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Delimitação do objeto

No documento TEORIA GERAL DO DIREITO (páginas 45-49)

LIVRO I PRESSUPOSTOS DO CONSTUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO

3. CONHECIMENTO CIENTÍFICO

3.2. Pressupostos de uma teoria

3.2.1. Delimitação do objeto

Primeiro passo para o conhecimento científico é a delimitação daquilo que se pretende conhecer.

44 Apostila do Curso de Teoria Geral do Direito, p. 2-3.

A realidade é complexa: infinita e não demarcada, requer cortes que indicam os limites da atividade cognoscitiva, delimitando a experiência. Os cortes são realizados mediante um processo denominado de abstração, pelo qual o sujeito cognoscente renuncia partes do todo, canalizando sua atenção a um ponto específico e, embora importem perda da totalidade, aduzem especificidade ao conhecimento.

Tal processo é necessário sempre e desde o início. Para conhecermos, por exemplo, um copo de água posicionado sobre a mesa, estabelecemos recortes que o separam da mesa, das partículas de ar que o envolvem e da água que se encontra dentro dele. Realizamos, assim, uma abstração de tudo a sua volta e direcionamos nossa atenção unicamente para a materialidade, à qual atribuímos o nome de copo. Sem este recurso não há conhecimento possível.

As incisões são epistemológicas: não modificam, nem condicionam o dado físico, apenas delimitam o campo de experiência do sujeito cognoscente, constituindo seu objeto. Prova disso é que infinitos recortes podem ser feitos sobre a mesma base empírica e esta permanece sempre a mesma. Sentados numa praia, abstraímos, para fins cognoscitivos, o mar, as pedras e os coqueiros da areia, as nuvens do céu, as ondas do mar, as folhas, o caule, a raiz e o coco do coqueiro, mas tudo continua intacto, de modo que, se outra pessoa ali sentar pode fazer outra abstração. Esta é mais uma prova de que o isolamento cognoscitivo é sempre proposicional.

De acordo com o posicionamento adotado neste trabalho, o objeto do conhecimento não se encontra no plano físico, perceptível pela experiência sensorial. Ele é construído proposicionalmente como conteúdo de nossa consciência. Segundo as lições de LOURIVAL VILANOVA, do contínuo-heterogêneo que é o real, o sujeito constrói um descontínuo-homogêneo que é o objeto46. As delimitações constituidoras do objeto, no entanto, não se operam sobre o dado- empírico, mas sobre nossa percepção do mundo. Tudo que podemos saber sobre a realidade resume-se a sua significação. Neste sentido, não abstraímos, nem classificamos, nem compreendemos o dado- físico, mas sim a linguagem que o torna inteligível para nós e que independe da existência externa das coisas. O objeto do conhecimento não é a coisa concreta, experimentada fisicamente, é sempre algo construído mentalmente, que se apresenta sob alguma forma de consciência.

HEIDEGGER ensina que o sujeito vai ao objeto conhecer aquilo que, previamente, já sabe47. Esta afirmação se justifica porque só conseguimos abstrair aquilo que somos capazes de perceber como algo. E, se somos capazes de perceber algo dentre as sensações que nos cerca, é porque já temos um mínimo de conhecimento sobre este algo (ainda que apenas intuitivo), isto é, porque este algo já se constitui como conteúdo de nossa consciência. Ninguém se propõe a conhecer aquilo que desconhece por completo. O sujeito só vai ao objeto se, em algum momento, o capta como tal, ou seja, o fixa como conteúdo de alguma forma de consciência (percepção, intuição sensível, emocional, intelectual).

Temos para nós que o objeto do conhecimento é sempre interior, apresenta-se, invariavelmente, sob determinada forma de consciência e constitui-se linguisticamente. Esta é uma visão antropocêntrica dos objetos. Como explica PAULO DE BARROS CARVALHO, os filósofos separam de maneira clara duas situações: (i) objeto em sentido amplo, a coisa-em-si, perceptível aos nossos sentidos (experimentada); e (ii) objeto em sentido estrito, epistêmico, conteúdo de uma forma de consciência; por ser comum a confusão entre o objeto físico, concretamente existente e o que está em nossa consciência48.

O mundo não cabe dentro de nós, o objeto, como algo existente materialmente (objeto em sentido amplo) é transformado, para ser conhecido, em conteúdo de uma forma de consciência (objeto em sentido estrito). Que temos para nós, por exemplo, é o copo em sentido estrito, pois o copo em sentido amplo tem muito mais características do que capta nossa consciência e jamais será alcançado completamente. Conhecemos apenas o copo em sentido estrito, que se resume na representação de uma “lasca” do copo (em sentido amplo), articulável por nosso intelecto.

Neste sentido, justifica-se a distinção que os teóricos fazem entre objeto-formal e objeto-material das Ciências. De acordo com esta separação, as proposições produzidas pelo cientista criam o denominado objeto-formal (próprio de cada teoria), caracterizando-se, com relação a este, como construtivistas ou constitutivas. Mas, ao mesmo tempo, têm a função de informar sobre algo, o objeto-material (realidade experimentada), caracterizando-se, quanto a este, como descritivas ou informativas. Neste contexto, um único objeto-material dá margem à construção de infinitos objetos- formais, pois diversas teorias podem descrevê-lo cada uma a seu modo.

47 Conferências e escritos filosóficos, passim. 48 Direito tributário linguagem e método, p. 14.

MIGUEL REALE correlaciona o exemplo elucidativo do “direito” tomado como objeto-material de as várias ciências (ex: Sociologia Jurídica, Economia Jurídica, História do Direito), cada uma delas constituidoras de diferentes visões do “direito” enquanto objeto formal. E, esclarece: “não é o objeto-material que distingue uma Ciência das outras. O que diversifica um ramo do saber é seu objeto-formal, ou seja, a especial maneira com que a matéria é apreciada, vista, considerada. O objeto-formal de uma Ciência, portanto, liga-se no ângulo especial de apreciação de um objeto- material”49. É por isso que se diz ser cada teoria um ponto de vista sobre seu objeto (material).

Numa visão reducionista, porém, trabalhando com as premissas do giro-lingüístico, todo objeto do conhecimento é formal. Não temos acesso aos dados físicos, somente às interpretações que os constituem como realidade inteligível ao nosso intelecto. O próprio objeto-material, ao ser percebido ou sentido, o é como conteúdo de alguma forma de consciência, articulável intelectualmente como construção lingüística, não isenta das interferências sócio-culturais que condicionam qualquer interpretação.

Da heterogeneidade contínua do real, somente alguns dados são captadas por nossa consciência e processados linguisticamente pelo intelecto para a formação da idéia (objeto em sentido estrito). Nos dizeres de LOURIVAL VILANOVA, “o conceito (idéia) vale como um esquema em cujos limites o real é pensado. Somente aquilo que do real cai dentro da órbita desse esquema é, rigorosamente, objeto. As restantes determinações não fixadas conceptualmente pertencem ao real, existem, mas não são objeto. O objeto é o composto delineado pelo conceito. É o aspecto do real trabalhado pelo pensamento”50. Sobre este conceito, tido por nós como objeto-material (mas que não passa de uma significação), o cientista vai realizando recortes e produzindo proposições sobre, constituindo, assim, seu objeto-formal.

A delimitação do conceito do objeto marca os limites da experiência cognoscitiva. O cientista encontra-se preso às suas demarcações sob pena de não compreender aquilo que pretende, pois como enuncia KELSEN, uma teoria pura quer única e exclusivamente conhecer seu próprio objeto e nada mais além dele51. O problema, muitas vezes, é identificar precisamente aquilo que se pretende conhecer, dizer, por exemplo, onde termina a política e começa o direito, onde começa o direito e termina a sociologia, onde termina a sociologia e começa a história, etc. Uma das maiores dificuldades daqueles que se propõem a fazer Ciência é especificar estes limites e se manter neles,

49 Filosofia do direito, p. 76.

50 Escritos jurídicos filosóficos – Sobre o conceito de direito, vol. 1, p. 10. 51 Teoria Pura do Direito, p. 11.

restringindo seu campo de análise apenas ao seu objeto, justamente porque isto é, na verdade, uma construção.

No documento TEORIA GERAL DO DIREITO (páginas 45-49)