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educação cedo se constituiu em instrumento de administração do Estado, sendo, por isso, mais obra de funcionários e de técnicos

que agiam do centro para a periferia, do que obra de reflexão -

hermenêutica e pragmática - comprometida com a construção do

Estado a partir da realidade prática das comunidades locais. Sem

prejuízo dum debate mais alargado noutro lugar (Cf. Capítulos I e

II da segunda parte), cremos ser oportuno salientar que uma

concepção de educação, tal como HEGEL a vislumbrou, não pode

deixar de reflectir-(se) sobre as condições concretas em que ela se

realiza, entendendo-se por concreto o conjunto das determinações

subjectivas e objectivas, indissociáveis da história e da cultura, em que ela ocorre como prática. Ela é, portanto, forçosamente hermenêutica e pragmática, pelo que não pode fazer a economia de questionar o sentido das subjectividades, não no sentido rousseauniano, onde a subjectividade é tomada n u m a dimensão ontológica, mas no sentido psico-cultural e histórico, como momento necessariamente constitutivo do processo de formação, sem o que a formação, no plano da sua fundamentação teórica, muito dificilmente se furtará a ser, apenas, um projecto de treinamento e de hétero-regulação.

A querela que, a partir destas três orientações, se irá desenvolver até aos nossos dias em torno do modo como a educação pode ser um objecto científico não é uma questão que diga exclusivamente respeito à problemática da educação enquanto tal. Ela passa também pelo questionamento do que seja o objecto científico, questão que, obviamente, tem a ver com a prática social, dentro da qual a orientação da educação desempenha um papel central, sendo por isso que não é indiferente, para a posição que se assume face ao estatuto da ciência, a relação que se estabelece entre o saber e a educação.

O círculo vicioso que aqui parece querer ameaçar qualquer hipótese de solução, epistemologicamente viável, reclama a adopção de uma perspectiva, segundo a qual, como admite SANTOS (1989), "a epistemologia é uma falsidade, mas que é verdadeira na sua falsidade" (p. 29), o que implica a consciência de que, como diz PUTNAM (1987). "quer queiramos ou não, a ciência colocou-nos na posição que consiste em dever viver sem fundamentos", mas, ao mesmo tempo, a consciência de que, sem a negação prática (provisória) dessa consciência, a vida não seria possível.

As posições de ROUSSEAU, do ILUMINISMO e de HEGEL ilustram, cada uma a seu modo, a forma como este círculo entre educação e ciência foi resolvido: pela ruptura da comunicação entre ambas em nome duma incognoscibilidade prévia do destino do Homem, em ROUSSEAU; pela subordinação das pluralidades subjectivas as luzes da Razão ou da objectividade científica, no ILUMINISMO; pela integração e superação dialéctica das pluralidades intersubjectivas n u m a consciência nacional em HEGEL. Não obstante a disparidade prática que se reconhece nas duas primeiras posições, a sua visão formal da ciência parece ser comum, o conhecimento abstracto das leis por via empírica. O que as distingue é a sua intencionalidade prática; no primeiro caso, a ciência desvia o homem da bondade natural, substituindo-lhe o

ser pelo saber; no segundo, a ciência liberta o homem da sua

corrupção natural, através do saber-fazer, tanto técnico, como moral (THIERRY, in KAHN,1990).

Há, portanto, uma estranheza m ú t u a no que respeita às relações entre natureza e sociedade. HEGEL irá superar esta estranheza através dum tertium que articula natureza (animalidade) e sociedade (racionalidade) na síntese que é o espírito, que é o saber que se sabe na identidade do que é diferente. A solução hegeliana é, portanto, inversa da de ROUSSEAU por transformação dialéctica dos seus instrumentos conceptuais, designadamente, o de natureza/necessidade e o de sociedade/negação, que eram conceitos-limite em ROUSSEAU e passaram a ser abertos e mutuamente transformantes por via histórica, com aplicação ontológica, em HEGEL até se fecharem no Estado.

Se bem que a solução pela universalidade da razão científica e técnica ou pela construção da consciência do Estado coincidam na sua intencionalidade final que é a de operarem a retotalização

ideológica da realidade social e, portanto, a de ocultarem a impossibilidade de se fazer assentar a vida num fundamento científico objectivo num mundo moderno que se define, justamente, pelo progresso, cujas condições são as suas intrínsecas contradições, os pressupostos epistemológicos práticos das duas concepções são substancialmente diferentes.

A ciência e a técnica pretenderam redimir o homem, oferecendo-lhe os seus conhecimentos e as sua possibilidades instrumentais, mas acabaram por objectivá-lo ao torná-lo produto dos seus próprios saberes, como se os conhecimentos e as técnicas fossem variáveis absolutas e independentes da sua própria acção e relação social, como se as leis da natureza, em nome das quais se realizava a ciência e a técnica não fossem, elas próprias, criação do próprio espírito humano, como resposta à necessidade da sua nova integração no mundo. É esta, sem dúvida, a grande contribuição de HEGEL para a dilucidação do problema da formação do homem ( e, por inerência, do problema educativo). E se ela pôde, historicamente, suportar uma aplicação particular, pensando-se universal, como aconteceu na justificação do Estado Prussiano, (o que prova que HEGEL, ele próprio, não estava ao abrigo das astúcias da razão, que tanto denunciou), pôde, igualmente, prestar-se à ultrapassagem dos seus próprios limites, não já ao serviço do Estado, mas ao serviço duma consciência crítica que busca os mecanismos da sua alienação e da sua superação. E, embora não deixe de ser pertinente observar, quando se pensa o sentido da formação h u m a n a volvidas quase duas centenas de anos, o quanto representou de estratégico o erguer o saber especulativo ao nível do Estado, como condição de construção da consciência da identidade nacional - agora que o estado moderno se desvanece - a verdade é que, nem por isso, a questão da formação h u m a n a deixou de fazer sentido,

nem a natureza do saber, que a ela dá acesso, mudou radicalmente de carácter.

Podemos reconhecer que o seu ponto de aplicação, que foi também a sua referência de construção, está historicamente posto em jogo, mesmo naqueles cae-s, como nos da história europeia recente, onde o Estado reassumiu centralidade. Todavia, o seu método e a sua estratégia epistemológica continuam sendo recursos indispensáveis a todo o esforço de análise que faça da causa educativa um problema central da vida.

Múltiplas são as manifestações desse saber hegeliano na teoria e na prática da formação, tanto no mundo de ontem, como no mundo de hoje, designadamente no domínio da formação de adultos. Evocaremos, apenas, duas figuras emblemáticas do pensamento pedagógico. J. DEWEY e Paulo FREIRE. DEWEY (1859-1952) foi "o porta-voz, o representante e o símbolo da educação progressiva na América e no mundo", no dizer de DELEDALLE (1995: 8). Ainda que a sua posição tenha evoluído para a definição de caminhos próprios, mais consentâneos com a sua leitura da especificidade educativa dos Estados Unidos em fase acelerada de industrialização, na esteira do pragmatismo de PEIRCE, DEWEY conservou de HEGEL, de quem começou por ser adepto (DELEDALLE, o.c.:9), alguns princípios que se revelaram estruturantes na sua concepção da intervenção pedagógica: o princípio de que a educação é um processo integrado da vida individual no todo social; o princípio da subordinação da ciência e da técnica à construção do ser humano, o princípio de que o conhecimento emerge da acção, o princípio de que o "espírito não é uma entidade objectivada, mas um processo em crescimento".

Deixaremos, apenas, alguns testemunhos da sua lavra que nos parecem significativos da sua relação com HEGEL (in DELEDALLE, o . c : 11/12):

"Toda a educação procede da participação do indivíduo na consciência social da raça. F*te processo começa inconscientemente, por assim dizer, com o nascimento e afeiçoa duma maneira contínua as capacidades do indivíduo, impregna a sua consciência, forma os hábitos, modela as ideias e desperta sentimentos e emoções. Por meio desta educação inconsciente, o indivíduo acaba progressivamente por partilhar os recursos intelectuais e morais que a humanidade conseguiu reunir. A educação, mesmo a mais formal e a mais técnica não pode, sem perigo, recusar esta participação. Se o fizer, ela apenas pode organizar-se ou orientar-se de modo particular".

Onde, todavia, parece ter sido duradoura a influência prática de HEGEL sobre DEWEY foi ao nível da sua concepção da pedagogia como projecto em que é difícil não reconhecer uma intencionalidade comum face a uma problemática que, salvaguardadas as particularidades do contexto, podia ser pensada como susceptível de comportar o mesmo tipo de abordagem. Tal como HEGEL, DEWEY equacionou o problema da consolidação dos Estados Unidos, como nação, n u m a fase decisiva da sua identidade, polarizada pela industrialização, como um problema que não podia prescindir da formação do homem, como um projecto ético e social. Como HEGEL, pensou-o em termos de interdependência, não já referenciada ao Estado central, mas em termos de cooperação centrada nos problemas sociais da comunidade envolvente. E não deixa de ser significativo o facto de a pedagogia de DEWEY ter sido proscrita

De P.FREIRE, cujas influências sofridas são múltiplas

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