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Enunciado e proposição

No documento TEORIA GERAL DO DIREITO (páginas 144-147)

CAPÍTULO VI O DIREITO E A LÓGICA

1.1. Enunciado e proposição

lógica como instrumento para o estudo do direito; 3. Os mundos do “ser” e do “dever-ser”; 3.1. Causalidade e nexos lógicos; 3.2. Causalidade física ou natural e causalidade jurídica; 3.3. Leis da natureza e leis do direito; 4. Modais aléticos e deônticos; 5. O caráter relacional do “dever ser”; 6. O direito e sua redução mais simples – modais deônticos e valoração da hipótese normativa.

1. LÓGICA E LINGUAGEM

O termo “lógica” (do grego logiké) pode ser utilizado em, pelo menos, duas acepções: (i) Ciência; e (ii) sistema lingüístico. Enquanto ciência, a Lógica estuda a estruturação e métodos do raciocínio humano. Raciocinar, como já vimos (no capítulo I), “consiste em manipular a informação disponível – aquilo que sabemos, ou supomos ser verdadeiro – e construir conseqüências disso, obtendo informação nova”181. A lógica cuida deste processo, mas a ela não cabe dizer como se dá o raciocínio, o que compete à Psicologia, ela cuida das estruturas formais do pensamento182. Enquanto linguagem (língua), a lógica é um sistema de significação dotado de regras sintáticas rígidas, cujos signos apresentam um e somente um sentido, que tem por função reproduzir as relações estabelecidas entre os termos, proposições e argumentos de outra linguagem, a qual denominamos de linguagem-objeto. Neste sentido, a lógica é sempre metalinguagem.

Sabendo-se que o pensamento humano encontra-se indissociavelmente atrelado à linguagem, mais acertado é dizer que a Lógica (enquanto ciência) cuida das estruturas formais de outra linguagem. Como bem ensina PAULO DE BARROS CARVALHO, “não há lógica na floresta, no fundo dos oceanos ou no céu estrelado: torna-se impossível investigarmos entes lógicos em

181 CEZAR A. MORTARI, Introdução à lógica, p. 4.

182 O objetivo inicial da Lógica, criada por Aristóteles (384-322 a. C.), era a análise de argumentos, produzidos pelo

processo de inferência, com o uso por Frege (1848 – 1925) de linguagens artificiais a lógica contemporânea ampliou seu âmbito de atuação e passou a ter outros usos como, por exemplo, a representação formal das significações de uma linguagem, passando a ser denominada como “lógica simbólica”.

qualquer outra porção da existência real que não seja um fragmento de linguagem”183. Neste sentido, a lógica (enquanto ciência ou linguagem) pressupõe sempre uma linguagem que é seu ponto de partida (objeto) epistemológico.

As fórmulas lógicas (elementos da linguagem lógica), representativas da estrutura de certa linguagem (objeto), segundo as categorias de EDMUND HUSSERL, enquadram-se na região ôntica dos objetos ideais. Não têm existência concreta, real; não estão na experiência e são axiologicamente neutras.

Apesar de só serem percebidas onde houver manifestação lingüística, não nos deparamos com as fórmulas lógicas no contado mediato com o dado físico de uma linguagem. Elas são construídas, mentalmente, mediante um processo que denominamos de “formalização”. Para entendermos, no entanto, tal processo é preciso, primeiramente, estabelecermos a diferença entre “enunciado” e “proposição”.

1.1. Enunciado e proposição

Enunciado é a expressão lingüística, produto da atividade pscicofísica de enunciação, são sentenças (frases) formadas pelo conjunto de fonemas e grafemas devidamente estruturados que tem por finalidade transmitir um conteúdo completo, num contexto comunicacional. Em outros termos, enunciado é uma forma física que, por exemplo, na linguagem escrita, manifesta-se numa seqüência de palavras (símbolos) gramaticalmente estruturadas, com o pretexto de serem significativas de um conteúdo completo (ex: “o dia está ensolarado”; “a indenização mede-se pela extensão do dano” – art. 944 CC).

As palavras podem ser combinadas para formar diversas expressões lingüísticas, enunciados e textos, mas nem toda seqüência de vocábulos é um enunciado. O que determina quais seqüências de palavras de uma língua constituem enunciados é a sua gramática – conjunto de regras que prescrevem a forma como se pode combinar os termos de uma língua. Assim, por exemplo, o seguinte conjunto de palavras “pela mede-se indenização a dano do extensão”, não constitui um enunciado, isto porque, não obedecendo as regras gramaticais nenhuma seqüência de palavras é capaz de transmitir um conteúdo completo dentro de um contexto comunicacional.

Embora intimamente relacionados, muito diferente do enunciado é a proposição, tomada como conteúdo do enunciado, o sentido que lhe é atribuído, ou seja, aquilo que construímos em nossa mente quando o interpretamos. Como suporte físico, o enunciado refere-se “a algo do mundo exterior, de existência concreta ou imaginária, atual ou passada, que é o seu significado; e suscita em nossa mente uma noção, idéia ou conceito, que chamamos de significação”184. Apesar de ambos estarem totalmente vinculados, pois não há conteúdo sem suporte físico, diferentemente dos enunciados que são dados materiais, presentes no mundo experimentável, as proposições são objetos conceptuais, que estão em nossa mente e, assim sendo, não têm natureza física.

Tomando a proposição como a significação que construímos a partir da leitura de um enunciado, temos que, de uma mesma seqüência de palavras podemos construir inúmeras proposições diferentes, dependendo dos valores atribuídos a cada um de seus termos. Por exemplo, do enunciado “é proibido usar trajes de banho” podemos construir a significação de que “deve-se usar uma roupa mais composta”, ou de que “não se deve usar roupa alguma”. Da mesma forma, duas seqüências de palavras diferentes, também podem dar ensejo à mesma proposição como por exemplo os enunciados “ligue o ar condicionado” e “o ar condicionado está ligado?”. Assim, não há relação entre o número de enunciados com o número de proposições. Porém, a cada enunciado corresponde ao menos uma proposição, caso contrário, não se trata de enunciado, pois estes só se caracterizam como tal por estimularem intelectualmente a construção de um sentido completo.

Há de se ressaltar que a proposição, é uma significação mais complexa do que aquela referente a um termo isolado. Os termos, ou palavras, são expressões físicas de idéias, noções, ou conceitos, que, por sua vez, se constituem como significações, por serem construções da mente humana que têm como base certo suporte físico. A significação de um termo isolado consubstancia-se numa idéia, ou melhor dizendo, no conceito de tal termo. A significação de um enunciado, por sua vez, consubstancia-se um juízo, o qual denominamos de proposição. O juízo (proposição) aparece em nossa mente, quando associamos idéias e somos capazes de julgar afirmativa ou negativamente tal associação.

A Lógica está voltada às estruturas proposicionais, para o modo como as idéias se relacionam na composição dos juízos e como estes se vinculam na constituição dos raciocínios e não para a forma dos enunciados, cuja análise estrutural compete à Gramática, não à Lógica. Por analogia,

podemos então dizer que a Lógica está para a proposição assim como a Gramática de uma língua está para o enunciado.

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