• Nenhum resultado encontrado

Este carácter não é, obviamente, uma propriedade intrínseca aos factos sociais, como o debate ideológico fo

mostrando, mas uma relação prática do sujeito com o mundo

social, relação essa que deve ser significativa (positiva ou

negativamente) para que o facto seja observado

25

. A partir do

classificação, donde classe, espécie"; c) - "ideia, isto é, forma ideal concebível pelo pensamento e de que cada objecto material é a reprodução imperfeita" (Cf. BAILLY: Dictionnaire Grec-

FrançaisParis, Librairie Hachette, 1951: entrada tosa, p. 956). A

tradição filosófica do termo consagrou igualmente um ideal de visão interior, a contemplação, mediante a qual se procurava induzir uma prática de vida que se libertasse das aparências, isto é, dos aspectos subjectivos da visão sensível. A visão interior torna-se então observância. A contemplação da verdade essencialista, como caminho do Bem que faz parte de toda a tradição filosófica ocidental e que integra a mundividência cristã segundo uma apetência interior ao espírito que se prolonga pelo cartesianismo (regra da evidência) perde credibilidade cognoscitiva à medida que é minada pelo empirismo, onde, contudo, as aparências têm que ser distinguidas dos

verdadeiros factos: a experimentação desempenha, então, a

mesma função purificadora que a contemplação.

25 É útil ter em atenção a etimologia de observar. Derivado do latim {observo), e, tendo por base o que sobre o termo regista o Dicionário de Latim/Português de A Gomes Ferreira (Porto Editora), a sua significação é escalonada segundo quatro níveis semânticos, cuja organização reflecte a hipótese de que o termo sofreu um percurso temporal que foi determinando a sua diferenciação semântica a partir duma indiferenciação inicial, onde a acção compreendia, simultaneamente, um sentido físico e moral, por um lado, e, por outro, u m a atitude auto e hétero- centrada. Assim, segundo a obra já referida, o verbo observo abarca as quatro seguintes séries de significados: 1 - "prestar a

momento em que essa relação significativa com o mundo social, que determina a observabilidade dos factos e, portanto, as disposições do sujeito, deixa de poder ser referida à razão, como instância imanente à natureza h u m a n a - o liberalismo do século XIX é ainda muito tributário de KANT, mesmo que absorva, no plano dos meios educativos, contributos do empirismo inglês, por exemplo de Spencer (DUBOIS, 1994:350), a questão prática que se põe no que respeita ao fundamento da necessidade e

atenção sobre, observar (sent, físico e moral), não perder de vista, espiar / / nimium ipse sese observares, Cícero, sendo muito severo (pela própria observação) para consigo próprio. 2 - guardar, vigiar; 3 - observar, conformar-se a, obedecer, cumprir, executar / / imperium observare, Salústio: observar as ordens; 4 - Ter respeito ou atenção a alguém, respeitar, considerar". Notemos, entretanto que observo deriva de servo (que significa, no essencial, etimologicamente falando, o mesmo que observo) sendo que o que perdurou n a s línguas derivadas, como a nossa, não foi a versão simples, mas a composta de ob. Ora, tal pormenor não deve ser negligenciado se se pretende compreender o percurso semântico do termo e a sua relevância moral e social e finalmente, epistémica. É que o prefixo ob, significando diante de, em face de, contra (com ideia de hostilidade: [FERREIRA, Ib]), é determinante para qualificar a relação de observação do sujeito. O que observo é o que está diante de mim, m a s porque está, ao mesmo tempo, contra mim. Pelo que eu não observo não importa que facto, m a s aquele que está marcado socialmente como devendo ser observado, sob pena de ficar exposto aos efeitos da sua não observação. O seu significado é, portanto, prioritariamente negativo no sentido de que ele age segundo a lógica da conformidade, da obediência a normas, do respeito .É por esta via que observação se identifica com disciplina com as diferentes conotações que foi adquirindo no âmbito da vida escolar.

orientação da Escola, como serviço público, é a da produção de uma argumentação que se torne incontroversa, ou seja, a produção de um referente de observabilidade que condicione subjectivamente o observador (do ponto de vista do sujeito social) a observar o mesmo. É esta condição de observabilidade que gera a objectividade e, portanto, a força da argumentação. Quando se argumenta pelos factos, elide-se (ilude-se?) o facto de que o facto pelo qual se argumenta representa uma selecção tornada possível mediante as condições de observabilidade que constituem o sistema de reconhecimento do sujeito observador. É isso que torna os factos tão controversos, quando os sistemas de reconhecimento - se quisermos- as teorias que condicionam a selecção, ou os referentes de observabilidade - são divergentes.

Ora, é precisamente por isso que o método experimental, mais que um método, é uma teoria de credibilização dos factos, enquanto representa as condições de selecção de u n s factos que não de outros: a necessidade, a regularidade, a controlabilidade, por exemplo, ao erigirem-se em critérios de cientificidade dos factos no campo social, não determinam, apenas a natureza do objecto a observar; determinam também as condições de observação do sujeito que não as pode pôr em causa sob pena de condenação à dúvida perpétua. Ê por isso que estas condições representam condições transcendentais de inteligibilidade que, no registo da teoria factológica, se inscrevem na consciência socio-cognitiva como uma exigência prática de alcance universal, muito embora essa exigência possa apenas ter sentido, na fase da sua formulação e do seu desenvolvimento, no interior da prática do investigador que, evidentemente, não é um sujeito isolado do mundo social, mas um intérprete qualificado da comunidade de interesses a que é sensível26.

relação que se estabelece entre o modo de produção do mundo científico, segundo o paradigma a que se vincula, e os pi cssupostos/efeitos a que se reportam os seus princípios no

mundo objectivo. Destacam para isso quatro corolários que é de

todo pertinente invocar aqui: "o primeiro é que, já que os paradigmas estruturam as observações de maneiras particulares, tais observações se realizam sempre à luz dos conceitos e teorias que o paradigma proposto engloba. Numa palavra, as observações estão em função da teoria em virtude da qual foram levadas a cabo. (...). Em segundo lugar, se, como sugere KHUN, a mudança de um paradigma para outro é, antes, uma questão de "conversão", então reflecte a adopção de novos valores e crenças, mais do que qualquer outra coisa e, portanto, não há lugar para demonstrar a superioridade de um paradigma sobre outro. O saber e a experiência, longe de conferirem u m a base racional para aderir a um modo particular de interpretar a "realidade", são, por sua vez, uma projecção da adesão prévia. E precisamente porque não há critérios neutrais para decidir se um paradigma oferece melhor meio que outro para produzir um saber válido, estes são 'incomensuráveis', segundo a expressão de KHUN. 'A escolha entre paradigmas - diz KHUN - é uma escolha entre modos incompatíveis de vida na comunidade. Não há norma mais alta do que o assentimento da comunidade em questão'.(...) Um terceiro aspecto da argumentação de KHUN consiste em chamar a atenção para o facto de que a investigação é u m a actividade que tem lugar dentro de determinadas comunidades sociais e que a maneira como estas se organizam tem u m a significação crucial quanto à produção de conhecimentos. (...) Por último, os paradigmas estão informados por todo um complexo de crenças, valores e pressupostos prévios. Estes nunca se explicitam n a s teorias produzidas pela investigação, mas estão presentes, apesar

A cultura escolar centralizada, modelada segundo o modo de instruir, visa criar as condições gerais de observabilidade dos factos de modo a suscitar a homogeneidade do olhar social, para o que se torna indispensável homogeneizar a experiência escolar face à qual seja possível reconhecer e estabelecer as diferenças. Trata-se evidentemente dum desígnio cuja prossecução implicará a sobredeterminação dos comportamentos (objecto de observação) sobre as intenções e os significados, sendo por aí que é possível compreender a leitura weberiana da racionalização do mundo moderno, na medida em que ela admite e pressupõe que estes últimos são reinvestidos e mobilizáveis à medida que são reinterpretáveis nos comportamento sociais, sendo por isso desalojáveis e alienáveis do mundo até então ancorado da consciência ontológica, que, ilaqueada por esses processos de transacção, objectiváveis em sucessivos programas de reificação, testemunhará o fim do encantamento do sujeito humano.

Todavia, este diagnóstico, que aqui se antecipa, é precisamente o que visam evitar aqueles que protagonizam a luta institucional por um modelo de ciência que defina os limites dum saber legítimo em educação. Na verdade, se se assiste ao desenvolvimento duma pugna em que são visíveis dois movimentos, um que se empenha na racionalização científica dos

disso; estruturam as percepções dos investigadores e configuram as s u a s teorizações subsequentes. Intervêm nas decisões sobre assuntos tais como o que é que constitui um problema de investigação, que tipo de conhecimento se julga adequado para o solucionar e como se adquire tal conhecimento. Neste sentido, as teorias estão sempre flÇ^§fíg'8^ífeSeB5S!#Spefq8§aspgoítfi§§ s ^ t o ? $asgy>gg^nidade

factos, outro, que se lhe opõe, denunciando o perigo da materialização do ensino e da educação, tanto um como outro visam a defesa duma verdade que não seja apenas sistémica, mas constitutiva da própria natureza das coisas. É assim que tanto o racionalismo de raiz espiritualista, como o de inspiração positivista pugnam por uma educação que se oriente por valores de transcendência moral, não obstante a distinta filiação filosófica dos mecanismos da sua dedução. LETHIERRY (1994: 339) informa-nos que "o director do ensino primário, aquando das leis laicas de 1881 e 1882, é protestante e MARION, que escreve também no Dicionário Pedagógico, é católico". Acrescentaremos, entretanto, que o Dicionário é da coordenação de BUISSON, também ele protestante e que todos eles trabalharam sob a orientação de J. FERRY, em quem era conhecido o fervor positivista (LETHIERRY, Ib. e AVANZINI,

1978: 70).

Que pensar desta convergência na acção? Que, evidentemente, os respectivos sistemas ideológicos comungam (nesta fase decisiva de reorientação política da França, em que a Reforma do Ensino representa uma peça central) duma mesma preocupação, qual é a da reunificação do sistema moral do país, profundamente abalado ao longo do século, como se tornou visível na trágica experiência da Comuna. São a esse propósito elucidativas as palavras de FERRY (in LETHIERRY, I.e.: 338):

"Nós pensamos que a reforma social deve começar moderadamente pelo código e vigorosamente pela moralização das massas. [...] Para que os operários da cidade e do campo sejam libertos do jogo económico que pesa sobre eles, é necessário que sejam libertados das s u a s paixões e dos seus instintos, dos seus vícios e da sua preguiça. No dia em que os operários sejam instruídos, enérgicos, mestres de si mesmos,

sóbrios e verdadeiramente humanos, as questões sociais serão resolvidas".

"No que respeita tanto aos adultos, como às crianças, eu entendo simplesmente como boa esta antiga moral que recebemos dos nossos pais e mães e que nos honramos de seguir nas relações da vida, sem passar pelas dificuldades de lhes discutir as bases filosóficas".

É nesta perspectiva que a acção política se orienta, conjunturalmente, por um sentido pragmático-administrativo, onde a orientação factológica se combina com uma moral metafísica que concebe ainda a razão como ilustração, a partir da qual se tem como legítimo o processo de impregnação moral do país. Outro sentido não tem a "vigorosa moralização das massas". 'O registo de consenso, que a partilha de preocupações torna possível, foi largamente trabalhado em torno da construção do conceito de laicidade que é exemplar do ponto de vista do processo de desconstrução/construção de crenças, como suporte da relação teoria/prática A questão central que havia para resolver era a de se saber se a instrução nacional, ao definir-se em torno dum ideal de cidadão, "verdadeiramente humano", deveria incluir a moral confessional ou, se, pela negativa, deveria orientar-se por uma moral independente e, neste caso, em que consistia esta e quem a definiria.

O problema só faz sentido quando a consciência nacional se percebe como diferente da consciência religiosa, o que, hoje, parece uma questão demasiado simples para a relevância que teve à época. E, todavia, o que estava em causa era decidir se a instrução se orientava para a formação do cidadão, entidade reabilitadora da unidade nacional, ou para a formação dum ser humano particular, problema que, evidentemente é de natureza política, mas que oculta outra questão mais funda que se prende

directamente com o referente da observabilidade acima discutido, enquanto ele é condição de organização do mundo cuja unidade se rompeu: onde está a totalidade concreta do sujeito da educação: no potencial cidadão ou no ser humano particular? Poderemos responder como HEGE1 que a totalidade concreta é um processo, mas persiste a questão de saber o que anima e dá sentido a esse processo, a partir do momento em que o destino humano e o destino divino se cindiram em destinos diferentes.

Para os republicanos no poder, alinhados pelo positivismo, era a consolidação do Estado; para o pensamento racionalista, de pendor espiritualista, era o desenvolvimento das faculdades intelectuais; para os representantes do poder religioso, era o culto das crenças tradicionais e, no caso maioritário dos católicos, o catecismo. Os factos a observar serão diferentes conforme difiram as perspectivas e de igual modo variarão as observâncias (isto é, a relação socio-moral que com eles seja estabelecida). Reconhece-se de quanta valia se revestiria, nesta conjuntura, uma solução científica, de tipo experimental, que pudesse dirimir a questão na base do reconhecimento objectivo dos factos. A questão, porém, acabou por ser, provisoriamente, resolvida não pela intervenção da ciência27, mas pela urgência da

moral, isto é, pela pressão dos factos sociais, não tematizada cientificamente (ainda) como tal, mas dulcificada retoricamente "como esta boa antiga moral que recebemos dos nossos pais e

27 - OGNIER (l.c.) diz textualmente: "Os textos e a literatura pedagógica que eles suscitaram ( o autor refere-se aos programas e instruções que acompanharam o lançamento da Reforma Ferry), mostram à saciedade que o suporte da autonomia reivindicada pela moral laica é a razão e a consciência prática, não a ciência" (cheio no original).

mães e que nos honramos de seguir nas relações da vida, sem passar pelas dificuldades de lhes discutir as bases filosóficas", como acima ficou testemunhado nas palavras de FERRY.

Se esta foi uma solução negociada centralmente, expondo claramente o seu pendor político-administrativo, ela significava, todavia, que se esperava alcançar, ao nível sociocognitivo dos agentes do desenvolvimento e execução do sistema - os professores e funcionários da administração - uma correspondência na acção que viabilizasse as expectativas negociadas, as quais visavam a universalidade da escola na base duma socialização moral, caracterizada essencialmente pela tolerância que aparece aqui carregada de ambiguidade, como virtude cívica e como instrumento político, como abertura à diferença e respeito pelo outro, que supõe a auto-limitação do poder próprio, mas também como estratégia de auto-conservação do poder (AVANZINI, 1978: 125). Em todo o caso, trata-se dum patamar social, onde é preciso submeter as convicções, enquanto prática incarnada de valores constitutivos duma cultura

naturalizada, a uma prática racionalizada das convicções que,

em última análise, se esvaziam de conteúdo próprio em favor da referência a uma razão abstracta, na prática, cada vez mais aliada às directivas do Estado28.

28 - A tolerância como valor social é o culminar dum longo debate filosófico-político que acompanha a formação da consciência moderna, a qual, depois da cisão entre a natureza e a história, sempre esperou da razão a superação do conflito entre convicção e convenção, ou a convergência entre uso privado e público da razão. PEREIRA (I.e.:480) equaciona assim a questão: "Esta distinção entre uso público e privado da razão, oposta ao sentido actual destes termos que vincula "publico" a oficial e não a individual, concebida por Kant para evitar a

atinge a fronteira da esquizofrenia. A esta interpretação da ruptura irrecuperável da razão opôs N. Hinske três razões capazes de justificar uma nova leitura. O primeiro argumento já fora aduzido por Mendelssohn, aquando da interpretação da resposta de Kant e pode resumir-se nesta frase de Mendelssohn: 'num cargo público estou obrigado a submeter-me à maioria, porque, de contrário, cometeria uma ingerência na liberdade dos outros e imporia a minha razão aos outros'. Por certa e comprovada que esteja uma opinião privada, ela não ultrapassa a esfera das convicções individuais ou de grupo, enquanto não for sujeita ao processo de discussão pública e se torne convicção generalizada. No exercício de funções públicas, há que defender os direitos e os interesses dos outros que eventualmente não comungam das opiniões pessoais do funcionário que só poderão transpor-se para a prática política após o controlo público da razão através da comunicação. Enquanto ão terminar este processo de discussão permanece intocável a diferença entre convicção individual e convicção universal, que o funcionário público tem de respeitar sem comprometer a sua consciência moral, como preceitua Kant. A Segunda razão dimana, na prática, da diferença salutar entre indivíduo e estado ou sociedade, que impede a confusão ou equívoco entre a acção pública e actuação segundo convicções individuais. O esquecimento desta diferença equivale à institucionalização prática de uma interminável situação de conflito. O terceiro argumento provém da garanti que representa o consenso oriundo da discussão pública, para a razão individual sujeita a possibilidades de erro, quando abandonada ao exame e à evidência do indivíduo isolado. Sem este correctivo pode o homem públlico incorrer no perigo de um falso desenvolvimento da Aufklarung".

É por isso que a tolerância, supondo um dispositivo assente

Outline

Documentos relacionados