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A concepção do mundo industrial, como acontecimento, nos termos em que os autores a equacionam, subentende, de facto, a

necessidade de repensar o trabalho como uma actividade

intersubjectiva, que, sendo ditada pela irrupção do acontecimento

é, também, constitutiva das condições que o tornam social e

tecnicamente contornável. Por definição, a lógica do

acontecimento articula as competências profissionais na órbita da

interpelação cujo sentido, sendo ainda função dessas

competências, é, todavia, a sua transformação em acto, segundo

um processo de ruptura calculada, cujos níveis de viabilidade e

alcance dependem tanto do grau de envolvimento pessoal, como

de mobilização colectiva. Reconhece-se, aqui, o que, adaptando

uma ideia de DUBAR (1991:259), poderá ser designado como um

Permanente, n° 122, Auto-formation et organisation apprenante),

apoiando-se na obra de N. ELIAS e em estudos experimentais, reforça a ideia de que, ao contrário do que seria de esperar, " o sentimento de singularidade individual e de interioridade desenvolve-se com a intensificação das relações sociais". No mesmo sentido, veja-se ALTER, Norbert: Innovation et organisation: deux légitimités en concurrence, e THUDEROZ, Ch. (1995: Revue Française de Sociologie, XXXVI: Du lien social dans

movimento de superação da tensão entre transacção subjectiva e transacção objectiva, entre identidade psicologicamente visada e identidade socialmente outorgada, através dum processo de formação/conversão mútua, suportada em e suportando uma identidade de rede. A interpenetrabilidade entre a emergência do acontecimento e o processo de construção das competências apela para uma cultura empresarial comunicativa cuja organização supõe a necessidade de articular o que HABERMAS (1987) define como as três pretensões de validade: a de veracidade (acordo ao nível dos enunciados relativos ao mundo das coisas); a de

legitimidade (acordo quanto aos princípios de acção com base na

correcção normativa; e a de autenticidade (acordo não simulado quanto ao mundo intencional manifesto dos agentes).

Nesta perspectiva, que consagra a ideia de que o mundo empresarial, ou o mundo da produção económica, é cada vez mais uma produção social no sentido de que tem necessidade de produzir subjectividades integradas, isto é, harmónicas consigo mesmo e com os outros, a comunicação institui-se como condição de formação não apenas no sentido cognitivo-instrumental, que supõe uma relação objectivada com o mundo das coisas, mas, mais radicalmente, no sentido da participação na construção das normas que regulam a acção (que é sempre uma interacção) e no sentido de que essa participação não é condicionada por jogos estratégicos, que implicam sempre uma instrumentalização da acção dos outros (HABERMAS, 1995: 101), mas exprime uma relação de autenticidade, enquanto traduz o acordo entre o que é o movimento intencional do sujeito em acção e o objecto do seu enunciado.

Embora os critérios que suportam as diferentes pretensões de validade mobilizem meios de validação diferentes conforme se trate de acções referidas a objectos empiricamente controláveis, à

interacção social ou à experiência subjectiva, sendo, por isso possível distinguir diferentes regimes de validade, numa óptica de organização socio-económica dominada pela lógica do acontecimento e da imprevisibilidade, o desenvolvimento unilateral de um relativamente aos outros não é possível senão à custa da atrofia destes, o que implica comprometer a qualidade global da acção.

Se é verdade, como diz HABERMAS que "a acção instrumental organiza meios que são adequados ou inadequados segundo critérios de um controlo eficiente da realidade" (1987: 57) e que "um comportamento incompetente, que viola regras técnicas ou estratégias de correcção garantida, está condenado per se ao fracasso, por não conseguir o que pretende" (Ib.: 58), o que pressupõe a aceitação de que há domínios de acção, cuja pretensão à validade se constitui à margem da comunicação, o facto de que o trabalho se sujeita cada vez mais à compressão do tempo e à globalização do espaço determina que a especialização técnica, assente em modelos prè-activos estruturados, seja sobrepujada por uma acção comunicacional que interpotencie o equipamento cognitivo e motivacional do organismo humano em termos de disposições que são, não já psicológicas, mas sociais e culturais, dados os efeitos de interdependência organizacional que estabelecem.

O protagonismo da acção comunicacional sobre a acção técnica que, no fundo, reinstitui a primazia da intersubjectividade na constituição da sociedade e, portanto, o primado do sentido da acção como fundamento do significado da ciência e do conhecimento não pode deixar de questionar profundamente os modelos de formação, sobretudo se tivermos em atenção o caso da profissão docente, a que cabe, no plano da instituição da sociedade, um papel reconhecidamente marcante. A

autonomização do conhecimento em corpo estabilizado de saberes formais, organizado em torno dum modelo cognitivo que privilegia a verdade como "representação dum mundo prè-dado" (VARELA,

1993: 194) e a sua aplicação ao mundo da acção h u m a n a segundo um modelo homogéneo do que foi regra para o mundo natural, domina largamente o referente de cienuficidade utilizável nas ciências da educação, determinando, em consequência, não apenas as estratégias de profissionalidade que historicamente se foram construindo no processo de afirmação da Escola, como as formas concretas segundo as quais se organiza e desenvolve o exercício profissional e, bem assim, o modo como se representa a relação teoria/prática.

É assim inevitável que este trabalho se sinta convocado a recuperar a consciência socio-histórica desse processo n u m a perspectiva de recontextualização epistemológica do sentido das práticas de formação, sem que se pretenda seguir, em termos técnicos, um percurso pautado pelo confronto com a História. A referência à História é, assim, pretextual e selectiva, e os critérios que a orientam provêm mais da sua pertinência epistemológica e filosófica do que do seu estatuto factual.

Sendo determinante nesta abordagem a preocupação de se ser fiel a uma visão segundo a qual a formação é indissociável das condições de produção da vida num contexto material e simbólico já instituído, mesmo quando seja apenas a condição da sua

reprodução (instância em que a prática é teoricamente inerte e a teoria a sua ideologização), parece importante aproximar, num registo de relação crítica, a forma como as práticas de formação interagiram com essas condições, tendo em conta que estas veiculam práticas sociais e culturais produtoras de sentido num quadro comunicacional em que se inscreve a sua génese.

CAPÍTULO III

UMA ARQUEOLOGIA EPISTEMOLÓGICA DASPRÁTICAS DE FORMAÇÃO

"As teorias, como os seres vivos, não nascem por geração espontânea. Podemos sempre encontrar-lhes os antepassados "

Hubert de LUZE

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