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A CIENTIFICIDADE EM EDUCAÇÃO OU O TERCEIRO MOMENTO DA PERIPÉCIA: A CONSTRUÇÃO DA DISCIPLINA.

psicologia experimental, vai sendo reclamado como privativo dos titulares de habilitação oficialmente reconhecida, o que,

A CIENTIFICIDADE EM EDUCAÇÃO OU O TERCEIRO MOMENTO DA PERIPÉCIA: A CONSTRUÇÃO DA DISCIPLINA.

O terceiro momento da peripécia, continuando a explorar as potencialidades analógicas da figura em uso como sendo susceptíveis de ilustrarem o percurso de institucionalização da Escola, corresponde, como oportunamente se intentou estabelecer, à transformação do campo educativo e, mais especificamente, do campo escolar, em campo científico sob os auspícios do método experimental.

J á atrás se referiu a tripla função a que o termo disciplina se encontra ligado, quando referido à instituição escolar (p.31 e 62, designadamente). Segundo FABRE, então citado (1994: 43),

"o fio condutor da análise histórica (da Escola) pode ser a ideia de disciplina, cuja polissemia abrange as três lógicas da formação. A disciplina tem, antes de mais, um sentido epistémico: na escola intervém uma lógica didáctica., já que se trata de ensinar e de aprender determinados saberes que têm a sua organização própria. Mas estas aprendizagens visam sempre, através dos seus conteúdos, algo mais que os conteúdos: a formação do espírito, segundo um modelo de humanidade. É o sentido metodológico da disciplina. Enfim, o ensino é inseparável duma modelação socio-cultural: tal é então o terceiro sentido da disciplina: a inculcação de normas, de valores, de hábitos tidos como capazes de realizar a adaptação do indivíduo à sociedade".

Na sequência deste passo, FABRE invoca expressamente Durkheim para poder afirmar, de acordo com ele, que educação escolar, desde a Idade Média, sob o impulso das escolas

conventuais e catedralícias, rompeu com a visão greco-romana, segundo a qual a educação escolar era ornamental, para se tornar, com o cristianismo, um meio, já não confinado à ornamentação do espírito e do corpo, mas ordenado à criação de "uma disposição geral do espírito e da vontade que lhe faça ver (ao aluno) as coisas em geral sob uma luz determinada" (DURKHEIM, citado por FABRE, p. 45.)

Este modelo e este papel da Escola, como instituição vocacionada para tutelar o processo de conversão das jovens gerações aos valores sociais, não perdeu actualidade com a quebra do cristianismo. É o próprio DURKHEIM que o reconhece( 1938:39):

"A nossa concepção quanto ao fim da escola secularizou- se; por conseguinte, os meios empregues devem mudar, eles também; mas o esquema abstracto do processo educativo não variou. Trata-se sempre de descer às profundezas da alma de que a Antiguidade não tinha consciência".

Do que se trata, então, é, no novo contexto de secularização, encontrar os fundamentos que reabilitem a Escola a desempenhar a função que a Igreja já desempenhou, agora num espaço muito mais amplo, que é o espaço nacional e com uma legitimidade que se quer acrescida, para poder gerar "uma disposição geral do espírito e da vontade capaz de fazer ver (ao aluno) as coisas em geral sob uma luz determinada".

Esta "luz determinada" é, obviamente, a luz da instrução sob um fundamento novo, que não possa ser contestado, isto é, que se apresente como necessário e, portanto, normativo. Esse fundamento é o do recurso à objectividade dos factos, desde que, porém, eles sejam observados a uma "luz determinada". É a forma como se resolve este círculo vicioso no interior da construção do saber, como disciplina escolar no seu sentido

global, que constitui o essencial deste capítulo, o qual compreenderá, à semelhança do capítulo anterior, igualmente, duas instâncias: Uma primeiro instância será construída em torno da tensão entre vários registos de observabilidade, e pretende-se pôr em evidência o conflito socio-cultural e político que existe, quando não há uma "luz determinada" a determinar o olhar; uma segunda centra-se na construção da cientificidade da educação tendo como objecto a instituição escolar, tanto na perspectiva da administração dos recursos humanos, como na da legitimação das normas sociais, uma e outra orientada e orientando para uma determinada luz, a que o trabalho de BINET e de DURKHEIM, respectivamente, servem de suporte e na sequência do qual se desenvolverá um terceiro capítulo em que se assume que a educação escolar se converte n u m a prática

científica dominada por uma visão ideologicamente

funcionalizada sob a qual a diferença do outro, como a expressão do imprevisto, é reduzida à condição de acidente banalizado em que a educação é consagrada como esquecimento do circular

Primeira instância - da tensão entre vários registos de observabi lidade

SCHRIEWER(1991), já citado, analisando o destino das ciências da educação em França n u m a óptica comparativista com a tradição alemã, reconhece que a criação de uma nova ciência em França nos finais do século XIX (a ciência da educação) anda associada a uma problemática social complexa onde se cruzaram "tensões anatagónicas entre república e monarquia, Igreja e Estado, ordem burguesa e comuna" (155). Estas tensões, agravadas pela acelerada "erosão dos tradicionais códigos culturais, como consequência da secularização, urbanização e industrialização" determinam a procura de novos pólos de referência e de legitimação social e moral, à medida que o sistema soocio-cognitivo, até então dominante, perde o seu valor de referência ao revelar-se impotente para sintetizar a experiência social, cujo processo de produção, diversificando-se em correspondência com a diversificação das práticas materiais, deixa de ser sensível a uma matriz epistemológica que, invocando embora o espírito racionalista, cada vez torna a razão menos apta a reflectir e a organizar a realidade a que pretende reportar-se.

A retotalização retórica da realidade através da razão unificante mostra-se impossível, porque a mediação já não pode ser realizada pela palavra ontológica (referida a uma realidade racional subsistente) mas pelo discurso factológico, experimentalmente mediado. Se o atraso do discurso factológico, aplicado à educação, testemunha justamente a secundarização social da Escola relativamente à natureza como domínio de aplicação da ciência ao serviço de novos interesses, testemunha

igualmente a luta ideológica travada ao nível da produção científica, socialmente utilizável, entre os que admitem o destino humano como irredutível aos factos, no pressuposto de que a autonomia se cumpre através duma razão transcendente, de cujos princípios gerais, uma vez conhecidos, se deduzem a moralidade e a justiça, que asseguram a liberdade e a responsabilidade individuais e os que fazem emergir a razão do interior da ordem dos factos, considerados estes como a expressão necessária, ainda que evolutiva, da própria natureza e agora, também, da sociedade. A assimilação da sociedade à natureza, desfecho lógico dum desígnio científico que se orientou pela matematização do real, traduz, antes de mais, uma intencionalidade epistémica, que institui o facto social a partir da sua observabilidade, isto é, dum carácter que o torne passível de ser observado, o que supõe ser objecto de aplicação de uma norma de observância universal, réplica social da medida que rege o mundo natural2 4.

24 - A observabilidade, como o transcendental positivista das regras da observação, difere do sentido da observação clássica como meio de saber. Em todo o caso, este

exacerbamento praticado pelo positivismo, não deve ocultar o

facto de que, na tradição da ciência ocidental, sempre se registou um predomínio do paradigma da observação, como base do saber, como é visível em Platão que achava essencial a visão do Bem para agir bem: ARENDT, 1972: La crise de la

Culture, p. 151. Aliás, o termo ideia, em grego, lôecc, confirma

esta tradição através das duas séries de significados que lhes estão conferidas: Uma primeira série admite os seguintes significados: "aspecto exterior, aparência , forma". Uma segunda série admite estoutros, escalonados segundo três subséries: a)- "forma distintiva, carácter específico; donde carácter, maneira de ser, espécie", b) - "princípio geral, servindo para uma

Este carácter não é, obviamente, uma propriedade

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