• Nenhum resultado encontrado

Causalidade física ou natural e causalidade jurídica

No documento TEORIA GERAL DO DIREITO (páginas 157-160)

CAPÍTULO VI O DIREITO E A LÓGICA

3. OS MUNDOS DO “SER” E DO “DEVER-SER”

3.2. Causalidade física ou natural e causalidade jurídica

Por causalidade física entende-se a natural, ou seja, as relações implicacionais que se

dão na realidade física constituída pela linguagem descritiva, representadas pela síntese do “ser”. Já a causalidade jurídica, espécie de causalidade normativa, é aquela própria dos sistemas prescritivos, do qual o direito positivo é espécie, que compreende as relações que devem se dar entre sujeitos, representadas pela síntese do “dever-ser”.

Quando nos referimos ao mundo do “ser” e do “dever-ser”, estamos tratando de dois corpos de linguagem, separados em razão do vínculo que se estabelece entre suas proposições. A distinção, nesta proporção, é possível justamente porque ambos são sistemas proposicionais. Num, opera-se a causalidade física, ou natural, noutro, a causalidade jurídica.

Quanto à causalidade jurídica, temos maior facilidade de enxergá-la a nível proposicional, visto que o dado físico do direito é a linguagem idiomática escrita, passível de ser manuseada (códigos, leis, sentenças, atos administrativos, contratos, documentos probatórios, etc). Já quanto à causalidade física ou natural, em alguns pontos, notamos certa dificuldade de aceitá-la como relação inter-proposicional. Mas, tal bloqueio desaparece quando consideramos que o homem habita um universo de discurso, onde todo e qualquer conhecimento se dá a nível proposicional. A causalidade física não se encontra nas coisas ou nos fenômenos do mundo, é constituída pela linguagem juntamente com as coisas ou os fatos que a integram.

Nas duas causalidades (jurídica e natural) temos a implicação, o conectivo condicional, atrelando uma proposição causa (antecedente) a uma proposição efeito (conseqüente). Aquela, na posição sintática de antecedente, é condição suficiente desta, alojada no lugar sintático de conseqüente; que, por sua vez, é condição necessária daquela. Dizemos, em termos lógicos, devido à regra de inferência do modus ponens, que a proposição antecedente é condição suficiente da proposição conseqüente porque se aquela for verdadeira, esta também será; na proporção inversa, dizemos que a proposição conseqüente é condição necessária da proposição antecedente, porque se

aquela for falsa esta também será (lei lógica do modus tollens)194. Estas constantes são observadas tanto nas leis físicas (da natureza), como nas leis do direito.

Como exemplo, retomemos o enunciado sobre a ebulição da água. Para conhecer o fenômeno observado na natureza o cientista constrói o seguinte: “a água ferve a 100º C”. Ao assim fazer, estabelece uma relação de implicação entre o aquecimento da água a 100º C e sua ebulição (causalidade física), de modo que a constatação do aquecimento da água a 100ºC, por si só, basta para afirmarmos que a água entrou em estado de ebulição (condição suficiente); e a verificação da sua não- ebulição, por si só, basta para sabermos que ela não foi aquecida a 100º C (condição necessária). Da mesma forma, o legislador, para prescrever condutas intersubjetivas, observa a realidade social que o cerca e elege um fato como causa de um efeito jurídico. Por exemplo, ao enunciar: “os menores de 16 anos são absolutamente incapazes de exercerem pessoalmente atos da vida civil (art. 3º, I, do CC)”, o legislador impõe uma relação de implicação entre o fato de ser menor que 16 anos e a capacidade para exercer pessoalmente atos da vida civil (causalidade jurídica), de modo que, a verificação da menoridade, por si só, basta para afirmarmos que a pessoa está incapacitada (condição suficiente); e pela constatação da ausência de incapacidade (capacidade) sabemos que ela é maior de 16 anos (condição necessária).

O nexo causal é o mesmo. Tanto na causalidade física, como na jurídica, temos a implicação de dois termos ou de duas proposições. Mas, então, o que separa estes dois mundos tão diferentes?

PAULO DE BARROS CARVALHO, seguindo os ensinamentos de LOURIVAL VILANOVA e com base na teoria do uso e menção de W.V.O QUINE, ensina que o conectivo condicional, quando mencionado, denota um domínio ôntico (“ser”) que se contrapõe ao mundo do “dever ser”, onde as proposições implicantes e implicadas são postas por um ato de autoridade195. A diferença, então, se estabelece entre o uso e a menção da implicação.

No plano do “ser” a implicação é mencionada. Para conhecer e explicar o mundo que o cerca, o homem estabelece em sua mente, associações implicativas entre termos e proposições, mas transporta tais relações para o domínio empírico ao descrevê-las como vínculos existentes na realidade observada, porque, efetivamente, sua compreensão se dá de forma associativa. As proposições

194 A condição necessária não se afere pela verdade do conseqüente, pois, sendo este verdadeiro, nada podemos dizer sobre

a proposição antecedente, já que o condicional é falso se o antecedente for verdadeiro e o conseqüente falso.

produzidas são descritivas, o vínculo é descrito, porque pressuposto como integrante da realidade tomada como objeto da experiência, por isso, dizemos ser mencionado. As partículas constantes da linguagem, em que se manifesta o mundo do “ser”, enunciam predicados de sujeitos, conotando ou incluindo termos, proposições ou conjunto de proposições como subconjunto dentro de outro conjunto (extensionalidade). Ao formalizar a linguagem em que se constitui a realidade física, deparamo-nos com a seguinte fórmula: “S é P”, o que explica a síntese do “ser” (é) na causalidade física. Nas leis da natureza, os enunciados dizem como as coisas são e o modo como os fenômenos se dão, a relação de causa e efeito é estabelecida pelo homem com a função de descrever, à medida que vai conhecendo e fazendo associações entre objetos, para explicar o mundo que habita.

No mudo do “dever-ser” a implicação é utilizada. As proposições, implicante e implicada, são atreladas, não por um ato de conhecimento, mas por um ato de autoridade. O legislador, com a finalidade de direcionar condutas intersubjetivas, emprega o vínculo implicacional, associando um fato a uma conseqüência, para alcançar tal finalidade. Por isso, dizermos ser ele utilizado e não mencionado. A relação entre as proposições da linguagem em que se manifesta o direito não se estabelece na forma “S é P”, como na linguagem da realidade física, pois são prescritivas do mundo circundante. Ela aparece na fórmula “S deve ser P” que, em termos totalmente formais, se representa: “D (S→P)” (deve ser que S implique Q). A causalidade é estatuída. É por um ato de vontade da autoridade que legisla, de prescrever condutas, que o termo-hipótese se encontra ligado ao termo-tese e não por um ato de conhecimento. As leis do direito não dizem como as coisas do mundo são, ou como os fenômenos se dão, elas prescrevem condutas intersubjetivas.

No caso, por exemplo, do enunciado citado da menoridade civil, o legislador, diante da realidade social que o cerca, elege o fato “ser menor de 16 anos” e a ele atribui o efeito da incapacidade absoluta, ao tomá-lo como termo-hipótese deste termo-conseqüente. E por que não elegeu o fato “ser menor de 18 anos”? E por que não lhe atribuiu a conseqüência da incapacidade relativa? Porque os vínculos jurídicos se estabelecem exclusivamente por meio de atos de vontade do legislador. O mesmo fato pode ser atrelado a inúmeras conseqüências (ex: o fato de um acidente de carro com vítimas atrela-se juridicamente ao recebimento do seguro, à indenização civil, à ação criminal, etc), assim como, a mesma conseqüência pode decorrer de vários fatos (ex: a conseqüência da incapacidade absoluta pode decorrer juridicamente do fato da deficiência mental e da impossibilidade de manifestação de vontade), isto acontece porque, as relações entre fato-causa e fato- efeito, constantes da linguagem do direito, são postas pelo legislador. A causalidade que o sistema

jurídico estabelece é uma relação deonticamente firmada, como diz LOURIVAL VILANOVA, “o efeito não segue sempre o fato, mas, dado o fato jurídico, deve ser o seu efeito.”196

A origem das relações causais-naturais está na experiência com os objetos, na explicação dos fenômenos físicos, ao passo que a das relações causais-normativas está na vontade da autoridade que as institui. O nexo causal natural ou físico provém da experiência de finitos casos e tem seu fundamento na constância da observação. A causalidade jurídica tem semelhança porque advém da experiência, mas é preposta, preestabelecida, prefigurada, ante os fatos. “A causalidade natural é descritiva do acontecer físico. A causalidade jurídica é prescritiva. Não registra como se dá a relação constante entre fatos, mas estatui como deve ser”197.

Enquanto, na causalidade natural, a relação entre o fato-causa e o fato-efeito é necessária ou ao menos possível fisicamente (ex: “uma maçã, ao soltar-se do galho, necessariamente cairá”; “um homem que subir na árvore, provavelmente cairá”), na causalidade jurídica ela é posta por um ato de autoridade (ex: “se matar alguém deve ser o cumprimento da pena de x a y anos”). O fato de matar alguém gera vários efeitos no mundo físico e social, como a decomposição do corpo, o sepultamento, a revolta familiar, mas só implica o cumprimento de uma pena, porque o legislador instituiu tal vinculação. Vê-se aqui a diferença: a linguagem jurídica utiliza-se do vínculo implicacional para prescrever condutas intersubjetivas. Na causalidade jurídica as relações não “são”, mas “devem ser” em razão de uma força autoritária. O legislador livremente constrói o vínculo entre o fato jurídico (causa) e sua eficácia (efeito), não reproduz, gnosiologicamente, a causalidade do fato que conhece.

No documento TEORIA GERAL DO DIREITO (páginas 157-160)