a Serra de Ibiapaba. Tendo partido de Pernambuco no ano de 1605, passaram o Rio Ceará-Mirim e daí atravessaram o sertão, em direcção a Ibiapaba, que alcançaram depois de «duzentos e cinco dias de caminho por estes campos, e passado mais de um ano que partiram de Pernambuco chegaram à Serra de Ibiapaba”154.

Segundo este depoimento, os dois padres inacianos teriam, portanto, chegado a Ibiapaba, serra de que o cronista diz servir de divisão entre as capitanias do Maranhão e de Pernambuco, e aí se mantiveram até Janeiro de 1608, altura em que foi martirizado o Padre Francisco Pinto. O cronista afirma, em determinado passo, que os padres não podiam permanecer entre os índios de Ibiapaba, devido à “ordem que levavam de passarem até ao Maranhão, que eles chamavam Tapucuru”, acrescentando que no caminho, “onde haviam de passar para o Maranhão”, havia índios da nação tapuia.

Acrescenta Jacinto de Carvalho que depois do regresso do Padre Luís Figueira, retirado para o Ceará, sem prosseguir viagem, “vendo o governador do Brasil frustrados os intentos do descobrimento do Maranhão com a morte do Padre Francisco”, enviou Martim Soares ao Ceará para levantar uma fortificação e dar início a relações de amizade com os índios.

Parece notório que para o próprio autor da crónica e os protagonistas da via- gem, o Maranhão era um objectivo a alcançar, que não se concretizou com a che- gada a Ibiapaba, tendo sido gorada a tentativa de o “descobrir” pelos padres

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Francisco Pinto e Luís Figueira. Determinado, contudo, em corroborar a prima- zia inaciana nas terras maranhenses, dedica um capítulo à conquista do Maranhão por Jerónimo de Albuquerque e, sem fazer qualquer referência aos fra- des Capuchos que o acompanharam na jornada como capelães, ao tempo em que lá permaneceram e à passagem de testemunho dos Franciscanos Capuchinhos para eles, alude à presença de Manuel Gomes e Diogo Nunes como “os primeiros padres que entraram no Maranhão”.

Segundo o cronista, Alexandre de Moura pediu ao Provincial dos Jesuítas dois padres que o acompanhassem na jornada ao Maranhão, em 1615, onde, um ano antes se dera a Batalha de Guaxenduba, em que saíram vitoriosos os portu- gueses sob o comando de Jerónimo de Albuquerque. É no seguimento desta ida de Moura que o acompanham Manuel Gomes e Diogo Nunes, a quem os Capuchos, Cosme e Piedade, precederam, e cuja participação na batalha contra os franceses é inequívoca:

“Tomou Alexandre de Moura posse do forte e da terra, rendendo as gra- ças aos padres pelo que tinham obrado com os índios, confessando que a eles se devia a principal parte deste bom sucesso, e assim a jurarem a sua certidão, e é sem dúvida que se os padres não reduzissem os tupinambá, senhores da ilha, nunca Jerónimo de Albuquerque chegaria a sitiar por terra o forte e reparos dos franceses”155.

Jacinto de Carvalho O autor faz recair em Manuel Gomes e Diogo Nunes a responsabilidade da condução dos índios a favor dos portugueses, como se tivesse sido nessa altura o confronto bélico com os estrangeiros que, então, guardavam em São Luís os res- tos de uma “França Equinocial”, rechaçada um ano antes. Com a retirada dos franceses e a passagem de São Luís para a total posse da Coroa lusa, Jerónimo de Albuquerque foi empossado como capitão-mor do Maranhão, regressando Alexandre de Moura a Pernambuco, onde chegou a 15 de Março de 1616. Antes de partir, diz o citado autor, que entregou aos padres da Companhia “as casas e a igreja que os franceses tinham edificado para os religiosos Capuchinhos”. A omis- são da presença dos frades Franciscanos é total, fazendo supor que aos religiosos franceses se seguiram, de imediato, os jesuítas idos de Pernambuco, a quem se entregou directamente o conventinho.

Posição diferente teve Frei Agostinho de Santa Maria em 1722, ao publicar o

Santuário Mariano (cujo Tomo IX é dedicado totalmente ao Brasil: “História das

Imagens Milagrosas de Nossa Senhora e Milagrosamente Manifestadas e

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Aparecidas em o Brasil”). Nessa obra, o autor afirma que, no ano de 1614, tinham ido para o Maranhão os dois frades Franciscanos, “os quais ainda que não funda- ram convento, não faltaram a seu virtuoso ministério”156.

Do mesmo modo Frei Apolinário da Conceição no Claustro Franciscano, de 1740, quando trata da fundação dos conventos de São Luís e de Belém, depois de mencionar a instalação dos Capuchos idos de Pernambuco (“expulsar os estran- geiros do Maranhão”) no hospício dos Capuchinhos, cita:

“E fizeram (Frei Cosme e Frei Manuel da Piedade) desistência do pri- meiro sítio a Francisco Mendes Roma, como se vê do despacho do governa- dor Alexandre de Moura, passado no Forte de São Filipe aos 10 de Dezembro do ano de 1615, o que consta dos papeis que se acham no arquivo do dito convento e, agora, seus fieis traslados passados por Índia e Mina no Conselho Ultramarino”157.

Frei Apolinário da Conceição Importa reter que estas publicações saíram a público em datas muito próxi- mas, pressupondo-se o seu conhecimento entre os vários autores que escreviam sobre as mesmas matérias, o que torna a polémica mais interessante, se se anali- sar sob o ponto de vista da sua filiação ideológica (ou de um certo proselitismo clerical, “avant la letre”). O assunto passou a ter duas dimensões de análise: a pri- meira, a sua ocorrência como facto histórico e não um mero preciosismo de retó- rica ou questão de pormenor “que não tira nem põe”; a segunda, a profusão de edições com comentários ao assunto, e que tinham efeito na historiografia conse- quente, já para não aludir às várias demandas, autos e certidões justificativas, que constituem por si só matéria de análise, como se verá.

Logo, em 1761, António de Santa Maria Jaboatão, autor do Orbe Seráfico

Novo Brasílico, a crónica dos Menoristas no Brasil, manifesta o seu desacordo face

ao conteúdo de uma biografia do Padre António Vieira, recentemente publicada, em que o seu autor atesta que a vitória das forças lusas sobre os franceses se ficou a dever à acção dos Jesuítas que exortavam os índios em favor das armas de Portugal:

“Quando já tínhamos completas e assentadas estas duas estâncias, e tudo o que nelas fica exposto, nos veio à mão um livro ou história da vida do

156Frei Agostinho de Santa Maria, Santuário Mariano, T. IX, 1722, p. 363. Ver Anexo Documental, doc. 32.

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grande Padre António Vieira, no qual falando o seu douto autor, da conquista do Maranhão, escreve, que na armada do ano de 1615, em que mandou de Pernambuco, onde se achava, o Governador do Estado, Gaspar de Sousa, a Alexandre de Moura, em socorro de Jerónimo de Albuquerque, para concluir a conquista, a que este capitão havia dado princípio contra os franceses, foram nela dois Padres da Sagrada Companhia, e que para se renderem os franceses da Ilha de São Luís e fazerem entrega dela, não houve mister mais combate, nem assalto que mandar o capitão a terra aos dois padres, sendo estes os primeiros portugueses que na ilha saltaram”158.

António de Santa Maria Jaboatão

O cronista franciscano refere-se à obra de André de Barros intitulada Vida do

Apostólico Padre Vieira da Companhia de Jesus, Chamado por Antonomásia, o Grande, editada em Lisboa em 1746. O autor critica ainda o biógrafo de Vieira

por atribuir a vitória e a primazia da empresa aos Jesuítas e que tal notícia «a dava por oportuna, e não escrita em nossas histórias».

Jaboatão deixa ao “juízo e discurso do experimentado e discreto leitor” a apreciação dos acontecimentos, não sem deixar de demonstrar que a primazia na ida a São Luís cabia aos Capuchos Frei Cosme de São Damião e Frei Manuel da Piedade.

Existe na Biblioteca Nacional de Lisboa um manuscrito, sob a forma de códice, escrito, segundo indicação aposta a lápis, em 1750, que se intitula

Apontamentos para a História da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão,

cujo autor – anónimo –, dedica o Capítulo XVII ao apaixonante tema da prima- zia das Ordens Regulares nas plagas maranhenses. Intitula-se: “Reflexão cronoló- gica em que se dá notícia do tempo em que a Companhia e as mais sagradas reli- giões entraram no Estado do Maranhão”159.

Segundo o cronista, aquela reflexão surgia na sequência de um libelo que se encontrava no cartório do Colégio do Pará, no qual o “Mui Reverendo Padre Frei Jerónimo de N.” (supõe-se que seja Frei Jerónimo de São Francisco, autor da mencionada demanda judicial), Comissário da Província Reformada de Santo António, pretendia justificar perante o Desembargador Ouvidor Geral do Pará, terem sido os Capuchos os primeiros religiosos entrados no Estado e aí terem desenvolvido as primeiras missões.

158Jaboatão, Op. cit., p. 132. 159B.N., Cod. 4516, pp. 52-56.

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Este códice tem a dúplice vantagem de ser um original não editado e, por- tanto, com as próprias emendas, acrescentos, entrelinhas e riscados do seu autor, o que permite uma peculiar forma de análise: observar como o seu criador pre- tendia que fosse a última versão, e acompanhar as várias etapas construtivas do discurso e o cuidado na escolha das expressões e dos comentários. É talvez mais importante avaliar esta obra pelo outro lado do espelho, o lado do suprimido e do acrescentado, para se ficar por dentro do espírito que norteava o seu autor, numa espécie de forma discursiva dirigida. Apesar da extensão do comentário, impõe-se trasladar algumas partes dessa crónica manuscrita, em que se mostram os entrelinhados e os passos apostos, ou ao longo do texto, ou à sua margem:

“Mas como o Ouvidor mandou que justificasse, citados primeiro os pre- lados das mais religiões, com esta ocasião foi vista do tal libelo ao Padre António Coelho da Companhia de Jesus, que então era superior de toda a missão, e respondeu (riscado: com estas formais palavras // Não obstante //

não vendo que esta questão), que vendo por uma parte que esta questão não

tira, nem põe coisa alguma nos Padres da Companhia(…)”160

O cronista mencionado alude, então, que o Superior da Companhia achava que aqueles litígios e provas lhe tiravam o tempo para coisas de maior importân- cia e, como tal, não respondia à questão, a não ser que a demanda prejudicasse a Companhia, e aí não só responderia, como de forma “potente”, provaria serem os Jesuítas «os primeiros missionários do Estado do Maranhão”. Depois de reiterar que aquelas eram as palavras ipsis verbis do Padre António Coelho e que o pro-