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O COMISSARIADO DA PROVÍNCIA DE SANTO ANTÓNIO DE PORTUGAL NO MARANHÃO E PARÁ

1. DE SÃO LUÍS A BELÉM: A JORNADA AUSPICIOSA

“Governador amigo: Eu El Rei vos envio muito saudar. De Francisco Caldeira de Castelo Branco que enviaste com socorro à conquista do Maranhão e dela o mandou por vossa ordem, Alexandre de Moura a desco- brir o Rio Pará.

Recebi carta de doze de Abril deste ano, em que me dá conta ter chegado a ele, a salvamento, os três navios com que partiu, em dezoito dias, e com a armada entrar pelo primeiro braço que aquele rio faz, e navegando por ele trinta léguas, escolheu um sítio forte por natureza, onde edificou uma forta- leza”179.

D. Filipe II

Após a retirada dos franceses de São Luís do Maranhão, em 1615, a Coroa portuguesa iniciou o processo de penetração territorial, com o intuito de expan- dir e fixar a sua soberania. É nesse sentido que Alexandre de Moura encarrega Francisco Caldeira de Castelo Branco, antigo capitão-mor do Rio Grande do Norte (1612-1614), de dar prossecução à jornada do Grão-Pará e Rio das Amazonas, a fim de expulsar dele os estrangeiros que por lá permanecessem, uma

179“Carta a D. Luís de Sousa, Governador do Brasil”, pub. in Anais do Museu Paulista, T. III, São Paulo, 1927, p. 10.

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vez que o rio pertencia à “demarcação de Castela”180.

Para a expedição, que contava com cento e cinquenta homens divididos em três embarcações, “Santa Maria de Candelária, Santa Maria da Graça” e “Assunção”, elegeu-se para piloto-mor da esquadra, António Vicente Cochado, que já participara com Alexandre de Moura na tomada do Maranhão, em 1615.

Munido de um regimento, passado a 22 de Dezembro de 1615, que estabele- cia as regras normativas da sua actuação, nomeadamente no reconhecimento da costa, no entendimento com os índios, na escolha de um local “acomodado para fortificar-se”, no controle dos estrangeiros e na observação das monções, entre outros aspectos, Francisco Caldeira Castelo Branco deu início à jornada.

O regimento do capitão-mor era claro no que respeitava ao estabelecimento de relações pacíficas com os índios do Pará, única forma de se viabilizar a empresa de fixação no local: “Chegando ao Cumã procure ter fala daquele gentio e reduzi-lo com facilidade à nossa devoção (...) com a cautela devida, e necessá- ria, para que por este caminho venha a conseguir o fim do que se pretende”181.

Determinava o mesmo instrumento que, depois de escolhido um sítio propí- cio à fundação de um forte, onde se alojariam os expedicionários, o capitão tra- taria de “reduzir a nós toda a gente circunvizinha”, da melhor forma possível, para o que levava dádivas.

A 25 de Dezembro de 1615, Francisco Caldeira dava início àquela que have- ria de ser a primeira página do livro da entrada no grande rio-mar e subsequente movimento de expansão, conquista e fixação na Amazónia, pelos luso-brasi- leiros182.

André Pereira escreve, então, à boca do acontecimento, o relato da expedição, exarando assim, em 1616, o testemunho directo da viagem na Relação do que Há

no Grande Rio das Amazonas Novamente Descoberto, num estilo próprio dos rela-

tos que vieram a constituir o sub-género literário da “literatura de viagens”. Na narrativa faz-se a descrição dos lugares, dos homens, das qualidades da terra, da fauna e da flora, das potencialidades extractivas, do possível comércio, da segu- rança. É assim que o seu autor menciona que, naquele tempo, o rio “trazia mui furiosa corrente por ser inverno”; que os gentios daquelas partes “com boa von- tade aceitavam nossa amizade”; que as terras mostravam ser “fertilíssimas de madeira e na bondade delas, cheias todas as ilhas de muita caça; que nas serras

180Cf. “Auto que Mandou Fazer o Capitão-Mor Alexandre de Moura sobre Alguns Capítulos de seu Regimento a que Devia Dar Cumprimento”, pub. in A.B.N.R.J., 1905, Vol. 26, pp. 238-239.

181“Regimento que Alexandre de Moura Deu a Francisco Caldeira de Castelo Branco, 22 de Dezembro de 1615”, pub. in A.B.N.R.J., 1905, Rio de Janeiro, pp. 239-242.

182Para mais detalhes ver, Manuel Barata, A Jornada de Francisco Caldeira Castelo Branco-Fundação da Cidade de Belém, Belém, 1916; Augusto Meira Filho, Evolução Histórica de Belém do Grão-Pará-Fundação e História, Belém, 1976; Ernesto Cruz, História do Pará, I Vol., Belém, s/d.

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que ali vão dar, do Perú, há ouro nelas e mais metais”; que no rio há pérolas e outras riquezas:

“O rio parece capaz para mui grandes coisas por ser da largura que digo. As terras mui fertilíssi- mas com muita diversidade de madeiras como as do Brasil e mais avantajadas por serem árvores notavelmente grandes, entre as quais há um pau a que o gentio chama cuatira, mui lindamente dibuxado e gracioso à vista”183.

O Capitão André Pereira descreve também os produtos que os índios vendiam aos Holandeses, como era o

algodão, a tinta de oroco (“que é como um grão”), pita, o pau cuatiara, o tabaco e peles de castor. Informa, por outro lado, que o piloto António Vicente Cochado preparava um roteiro, em que dava conhecimento das condições do rio, com suas entradas, saídas e fundos, para informar em que condições as armadas poderiam manobrar.

Este documento de André Pereira, enferma inequivocamente das caracterís- ticas dos vários relatos da época, vertidos do espírito do século anterior, em que se procurava publicitar a nova terra descoberta, com suas potencialidades físicas, humanas e mercantis. Torna-se interessante verificar como, no presente caso, se compara o território ao Brasil, e não ao Reino, numa clara percepção de que aquele espaço era distinto, quase um novo mundo, visto do ponto de vista bra- sílico.

Assim, “correndo sempre a costa e dando fundo todas as noites, tomando as conhecenças da terra e sondando sempre”, Francisco Castelo Branco e seus homens fundearam na praia aos 12 de Janeiro de 1616.

“Entrando pelo Rio do Pará acima trinta léguas desta parte do Sul, deu princípio a uma povoação com fortaleza de madeira, e outros reparos mais que julgou bastantes para se defender do gentio. Eram os principais destes os

183“Relação do que Há no Grande Rio das Amazonas Novamente Descoberto”, pub. in Anais da Biblioteca e Arquivo Público da Pará, T. 1, 1968, pp. 5-8.

16. Detalhe da Igreja de São Francisco de Assis, Ouro Preto.

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Tupinambás, menos bárbaros e mui guerreiros, e assim não deram nestes princípios muito em que cuidar aos novos fundadores”184.

António de Santa Maria Jaboatão

À fortificação que imediatamente levantaram deram o nome de “Forte do Presépio”, numa clara menção ao dia da partida de São Luís; ao núcleo popula- cional que organizaram puseram o título de Nossa Senhora de Belém. À região circundante, numa espécie de bom augúrio para os intentos luso-brasileiros, baptizaram de “Feliz Lusitânia”. Mesmo debaixo dos auspícios do trono caste- lhano, Portugal revia-se no novo espaço “descoberto”.

2. ANTECEDENTES DA INSTALAÇÃO DO COMISSARIADO (1615-1617)