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Jusnaturalismo

No documento TEORIA GERAL DO DIREITO (páginas 67-75)

CAPÍTULO II O “DIREITO” COMO OBJETO DE ESTUDO

4. TEORIAS SOBRE O DIREITO

4.1. Jusnaturalismo

O jusnaturalismo é a Escola mais antiga78. Na sua concepção, o direito é uma ordem de princípios eternos absolutos e imutáveis cuja existência é imanente à própria natureza humana. Há um “direito natural” anterior ao conjunto de leis postas e aprovadas pelo Estado.

Segundo tal corrente, desde que o homem se vê em sociedade sabe comportar-se nela em razão da existência de um conjunto de ordens tidas como naturais, que regem suas relações inter-subjetivas. Muito antes do Estado produzir as leis, os homens já eram sujeitos de relações regulada por esta ordem natural baseada no senso de justiça: plantavam, trocavam produtos constituíam família, tinham escravos, transferiam seus bens de ascendente para descendente. Para a corrente jusnaturalista, este conjunto de ordens naturais constitui-se no direito. As intervenções estatais, feitas por uma ordem legal, limitam-se apenas a tornar estáveis as relações “jurídicas” já existentes. Por isso a definição do conceito de “direito” não se limita apenas à ordem posta pelo Estado, mas a algo maior: uma ordem natural. Neste contexto, as leis jurídicas pertencem à natureza e,

embora algumas sejam consolidadas pelo poder estatal na forma de direito posto, o objeto das Ciências Jurídicas é esta ordem natural, materializada nas leis do Estado.

O conceito de “ordem natural”, alterou-se substancialmente, acompanhando as modificações filosóficas do transcorrer histórico, de modo que podemos identificar três fases do Jusnaturalismo: (i) clássico; (ii) medieval; (iii) moderno.

O Jusnaturalismo clássico é marcado pelo pensamento grego pré-socrático e tem fundamento na existência de uma lei natural. A “ordem natural” é inerente à essência das coisas, permanente e imutável. Deste modo, da mesma forma que há uma ordem intrínseca na natureza para os movimentos dos corpos, para transformação da matéria, existe uma ordem jurídica para o convívio em sociedade: o direito. Seus principais representantes são SÓCRATES, PLATÃO e ARISTÓTELES.

No jusnaturalismo medieval, a “ordem natural” deixa de ser o modo próprio das coisas para ser a vontade divina. Misturam-se o conceito de “direito” com o de “justiça divina”. O direito passa a ser visto como uma ordem ontológica que expressa o justo, de modo que, a positivação das leis pelo Estado está subordinada às exigências de uma ordem normativa superior, a justiça divina. Seus principais representantes são SANTO TOMÁS DE AQUINO e SANTO AGOSTINHO.

E, no jusnaturalismo moderno a “ordem natural” não se encontra na essência do convívio social ou na vontade divina. É o homem que ordena as coisas por meio da razão e assim o faz com a sociedade. O direito passa a ser visto como uma ordem racional, ou seja, o que a razão humana entende como justo. Seus principais representantes são ROUSSEAU, HOBBES e LOCKE.

Em suma, na concepção jusnaturalista, “direito” é uma ordem natural e a função do Estado, mediante a produção e aprovação de leis, nada mais é do que positivar normas já existentes, como meio de se alcançar a justiça social. Há duas formas, no entanto, de conceber a ordem positivada: (i) a monista, que elimina qualquer outro direito que não o natural, considerando que este é uma mera exteriorização daquele; e (ii) a dualista, que difere ‘direito natural’ e ‘direito positivado’, mas declara a supremacia daquele em relação a este.

4.2. Escola da Exegese

A Escola da Exegese surgiu na França, no início do século XIX, no decorrer da Revolução Francesa, com a codificação do direito civil francês e unificação das leis na promulgação

do Código de Napoleão. Segundo esta concepção, não há direito fora do texto legal. Este consubstancia-se num sistema normativo emanado do poder estatal, prescritor de todas as relações e conflitos humanos e incapaz de sofrer modificações ou influências da dinâmica social na qual se encontra inserido. O fundamento da Escola da Exegese está na lei escrita. Ela é a única expressão do “direito” que se encontra todo codificado.

Por idolatrar a lei, seus adeptos se atêm à interpretação literal, alguns mais radicais pregam, inclusive, a desnecessidade da interpretação. O texto se revela na sua gramaticalidade, suas palavras são e dizem tudo, dispensando, assim, outro entendimento que não o positivado pelo legislador. Neste sentido, como a lei contém todo “direito” e este é certo e completo, o processo de aplicação passa a ser mero silogismo. O trabalho do julgador, resume-se apenas em aplicar as leis e o do jurista em revelá-las. Ambos atêm-se com rigor absoluto ao texto legal, exercendo função meramente mecânica.

Em suma, o que vale para a Escola da Exegese é o texto codificado. O conceito de “direito” está relacionado à idéia de “lei” que, de acordo com o posicionamento desta escola, é absoluta, completa e clara. A lei é compreendida e aplicada a partir de esquemas da lógica dedutiva, criados para revelar o sentido literal dos textos, nada acrescentando nem retirando da regra positivada79.

4.3. Historicismo

A Escola Histórica do Direito surgiu na Alemanha, na primeira metade do século XIX, como reação política aos ideais burgueses e ao racionalismo de todas as formas, que marcaram a concepção da Escola da Exegese.

Solidificada no pensamento de SAVIGNY, essa corrente contrapõe-se ao jusnaturalismo e ao empirismo exegético, concebendo o “direito” como produto da história social, que se fundamenta nos costumes de cada povo e não na racionalização do legislador. A idéia basilar é a oposição à codificação do “direito”, pois este é tido como expressão ou manifestação da livre consciência social. “O legislador não cria direito, apenas traduz em normas escritas o direito vivo, latente no espírito popular que se forma através da história desse povo, como resultado de suas aspirações e necessidades”80.

79 Vide MARIA HELENA DINIZ, Compêndio de introdução à ciência do direito, p. 50-57 80 Idem, Idem, p. 98.

O Historicismo Jurídico substitui a lei pela convicção popular, manifestada sob a forma de costume, direcionando o estudo do fenômeno jurídico ao ambiente social em que é produzido. O “direito”, para esta corrente, longe de ser criação da vontade estatal, é produto do “espírito popular”, constituído pelos costumes sociais. A análise jurídica, neste sentido, volta-se aos estudos dos costumes, determinados pela história da sociedade.

Em suma, para historicismo jurídico o conceito de “direito” está atrelado à revolução histórica da sociedade. As normas jurídicas aplicadas, não são as leis codificadas, mas o uso e o costume de um povo.

4.4. Realismo jurídico

A Escola do Realismo Jurídico desenvolveu-se na primeira metade do século passado XX, principalmente na Escandinávia e nos Estados Unidos da América, como vertente do sociologismo jurídico (positivismo sociológico), atribuindo um enfoque social ao “direito”, também voltado para sua efetividade. Na concepção desta escola o “direito” é resultado de forças sociais e instrumento de controle social, não existe, portanto, separado do fato social, contudo, a preocupação central volta-se para a verificação da conduta de aplicação do “direito”, o que só é possível, nos termos dessa corrente, com a análise empírica.

As duas difusões mais importantes da Escola são: (i) realismo jurídico norte- americano; e (ii) realismo jurídico escandinavo.

De acordo com a primeira corrente, desenvolvida no sistema da common law, onde os juízes possuem um importante papel no plano da produção normativa, o “direito” tem natureza empírica, constituindo-se num conjunto das decisões tomadas pelos tribunais em relação a casos concretos. Embora seus adeptos relacionem o conceito de “direito” a origens sociais (numa visão sociológica), consideram que este se manifesta com a atividade do Poder Judiciário. Neste contexto, sua existência vincula-se à vontade do julgador. O “direito” é fruto da decisão política do juiz e não de uma norma de hierarquia superior, pois ninguém pode conhecer o direito (real e efetivo) relativo a certa situação até que haja uma decisão específica a respeito. Resumindo, na concepção do realismo norte-americano, o “direito” é aquilo que os tribunais concretizam, produto das decisões judiciais, fundado em precedentes jurisprudenciais.

Já o realismo jurídico escandinavo, preocupa-se com a questão hermenêutica, buscando a descoberta de princípios gerais, resultantes da experiência concreta da sociedade, para implementá-la. Tal corrente, interpreta o “direito” em razão da efetividade social das normas jurídicas, mediante observações empíricas de cunho psicológico ou sociológico, buscando certa correspondência entre seu conteúdo “ideal” e os fenômenos sociais. Influenciada pela filosofia da linguagem a Escola concebe o direito como meio de comunicação entre os seres humanos, mas atribui-lhe um enfoque sociológico, considerando-o uma forma de controle do comportamento inter-humano (é, por isso, também denominada de realismo lingüístico), determinado pela finalidade social. A Ciência do Direto é concebida como Ciência Social empírica (de observação experimental), dado que as decisões judiciais não se encontram apenas motivadas por normas jurídicas, mas também por fins sociais e pelas relações sociais relevantes para concretização destes fins.

Sob a rubrica de “realismo jurídico” alguns autores, como MIGUEL REALE, reúnem todas as teorias que consideram o “direito” sob o prisma predominantemente (quando não exclusivo) social81, o que inclui o positivismo sociológico, o historicismo jurídico e algumas tendências da escola da livre investigação do direito. Nós restringimos o termo para designar o pensamento das Escolas escandinava e norte-americana que atribuem um enfoque empírico-social ao “direito”, mas voltado para sua efetivação.

4.5. Positivismo

O termo “positivismo” é utilizado para designar duas tendências epistemológicas, que tem como ponto comum o afastamento do “direito natural” e o reconhecimento do “direito positivo” como aquele vigente e eficaz em determinada sociedade, mas que muito se distanciam na delimitação do conceito de “direito”. São as Escolas: (i) do positivismo sociológico, ou sociologismo; e (ii) do positivismo jurídico.

O positivismo sociológico adveio da teoria de AUGUSTO COMTE, traduz-se num exagero da Sociologia Jurídica, que concebe o “direito” como fenômeno social, objeto das Ciências Sociais. A Ciência do Direito é vista, neste contexto, como um segmento da Sociologia (Sociologia Jurídica). O “direito” como fato social deve ser estudado e compreendido pelo método sociológico. As idéias do positivismo sociológico são manifestas no direito brasileiro na obra de PONTES DE MIRANDA, que chegou a afirmar que: “a Ciência Positiva do Direito é a sistematização dos conhecimentos positivos das relações sociais, como função do desenvolvimento geral das

investigações científicas em todos os ramos do saber. Nas portas das escolas de direito deveria estar escrito: aqui não entrará quem não for sociólogo”82. Como principais representantes desta tendência temos: DURKHEIN, DUGUIT, GURVITCH e no Brasil, TOBIAS BARRETO, ALBERTO SALES, CLÓVIS BEVILÁQUA, dentre outros.

O Positivismo Normativo ou Jurídico é marcado pela tentativa de fundamentação autônoma da Ciência do Direito, sugerida na Teoria Pura de HANS KELSEN. Surgiu como reação à falta de domínio científico da Ciência Jurídica que, reduzida à Sociologia, submetia o “direito” a diversas metodologias empíricas (psicologia, dedução silogística, histórica, sociológica, etc.), tomando emprestados métodos próprios de outras Ciências para seu estudo. Com isso, não havia autonomia científica. O cientista do direito estava autorizado a ingressar em todos os domínios empíricos sob o fundamento de um estudo jurídico. Como reação a tal situação, KELSEN propôs a purificação metodológica da Ciência Jurídica, ou seja, a investigação do “direito” mediante processos próprios que o afastassem da Sociologia, da Política e da Moral. E, assim o fez submetendo-a a uma dupla depuração:

(i) primeiro, procurou afasta-la de qualquer influência sociológica, libertando a vinculação da concepção de “direito” à análise de aspectos fácticos. Ao jurista não interessa explicações causais das normas jurídicas. O objeto de uma Ciência do Direito Pura são as normas jurídicas, o jurista já as recebe prontas e acabadas, de modo que, não lhe interessa saber o que veio antes ou depois, nem o que motivou sua produção.

(ii) segundo, retirou do campo de apreciação da Ciência do Direito a ideologia política e os aspectos valorativos do direito, relegando-as a Ciência Política e a Ética, a Filosofia Jurídica e a Religião. Não interessa, para o jurista, analisar os critérios políticos que motivaram o legislador na produção das normas jurídicas, pois estes são anteriores a elas, nem os aspectos valorativos a ele atribuídos, vez que toda valoração supõe a aceitação de uma ideologia.

Com esta depuração, KELSEN delimitou as normas jurídicas como único objeto da Ciência do Direito, que as deve expor de forma ordenada e coerente. O problema do jurista resume-se em saber como as normas jurídicas se articulam entre si, qual seu fundamento de validade e qual critério a ser adotado para definir-lhes unidade sistêmica.

82 Introdução à política científica e fundamentos da ciência positiva do direito, p. 19, apud MARIA HELENA DINIZ,

Em suma, a Escola do Positivismo Normativo concebe o “direito” como conjunto de normas jurídicas, afastando do campo de estudos da Ciência do Direito tudo aquilo que extravasa os limites das normas postas. O direito natural, bem como o fato social, os costumes e os valores de justiça são excluídos da categoria do “direito”, que passa a ser compreendido apenas como o “direito posto”.

4.6. Culturalismo Jurídico

O Culturalismo Jurídico surgiu como reação ao Positivismo, que nos seus termos, contentava-se apenas com as conexões estruturais do “direito” sem cuidar dos valores ou significados destas estruturas. A Escola concebe o “direito” como fator cultural, dotado de sentido, constituído de valores, sendo estes determinados historicamente. Nesta estreita, a Ciência Jurídica aparece como Ciência Cultural, de base concreta, mas que repousa seu domínio no campo dos valores, determinados “sob o influxo de conteúdos ideológicos em diferentes épocas e conforme a problemática social de cada tempo e lugar”83.

Foi na Escola de BADEN, a que se filiaram LASK e RADBRUCH, que o culturalismo jurídico fincou suas bases filosóficas. Com a percepção do conceito de valor como elemento-chave para a compreensão do mundo, no corte feito por KANT entre ser e dever ser, a Escola impôs entre realidade e valor, um elemento conectivo: a cultura, ou seja, um complexo de realidades valiosas (referidas a valores)84. Constituiu-se, assim, uma Filosofia da Cultura, em torno da qual se desenvolveram as diversas espécies de culturalismo jurídico.

O “direito”, na concepção culturalista é tido como bem cultural. Os bens culturais são constituídos pelo homem, para alcançar certas finalidades específicas, isto é, certos valores. Pressupõem sempre um suporte natural, ou real, ao qual é atribuído um significado próprio, em virtude dos valores a que se refere, vividos como tais através dos tempos. Neste sentido, o “direito” constitui- se num conjunto de significações, analisado como objeto da compreensão humana, impregnado de valores e condicionado culturalmente.

Forte defensor do Culturalismo Jurídico no Brasil, MIGUEL REALE explica que “a descrição essencial de um fenômeno cultural qualquer, resolve-se na necessária indagação que

83 MARIA HELENA DINIZ, Compêndio de introdução à ciência do direito, p. 131. 84 MIGUEL REALE, Teoria tridimensional do direito, p. 70

qualificamos de histórico-axiológica, ou crítico-histórica, inerente à subjetividade transcendental”85. Nos termos desta corrente e de acordo com a dialética que envolve sujeito-objeto e valor-realidade, o fenômeno jurídico, caracterizado como cultural, pode ser estudado segundo dois pontos de vista: (i) sob sua objetividade (descrição fenomenológica); (ii) sob sua subjetividade (como se manifesta histórica e axiologicamente no sujeito cognoscente).

4.7. Pós-Positivismo

O Pós-positivismo é um movimento recente que mistura tendências normativistas e culturalistas, surgindo como uma crítica à dogmática jurídica tradicional (positivismo), à objetividade do direito e à neutralidade do intérprete. Suas idéias ultrapassam o legalismo estrito do positivismo sem, no entanto, recorrer às categorias da razão subjetiva do jusnaturalismo.

Como uma de suas vertentes podemos citar a escola do Constitucionalismo Moderno, difundida no Brasil por LUIS ROBERTO BARROSO86, cujos traços característicos são a ascensão dos valores, o reconhecimento da normatividade dos princípios e a essencialidade dos direitos fundamentais. Tal escola traz a discussão ética para o direito, exaltando os princípios constitucionais como síntese dos valores abrangidos no ordenamento jurídico que dão unidade e harmonia ao sistema. O direito é visto como uma mistura de regras e princípios87, cada qual desempenhando papéis diferentes na compositura da ordem jurídica. Os princípios, além de atribuírem unidade ao conjunto normativo, servem como guia para o intérprete, que deve pautar-se neles para chegar às formulações das regras.

Como outra vertente deste movimento, fundada nas lições de LOURIVAL VILANOVA, enquadra-se a escola a qual nos filiamos: o Constructivismo Lógico-Semântico, que tem no movimento do Giro-lingüístico, na Semiótica, na Teoria dos Valores e numa postura analítica suas ferramentas básicas. Apesar de não trabalhar com os mesmos postulados da escola do Constitucionalismo Moderno, tal corrente mistura tendências normativistas e culturalistas, por isso, enquadra-se como uma das vertentes deste movimento. Seus pressupostos, no entanto, serão observados com maior detalhamento no decorrer deste trabalho.

85 Filosofia do Direito, p. 368.

86 Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-

positivismo).

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