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SOBRE A DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE “DIREITO”

No documento TEORIA GERAL DO DIREITO (páginas 57-60)

CAPÍTULO II O “DIREITO” COMO OBJETO DE ESTUDO

2. SOBRE A DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE “DIREITO”

Traçamos, desde logo, uma distinção: uma coisa é o conceito de “direito”, outra sua definição. JOHN HOSPER destaca que uma pessoa pode possuir o conceito de uma palavra, saber utilizá-la em diversos contextos todos os dias, sem ser capaz de lhe dar uma definição62. Isto porque, definir é por em palavras o conceito.

Muitas vezes temos a idéia do termo, ou seja, das suas possibilidades de uso num discurso, mas não somos capazes de apontar, por meio de outras palavras, as características que fazem com que algo seja nominado por aquele termo, isto é, que fazem com que possa ele ser utilizado em certos contextos. Para ser fixada, a idéia do termo precisa ser demarcada linguisticamente, ou melhor, constituída em linguagem, pois, como pressupomos, só assim ela se torna articulável intelectualmente.

61 Fontes do direito tributário, p. 52. 62 Introducción al analísis filosófico, p. 142

É por meio da definição que realizamos tal demarcação. Definir, assim, é explicar o conceito, pô-lo em palavras, é identificar a forma de uso do termo.

Não é demasiado reforçar que o conceito de um vocábulo não depende da relação com a coisa, mas do vínculo que mantém com outros vocábulos. Nestas condições, definir não é fixar a essência de algo, mas sim eleger critérios que apontem determinada forma de uso da palavra, a fim de introduzi-la ou identificá-la num contexto comunicacional. Não definimos coisas, definimos termos. Os objetos são batizados por nós com certos nomes em razão de habitarmos uma comunidade lingüística, ao definirmos estes nomes restringimos suas várias possibilidades de uso, na tentativa de afastar os problemas de ordem semântica inerentes ao discurso. Por isso que, quanto mais detalhada a definição, menores as possibilidades de utilização da palavra.

Toda definição é composta de duas partes: (i) definiendum, termo a definir; e (ii)

definiens, enunciação do significado do termo.

Para a constituição do definiens utilizamo-nos de certos critérios, escolhidos de acordo com nossa tradição lingüística, os quais são responsáveis pela indicação da forma de uso da palavra. Ao eleger tais critérios separamos dois tipos de características: (i) definidoras; e (ii) concomitantes. As primeiras (definidoras) são utilizadas para demarcação do conceito no qual o objeto é pensado. Estando elas presentes em todos os objetos nominados pelo termo (definiendum), são responsáveis por atribuirmos a tais objetos o mesmo nome. Já as segundas (concomitantes) são as infinitas outras, percebidas ou não, que não levamos em conta na delimitação do conceito do termo.

Como já fixado, o conceito de uma palavra pode ser visto sob dois fatores: (i) conotação, formada pela classe de seu uso (x) excluída a de seu não-uso (-x); e (ii) denotação, formada pelos elementos que se subsomem à tal classe, ou seja, aquelas significações que podem ser nomeadas de x. Atento a tais fatores RICARDO GUIBOURG diferencia: (i) definições conotativas e (ii)

definições denotativas63. As primeiras delimitam o uso da palavra, apontando, mediante outros vocábulos, os critérios (características) que nos fazem chamar certos objetos por aquele nome, de forma que, mesmo não enumerando tais objetos há possibilidade de identificá-los. Já as segundas não indicam as características comuns que nos possibilitam agrupar certos objetos sob a denominação do termo definido, mas enumeram os objetos por ele nomeados, permitindo, assim, a identificação de seu conceito.

Para elucidar esta diferenciação o autor utiliza como exemplo a palavra “planeta”. Enunciar: “Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno” é definir denotativamente o termo, ao passo que enunciar: “corpo celeste, opaco, que brilha pela luz reflexa do Sol, arredor do qual descreve uma órbita com movimento próprio e periódico” é definí-lo conotativamente. Nota-se que as denominadas definições denotativas são abertas, não determinam o conceito, elas o induzem e, por isso, clamam por uma definição conotativa. É esta última que nos autoriza usar a palavra “planeta” numa frase, que aponta seu conceito, determinando porque algo é nominado “planeta”.

Nestes termos, no âmbito científico, as definições tidas como denotativas devem ser afastadas ou explicadas gradativamente por definições conotativas, porque, na verdade, elas nada definem. Tal recomendação parece desnecessária, mas basta um percurso despreocupado pela doutrina jurídica para percebermos que diversos autores não se dão conta deste tipo de impropriedade, fazendo uso de definições denotativas como se conotativas fossem. Um exemplo disso é verificado na questão dos “ramos do Direito”. Não são poucos os que, ao explicarem tal expressão, limitam-se a indicar significações que a denotam: “Direito Constitucional, Administrativo, Tributário, Civil, Penal, etc.”, sem determinar a conotação de “ramos do Direito”. Isto para os destinatários da Teoria soa como uma morbidade cognoscitiva: aprendemos apontar os diversos “ramos do Direito”, mas não sabemos o porquê deles serem “ramos do Direito”, ou seja, não temos delimitado seu conceito.

Além da diferenciação entre definições denotativas e conotativas RICARDO GUIBOURG trabalha com a distinção entre definições: (i) verbais; e (ii) ostensivas64. De acordo com seus critérios classificatórios, as primeiras identificam as características definitórias de uma palavra por meio de outras palavras, enquanto as segundas apontam para o objeto portador de tais características (são sempre denotativas). Um professor universitário, por exemplo, pode definir o conceito de “direito” apontando para um compêndio de legislação e dizendo: “Isto é direito”. Trata-se de definição ostensiva.

Ainda segundo os critérios classificatórios do autor, as definições podem ser: (i)

informativas, quando descrevem o costume lingüístico de certa comunidade a respeito do uso da palavra (ex: as presentes no dicionário de uma língua); e (ii) estipulativas quando identificam a forma de uso da palavra por uma pessoa em seu discurso65. É este tipo de definição que permite a introdução

64 Idem, p. 55. 65 Idem, p. 60.

de novos termos, requeridos pelo discurso científico e a precisão daqueles ordinariamente já conhecidos.

Ao definir “direito” delimitamos a realidade tomada como objeto de nossos estudos e ao explicar as categorias gerais desta realidade construímos nossa Teoria Geral do Direito. Por isso, a importância de uma definição precisa. Ora, como apreender se não se sabe o que estudar? Muitas vezes é a falta de determinação do conceito de “direito” que acarreta enorme confusão na sua compreensão, o que poderia facilmente ser solucionado com uma simples definição.

A questão é que definir “direito” não é assim tão simples. As possibilidades de suas formas de uso e estruturação frásica são muitas. Seu conceito é amplo, os vários modos de recortá-lo demonstram a infinidade de definições possíveis e, em cada uma, a constituição de diferentes realidades jurídicas. Como escolher entre uma delas? O fato é que temos de escolher, caso contrário, a experiência com a realidade “direito” resta prejudicada.

No documento TEORIA GERAL DO DIREITO (páginas 57-60)