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O trabalho de BINET, bem como o de DURKHEIM, tiveram (e têm) uma larga difusão e grande influência, não apenas ao nível

da gestão e administração do sistema escolar no seu conjunto,

mas também no domínio da formação de professores e,

sobretudo, no plano do desenvolvimento e estruturação das

ciências da educação, enquanto domínio de um conjunto de

saberes especializados. Não é difícil compreender que,

historicamente, lhes tenha cabido um papel privilegiado no

arrotear do campo científico da educação. O quadro que atrás se

diferencial (ver Cattell, 1959, pp. 258-9); se se considera que as causas influem de forma isolada e aditiva, os seus efeitos podem identificar-se utilizando os métodos de análise regressiva (ver Hamilton, 1974); se se admite que um estilo de ensino é um constructo uni-dimensional (v.g., progresssivo versus tradicional), os docentes podem dispor-se ao longo de tal dimensão, utilizando processos de graduação. Todavia, se se considera que a personalidade é função das relações sociais, a causalidade um fenómeno interactivo e o estilo de ensino um atributo do contexto mais do que da pessoa, então todos os procediemntos anteriores estão desprovidos de toda a credibilidade metodológica".

traçou teve por alguns dos seus objectivos construir a base dessa compreensão. Todavia, no plano da sua pertinência epistemológica, enquanto determinante prototípico da estruturação dos saberes em educação, o trabalho de BINET e DURKHEIM merece uma atenção aprofundada. Em primeiro lugar, pelo significado heurístico que a sua obra comporta, cada uma por seu lado, ao sugerir, se não a impor, a delimitação do objecto da educação segundo uma forma contra-polar (indivíduo- sociedade), não obstante a sua filiação no mesmo paradigma científico; em segundo lugar, pela importância no domínio das referências observacionais e, portanto, legitimatórias, do seu trabalho científico, cuja incidência se repercute nos nossos dias; e, em terceiro lugar, pela oportunidade que representa de reflectir sobre o tipo de relações que estão supostas entre esta forma de pensar a educação e a natureza do sistema educativo que nela se revê.

A actividade científica de BINET desenvolveu-se em estreita ligação com a SLEPE {Société Libre pour l'Étude Psychologique de

l'Enfant, fundada em 1899, onde pontificavam BUISSON, BINET

e SIMON (PIATON, 1978:116), cuja importância, assinalada por CORREIA (1997) foi decisiva na reorientação da Psicologia no sentido de uma aplicação ao estudo do desenvolvimento individual infantil tendo em vista precisamente a organização e o acompanhamento das classes escolares, P O P K E W I T Z (1994: ii3)

chama a atenção para o mesmo fenómeno no âmbito da sociedade americana, protagonizado pelo Child Study Project, coordenado por S. HALL.

É o próprio A. BINET (1973: 21) quem precisa a direcção central da sua actividade:

"Quanto a mim, depois de u m a experiência já longa - há vinte e cinco anos que faço investigação nas escolas - creio que a determinação das atitudes das crianças é a maior questão do

ensino e da educação; é de acordo com as suas atitudes que se deve instruí-las e orientá-las também para uma profissão. A pedagogia deve ter como preliminar um estudo de psicologia individual".

Tendo em conta que "a adaptação é a lei soberana da vida", BINET estabelece que "a instrução e a educação, que têm por fim facilitar esta adaptação, devem ter em conta, necessariamente e em simultâneo, estes dois dados: o meio com as suas exigências31, o ser humano com os seus recursos."(Ib.:21) E para

se saber qual o sentido dessa adaptação através da educação, é preciso que "a escola seja julgada pelas suas consequências pós- escolares", porque não "não há n e n h u m a instrução que seja recomendável como uma verdade única. A instrução, sendo um meio, deve variar com as pessoas, os temperamentos, os meios económicos em que o indivíduo disputará a sua vida"(30). A medida dessa variação, bem como os métodos a seguir e os programas a implantar não podem ficar dependentes nem dos professores, nem dos alunos, nem dos pais, nem dos administradores, porque são parte interessada e produzem apenas opinião com base em observações acidentais(29). Isso terá que implicar "um estudo seguido sobre o destino dos alunos,

31 - Como se torna de imediato claro, BINET adopta na base da sua teoria psicológica o pressuposto spenceriano, segundo o qual todo o comportamento humano, aí compreendido o processo de diferenciação das características pessoais, é função da acção do meio, concebido como um factor englobante que, todavia, pressupõe geneticamente uma ordem hierárquica que vai do nível físico-químico, como suporte da biologia, até ao nível moral, passando pelo psicológico e sociológico. Cf. H. SPENCER, Les Premiers Principes, Paris, Félix Alcan, Éditeur, 1885. Tradução inglesa de M.E.Cazelles.

relacionado com o ensino que eles receberam; uma vasta estatística, ou melhor dizendo, um estudo sério e aprofundado, que se apoiasse sobre estatísticas criticadas, já há muito deveria ter sido feito para nos pôr em condições de sabermos se o ensino que nós damos é útil ou se não tem que ser modificado. Geralmente, a obra mais importante é aquela em que pensamos menos; mas acontece que, por necessidade, ela acaba por se impor. Vemos bem isso neste momento; a necessidade de controlo que nós assinalamos começa a revelar-se"(29).

BINET cita, a propósito, uma série de acontecimentos que estão a ocorrer no sistema de ensino francês que reclamam a aplicação de medidas científicas, no sentido técnico-matemático do termo: "a crise da aprendizagem" nos meios do ensino primário, a multiplicidade de cursos no ensino técnico, o funcionamento das escolas superiores que, com grandes despesas, não têm servido se não para formar funcionários em vez de operários, a tendência para a indisciplina dos tempos modernos ("na hora actual, o espírito dos nossos contemporâneos quase não se inclina para a disciplina", p.42), o contencioso entre os inspectores e os professores, que viram reconhecido o direito de tomar conhecimento da avaliação que deles fazem os inspectores podendo dela reclamar ("Como saber quem tem razão? (...) Não se pode admitir, hoje em dia, que a superioridade hierárquica seja um argumento sem réplica" (43).

E neste contexto de desenvolvimento do sistema que BINET, sem hesitação, recorre ao método científico de inspiração matemática como forma de resolver os problemas pedagógicos. E remata com toda a clareza:

"o método que consiste em medir o grau de instrução dos alunos tem três vantagens principais: faz conhecer a instrução real dos alunos, pondo-os ao abrigo dos azares dos exames; fornece o meio de conhecer os métodos que se usam e que se

introduzem frequentemente no ensino sem que se lhes peça provas; permite controlar o valor profissional dos professores, se este for contestado por um superior".(44).

Parece legítimo concluir que a Psicologia, representada pelo movimento que BINET anima e que desempenha um papel central na orientação europeia do destino da Escola ao longo do século XX (PIATON, o.c: 132), tendo penetrado profundamente nas Escolas Normais de França entre as duas guerras (DEROUET, 1985:90), obedeceu a três grandes preocupações: a de ser um instrumento de organização e administração das escolas; a de ser um meio de orientação, distribuição e legitimação das oportunidades sociais e profissionais; e de ser, mais vastamente, uma base de suporte das políticas educativas do Estado republicano numa fase de consolidação do seu ideário político, agora que era preciso prevenir novos desafios revolucionários, ultrapassados, já, os confrontos com o conservadorismo dogmático do catolicismo militante em torno da questão da laicidade.

O carácter científico-experimental tão vivamente reivindicado para a Psicologia pela SLEPE, cuja direcção pertenceu a BINET entre 1902 até à sua morte -1911-conforme refere PIATON, (o.c: 131), traduz, assim, a fidelidade ao espírito positivista, para o qual a Cência (com maiúscula), apoiada no controlo experimental dos factos, era o único critério para a resolução dos problemas sociais, administrativos e políticos. P. OGNIER (1994:323-331) reconhece a necessidade histórico- cultural dessa tendência ao pôr em evidência que o sistema escolar francês, depois de algum equilíbrio ideológico, conseguido à custa da construção duma moral escolar independente, passa a sofrer de sistemática instabilidade a partir dos primeiros anos do século XX, provocada pela conquista de posições, no interior do sistema, por parte das correntes

identificadas com o socialismo político e com o sindicalismo docente32. O laicismo, como doutrina de compromisso, como

ponto de equidistância entre os dogmas religiosos e políticos, mas também como "referência de tolerância, de respeito das convicções de outrem, das religiões constituídas 'respeitáveis' segundo o adjectivo empregue por J. Ferry", no dizer de OGNIER (o.c.:326), perde o seu poder de atracção, não apenas porque o racionalismo espiritualista em que assentava vai cedendo espaço ao racionalismo científico, mas também porque a moral, para que apelava, tem dificuldade em ultrapassar "o individualismo um pouco estreito e o sistema disciplinar de 1882"(OGNIER, 327).

É nos limites deste quadro que emerge a ideologia da medida como expressão de um ideal de Ciência capaz de se opor tanto às utopias socializantes e às práticas reivindicativas dos interesses particulares, ainda que organizados no interior da classe docente, como à especulação filosófica reinvindicadora da transcendência moral, como, ainda, ao praticismo intutitivo que não cuidava de sistematizar metodicamente a observação. A Ciência, em nome da qual se impõe a medida como forma de controlo é, portanto, o único guia para a acção e para decisão.

32 - OGNIER (o.c: 328) assevera que, "depois de 1900 e

sobretudo de 1905, cada vez mais professores, mas também inspectores primários, directores da Escola Normal aderem ao socialismo. Constata-se nesta época uma verdadeira mutação ideológica numa franja não negligenciável do corpo do ensino primário. Ao mesmo tempo que a Ciência e o Positivismo, que dela

deriva, se impõem progressivamente ao espiritualismo deísta, as práticas associativas mudam nos professores, passando do

cordialismo ao sindicalismo, que transforma o Estado republicano em Estado-patrão".

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