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Formalização da linguagem

No documento TEORIA GERAL DO DIREITO (páginas 147-149)

CAPÍTULO VI O DIREITO E A LÓGICA

1.2. Formalização da linguagem

Chegamos às estruturas lógicas por meio da formalização da linguagem objeto, processo mediante o qual os conteúdos significativos específicos das palavras são substituídos por signos convencionalmente estabelecidos, que não denotam um ou outro objeto específico, mas um conceito abstrato, não a vinculando a qualquer significado (objeto). Num primeiro momento o lógico se depara com os enunciados componentes do plano de expressão da linguagem objeto. A partir destes enunciados constrói proposições e depois, abstrai o conteúdo proposicional, substituindo os signos idiomáticos por símbolos arbitrariamente escolhidos, cujo único requisito repousa na univocidade. Assim, chega-se à estrutura da linguagem, que até então se encontrava encoberta pelas palavras e seus conteúdos significativos.

O processo de formalização, mediante o qual chegamos à estrutura de uma linguagem, não se confunde com a generalização, atividade por meio da qual se constrói uma conclusão sobre todos os fatos de uma dada matéria. Na generalização, o observador manipula conteúdos significativos, constantes e uniformes: não abandona, em momento algum, o domínio do objeto, não se desprende da irradiação semântica das palavras, permanecendo no campo dos conteúdos materiais. Se o objeto delimitado, por exemplo, for o direito positivo, sai o sujeito cognoscente pesquisando, de especificidade em especificidade, conceitos que se repetem, até identificar os traços gerais integrantes do todo, sem jamais ultrapassar os limites materiais do direito positivo. O intuito é criar um enunciado conclusivo explicativo dos fenômenos examinados e válidos para explicar aqueles ainda não submetidos à experiência. Formalizar, entretanto, é algo bem diferente. Neste processo deixa-se de lado os conteúdos significativos das palavras e dá-se um salto para o território da estrutura da linguagem, composta por fórmulas lógicas, o sujeito cognoscente abandona o campo de irradiação semântica das palavras, para lidar com o campo sintático das relações entre as idéias e proposições do discurso.

Também não se confunde a formalização com o processo de abstração isoladora utilizada para conhecer, admirar e identificar qualquer objeto. Neste último, a mente humana provoca um corte metodológico, separando cognoscitivamente a inseparável heterogeneidade do mundo que o cerca. Ao observar um problema na coluna de um paciente, por exemplo, o médico faz uma abstração conceitual, isolando-a de todos os demais órgãos do corpo humano, dos objetos a ele agregados, como

roupas e acessórios e de todos os demais que lhe são perceptíveis naquela circunstância, recolhe somente a coluna, a separando de todo o resto, como se isso fosse possível. A abstração conceitual se estabelece no nível proposicional (de conteúdo), é o isolamento de propriedades que delimitam o objeto, diferente da formalização, ou também denominada de abstração lógica, onde o sujeito cognoscitivo, ao substituir os conteúdos significativos de uma linguagem por constantes e variáveis, ingressa em outro plano, o das fórmulas lógicas, responsáveis pela estruturação da linguagem.

O percurso da formalização consubstancia-se, assim, na substituição dos termos ou enunciados da linguagem tomada como objeto, por símbolos de significação unívoca denominados

variáveis e constantes.

Nos termos da Lógica Alética, as variáveis são símbolos, representativos dos conteúdos significativos da linguagem tomada como objeto, substituíveis por diversos valores de qualquer campo do conhecimento (físico, social, musical, inclusive jurídico)185 e as constantes exercem funções operatórias fixas, são conectivos que atuam sobre as variáveis, representativo das relações entre significações na formação das proposições e entre proposições na formação do raciocínio, sendo insubstituíveis por símbolos denotativos de objetos. As constantes, conhecidas também como “conectivos lógicos”, “operadores” ou “functores” podem ser monádicas, quando afetam só uma forma, ou diádicas, quando atuam sobre duas formas conjuntamente, estabelecendo relação entre elas na formação de estruturas mais complexas. Além das variáveis e constantes, na formalização de uma linguagem, utiliza-se como símbolos auxiliares parênteses “( )”, colchetes “[ ]”, chaves “{ }” e barras “”, exatamente nesta seqüência, para esclarecer os conectivos dominantes e evitar ambigüidade quando dos agrupamentos simbólicos.

Um exemplo melhor esclarece como se dá a formalização de uma linguagem. Partindo do enunciado: “todos os cisnes são brancos”, constrói-se o conteúdo proposicional e, arbitrariamente, confere-se o símbolo “S” ao termo “cisnes” e o símbolo “P” ao termo “brancos”. Tem-se, então, o enunciado: “todo S é P”, onde “S” e “P” são variáveis de sujeito e predicado (respectivamente) susceptíveis de serem preenchidas por qualquer conteúdo (ex: todos os homens são mortais; todos os astros são estrelas; todos os números pares são divisíveis por dois; todos os carros são automotores, etc.). Seguindo o mesmo processo, elimina-se o resíduo de linguagem natural

185 A convenção mais difundida para os símbolos de variáveis é aquela representada por consoantes minúsculas do final do

alfabeto: p, q, r, s, t, u, v, w, y, z, acrescentando-lhes aspas simples, segundo as necessidades de variação simbólica. Assim, p e p’, q e q’, r e r’, lemos: “p” e “p-linha”, “q” e “q-linha”, “r” e “r-linha”. (PAULO DE BARROS CARVALHO, Apostila de lógica jurídica, p. 63).

persistente nas palavras “todos” e “é”, substituindo-as pela constante, também arbitrária “→”, representativa do vínculo implicacional entre os termos. A linguagem, então, aparece totalmente formalizada no enunciado lógico: “x(S)→x(P)”, onde se lê: “se x é S (cisne), então x é P (branco)”, ou em outros termos “S(P)”, que significa: “S tem a propriedade P”.

Por sua vez, num processo mais elaborado, a proposição “todos os cisnes são brancos”, na sua integralidade, pode ser substituída por uma variável “p” e relacionada com outra proposição “q” (construída, por exemplo, do enunciado “todos os cisnes vivem em água doce”), para a identificação de estruturas mais complexas como, por exemplo, a sentença: “todos os cisnes são brancos e vivem em água doce” (p . q), onde “p” e “q” são variáveis proposicionais. No primeiro caso, a formalização ocupa-se da compostura interna da proposição e a Lógica é dos predicados, ou “Lógica dos termos”. No segundo caso, a formalização demonstra a relação entre proposições, estamos, então, no campo da Lógica Proposicional.

As variações da Lógica Proposicional estão ligadas à finalidade empregada à linguagem, determinada pela sua função. As alterações de função determinam modificações importantes nos nexos lógicos, sendo, portanto, imprescindível para identificar o tipo de lógica com a qual devemos trabalhar. A cada função linguística, compete uma lógica diferente. Assim temos: a Lógica Apofântica (Alética ou Clássica), para linguagem utilizada em função descritiva, cujos valores são a verdade e a falsidade; a Lógica Deôntica, para linguagem utilizada na função prescritiva, cujos valores são a validade e a não-validade; a Lógica Erotética, para linguagem utilizada na função interrogativa, cujos valores são a pertinência e a impertinência; a Lógica da linguagem persuasiva, cujos valores são o convincente e o não-convincente; e assim se segue. De acordo com a função empregada, alteram-se a estrutura da linguagem e, portanto, a lógica que a representa formalmente.

No documento TEORIA GERAL DO DIREITO (páginas 147-149)