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Considerações sobre a verdade

No documento TEORIA GERAL DO DIREITO (páginas 35-38)

LIVRO I PRESSUPOSTOS DO CONSTUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO

2. PRESSUPOSTOS DO CONHECIMENTO

2.6. Considerações sobre a verdade

A definição clássica de “conhecimento” originada em PLATÃO, diz que ele consiste de crenças e verdades justificadas. As crenças são afirmações sobre as quais se tem certo grau de certeza, são proposições consideradas como verdadeiras. A certeza de uma crença é fundamentada na justificação, que se aperfeiçoa mediante aquilo que denominamos de provas ou premissas. Tanto as provas como as premissas, no entanto, nada mais são do que outras crenças. Assim, uma proposição é verdadeira quando cremos na sua veracidade e podemos comprová-la, justificando-a por meio de outras crenças. Neste sentido, a realidade (como ela é) é a verdade em que se crê, ou seja, é a totalidade das afirmações sobre a qual se tem certo grau de certeza.

Adotamos a concepção segundo a qual a verdade é o valor atribuído a uma proposição quando ela se encontra em consonância a certo modelo. Seguindo a linha das considerações feitas acima, aquilo que chamamos de “modelo” não passa de um conjunto estruturado de formulações lingüísticas. Por esta razão, podemos dizer que a verdade se dá pela relação entre linguagens. É pelo vínculo estabelecido entre uma proposição e as linguagens de determinado sistema que podemos aferir sua veracidade ou falsidade. Considera-se verdadeira a proposição condizente com o sentido comum, instituído dentro de um modelo. Destaca-se, assim, a importância da noção de sistema de referência para atribuição do valor verdade a qualquer afirmação.

Tradicionalmente, nos termos da filosofia da consciência, a verdade era tida como uma relação entre sentença e coisa. Este conceito, entretanto, não se encaixa na concepção filosófica por nós adotada, segundo a qual a linguagem cria os objetos e, sendo assim, não existe qualquer relação entre sentença e coisa, apenas entre sentença e outras sentenças. A verdade não se descobre, pois não há essências a serem descobertas, ela se inventa, se constrói linguisticamente dentro de um sistema referencial, juntamente com a coisa. Por isso, a verdade de ontem já não é a verdade de hoje. O mundo de antigamente, por exemplo, era plano, atualmente é redondo; o sol girava em torno da terra, agora a terra gira ao redor dele; até pouco tempo Plutão era um planeta, hoje não é mais. Tudo isso porque, o valor de veracidade atribuído a uma proposição pode ser alterado em razão do referencial adotado.

Enxergamos as coisas dentro de uma cultura particular, própria de nossa comunidade lingüística, de modo que, a constituição individual do objeto deve justificar-se numa interpretação estabelecida, aceita dentro desta comunidade. Todo sistema de referência, no entanto, é mutável, podendo sofrer alterações a qualquer momento. O índio que sai de sua aldeia para estudar na cidade grande, por exemplo, deixa de ver o “boitatá”, na forma azulada que sai de noite dos corpos de animais mortos, para enxergar ali o gás metano exalado no processo de putrefação. A verdade “boitatá” altera- se para a verdade “gás metano” devido à mudança de referencial. Neste sentido, toda proposição tomada como verdadeira é falível, podendo ser sempre revista em conformidade com novos referencias adotados.

A pergunta “que é verdade?” aflige a humanidade desde seus primórdios filosóficos30. Várias correntes do pensamento voltam-se à solução de tal questão, dentre as quais podemos citar: (i) verdade por correspondência31; (ii) verdade por coerência32; (iii) verdade por

30 Consta, inclusive, dos relatos bíblicos que esta pergunta foi feita a Jesus Cristo, quando interrogado por Pôncio Pilatos, e

que este, justamente, por estar convicto da inexistência de verdades absolutas, nem esperou resposta para lavar suas mãos e entregar Jesus para a crucificação. – “Pilatos perguntou: “Então, tu és rei?” Jesus respondeu: “Tu o dizes, eu sou rei! Para isto nasci. Para isto vim ao mundo: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta minha voz”. Pilatos, por fim lhe perguntou: “Mas que é a verdade?”. Dito isto saiu de novo ao encontro dos judeus e comunicou-lhes: “Não acho nenhuma culpa nele”. (João18,37-38)

31 Sustenta a teoria da verdade por correspondência que esta se define pela adequação entre determinado enunciado e a

realidade referida. Um enunciado é verdadeiro quando condizente com a realidade por ele descrita e falso quando não condizente. Tal posicionamento filosófico não é compatível com as premissas firmadas neste trabalho, segundo as quais as coisas só têm existência para o ser humano quando articuláveis em seu intelecto, ou seja, quando constituídas em linguagem. Assim, não há como verificar a compatibilidade de um enunciado com o objeto ao qual ele se refere, mas somente com outro enunciado. Ademais, nenhuma sentença é capaz de captar o a totalidade do objeto, pois nossa percepção do mundo é sempre parcial e neste sentido, não há possibilidade de correspondência entre qualquer enunciado e o objeto-em-si, ao qual ele se refere.

32 A teoria da verdade por coerência parte do pressuposto que a realidade é um todo coerente. Uma proposição é verdadeira

quando deduzida de outras proposições e não-contraditória com as demais de um mesmo sistema. Tais critérios definem a verdade interna de um certo sistema e preservam a ausência de contradição entre seus termos.

consenso33; e (iv) verdade pragmática34. Mas, a que melhor se enquadra no modelo adotado neste trabalho é a verdade como valor em nome do qual se fala, característica lógica necessária de qualquer discurso descritivo (verdade lógica).

Sempre que informamos algo o fazemos em nome de uma verdade. Sem esta aspiração a descrição não tem sentido. Isto porque, quando emitimos uma mensagem descritiva, nossa pretensão é de que seu receptor a aceite, ou seja, a tome como verdadeira, pois só deste modo ela terá o condão de informá-lo. Falamos, assim, em nome de uma verdade, até quando mentimos. Atribuímos este valor às proposições descritivas por nós formuladas almejando que outras pessoas nelas creiam. E, tais pessoas lhes atribuem este mesmo valor ao aceitá-las. É neste sentido que dizemos ser a verdade característica lógica necessária dos discursos informativos.

Como valor, a verdade é um conceito metafísico. Os conceitos metafísicos são aqueles que transcendem a física, isto é, que ultrapassam o campo do empírico e, por isso, não são susceptíveis de apreciação pela experiência. Como bem explica FABIANA DEL PADRE TOMÉ em brilhante estudo sobre a prova no direito tributário, “todos falam em nome da verdade, mas não há como saber mediante procedimentos experimentais, quem está realmente dizendo a verdade”35. Dizer, no entanto, que a verdade é um conceito insusceptível de experiência, não significa afirmar ser ele ininteligível. Como sublinha a autora, “o fato de ser inexperimentável não se confunde com a incognoscibilidade: o metafísico é passível de conhecimento, ainda que não empírico”.

Atribuímos o valor verdade a uma proposição quando identificamos a presença de certos critérios, estes sim susceptíveis de apreciação pela experiência. A eleição de tais critérios, no entanto, também está condicionada pelo sistema (língua) habitado por cada intérprete. E, logo que fixados, já é possível identificar concretamente quais proposições são verdadeiras e quais são falsas.

Nos termos das premissas pontuadas neste trabalho, adotamos o critério da consonância da proposição com certo sistema de referência. Uma proposição é verdadeira quando está de acordo com uma interpretação aceita, instituída nos moldes dos referencias, dentro dos quais é processada. Nos dizeres de DARDO SCARVINO, “um enunciado é verdadeiro, em princípio, quando

33 Segundo a teoria da verdade por consenso, a verdade decorre do acordo comum entre indivíduos de uma mesma

comunidade lingüística. Uma proposição é verdadeira quando aceita como tal por um grupo social. Este posicionamento é compatível com as premissas adotadas neste trabalho se considerarmos que os critérios de aceitação são determinados pelo próprio sistema lingüístico em que a proposição é processada.

34 Para a teoria da verdade pragmática um enunciado é verdadeiro quando tem efeitos práticos, ou seja, quando é útil.

Verdade se confunde com utilidade.

resulta conforme com uma interpretação estabelecida, aceita, instituída dentro de uma comunidade de pertinência”36.

O autor ainda chama atenção para o fato de que os enunciados tidos como verdadeiros “não dizem o que uma coisa é, senão o que pressupomos que seja dentro de uma cultura particular, sendo este pressuposto, um conjunto de enunciados acerca de outro pressuposto”. O próprio sistema referencial, dentro do qual são processadas e verificadas as informações tidas por verdadeiras, é um conjunto de crenças, ou seja, de outras proposições tomadas como verdadeiras. Acolhemos certas crenças e as utilizamos como ponto de partida para o desenvolvimento de novas proposições que, por consonância com aquelas são tomadas como verdadeiras. Uma crença, assim, se sustenta sempre em outra, caracterizando-se as proposições verdadeiras como interpretações que coincidem com outras interpretações prévias.

No documento TEORIA GERAL DO DIREITO (páginas 35-38)