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CONSEQÜÊNCIAS METODOLÓGICAS DESTE RECORTE

No documento TEORIA GERAL DO DIREITO (páginas 76-78)

CAPÍTULO II O “DIREITO” COMO OBJETO DE ESTUDO

6. CONSEQÜÊNCIAS METODOLÓGICAS DESTE RECORTE

Voltando aos nossos estudos sobre a natureza classificatória das definições, podemos observar serem três os critérios separatórios que fundamentam a definição do conceito de “direito” com o qual trabalhamos (direito positivo): (i) ser norma; (ii) ser jurídica; e (iii) ser válida. Com o primeiro critério, dividimos a classe das normas (linguagem prescritiva), da classe das não-normas (outras linguagens: descritiva, interrogativa, poética, etc.). Com o segundo critério, separamos a classe das normas entre jurídicas (postas perante ato de vontade de autoridade competente), das não-jurídicas (morais, religiosas, éticas, etc.). E, por fim, com o terceiro critério isolamos a classe das normas jurídicas em válidas (presentes – existentes) e não-válidas (futuras e passadas – não existentes). Constituímos, assim, a classe do “direito positivo”, nosso objeto de estudo.

Com este primeiro recorte, fixamos uma visão normativista do direito, determinamos o que é o jurídico pela presença de “normas jurídicas” e, assim, delimitamos o objeto da Ciência do Direito.

Dizer que há direito onde houver normas jurídicas válidas importa, desde logo, afastar do campo de interesse da Dogmática Jurídica o “direito” passado (normas jurídicas não mais válidas) e o direito futuro (normas jurídicas ainda não válidas). Também não interessa à Ciência Jurídica as razões (políticas, econômicas ou sociais) que lhe precedem, as conseqüências (políticas econômicas ou sociais) por ele desencadeadas, nem os conceitos éticos ou morais que lhe permeiam, pois seu objeto resume-se às normas jurídicas válidas.

Esta primeira tomada de posição implica desprezar tudo que não se configura norma jurídica da abrangência do conceito de direito positivo. Como já vimos, cada Ciência existe para conhecer seu objeto e nada mais. Neste sentido, à Ciência do Direito compete o estudo do direito posto, nada além, nem antes e nem depois dele. E, considerando-se que este consubstancia-se em normas jurídicas, o objeto de estudos da Ciência do Direito são as normas jurídicas e só elas. Nada além, nem antes e nem depois delas.

Um estudo da evolução histórica das normas jurídicas, por exemplo, compete à História do Direito. A análise do fato social por elas regulado é realizada pela Sociologia do Direito. A relação das normas jurídicas com os homens (sociedade) é foco de uma Teoria Antropológica do Direito. O estudo da situação política em que foram produzidas, compete à Ciência Política do Direito. Isto tudo porque, aquilo que interessa ao jurista é “o complexo de normas jurídicas válidas num dado

país” e só. Este é o objeto da Ciência do Direito, o que não significa, porém, desconsiderarmos a importância de todos os demais enfoques, cada qual próprio de uma Ciência específica, que não a Jurídica.

O jurista, por exemplo, que se propõe a uma análise jurídica e parte da apreciação do fato social, não se restringe às normas jurídicas válidas, vai além dos recortes daquilo que delimitamos de “direito positivo” (objeto da Ciência do Direito) e, apesar de construir suas proposições em nome de uma análise jurídica, realiza um estudo sociológico, dado que o fato social é objeto de uma Ciência própria: a Sociologia. No mesmo erro insurgem todos aqueles que escapam suas investigações às normas jurídicas. Acabam por ultrapassar os limites do jurídico.

Esta é uma das conseqüências do recorte metodológico de se tomar o direito (objeto de estudos da Ciência Jurídica) como um complexo de normas jurídicas válidas. É claro que, tais restrições podem não se aplicar se as incisões na delimitação do objeto forem outras. Mas, seguindo este caminho e adotado tal posicionamento, a análise do jurista volta-se exclusivamente à norma jurídica, especificamente ao seu conteúdo, sua estrutura e às relações que mantém com outras normas jurídicas na conformação do sistema. Falamos, assim: (i) numa análise estática, voltada para o conteúdo normativo e sua estrutura; e (ii) numa análise dinâmica, direcionada à criação, aplicação e revogação de tais normas.

A expressão “direito positivo”, a princípio, parece redundante, pois para todos aqueles que adotam uma posição kelseniana não existe outro direito, senão o posto. No entanto, o pleonasmo se justifica pela ambigüidade do termo, para diferenciar sua forma de uso como “objeto da Ciência do Direito” de todas as demais acepções que possui. O qualificativo “positivo” significa produzido por um ato de vontade de autoridade e, agregado ao termo “direito”, aumenta sua precisão terminológica.

Nosso segundo recorte diz respeito à materialidade do direito. Tomá-lo como corpo de linguagem importa um posicionamento muito particular, a ser implementado com recursos das Ciências da Linguagem. Dizer que onde há direito, existe uma linguagem, na qual ele se materializa, implica, em última instância, afirmar que o objeto de análise do jurista é a linguagem positivada. Estudar o direito, assim, é estudar uma linguagem.

O trato do direito como linguagem demanda reconhecer o homem como pressuposto de sua existência. Nestes termos, o direito não é algo divino, ou dado pela natureza (como propõe o jusnaturalismo). É algo construído pelo homem para alcançar certas finalidades.

Em conseqüência disso, aparece nosso terceiro e último recorte, que imerge o jurista no universo dos valores. Tratar o direito como objeto cultural (constituído pelo homem para alcançar determinada finalidade) importa compreender sua realidade submersa num processo histórico- axiológico (cultural). Como ensina MIGUEL REALE, “cada norma ou conjunto de normas jurídicas representa, em dado momento e em função de determinadas circunstâncias, a incidência de certos valores”90. O cientista, ao lidar com o direito, trabalha a todo momento com valores, seja na construção do conteúdo normativo ou na compreensão dos fatos e das condutas valoradas pelo legislador na produção da norma jurídica.

Com este terceiro corte fixamos uma visão culturalista do direito. Este se consubstancia no conjunto de normas jurídicas válidas num dado país, que se materializam por meio de uma linguagem, mas que só têm existência e sentido porque imersas num universo cultural (valorativo), que as determinam.

No documento TEORIA GERAL DO DIREITO (páginas 76-78)