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6. Concelho de Castelo de Vide

06.26. Chafurdão de Santa Marinha CMP

Conjunto de dezasseis sepulturas em caixas formadas por lajes de granito. Atribuídas genericamente à “época medieval”, deverão datar do século VI ou VII. Escasso espólio, sobretudo com bilhas feitas a torno lento e menção a uma fíbula. Na encosta em frente existe a menção a uma antiga ermida. Em 2002 foi valorizada e é hoje visitável.

Referências: Processos IPA 86/1(113), S-627 e S-00531; Rodrigues, 1975: 177-181; RP 6/56; IRCP nº 619.

06.26. Chafurdão de Santa Marinha CMP 335

De acordo com Conceição Rodrigues, aqui estaria um ponto de povoamento relacionado com a necrópole de Santa Marinha. Neste local foi encontrada uma epígrafe funerária de um cluniense do século I d.C. A vegetação persistente não permitiu confirmar a presença humana antiga no local.

Referência: Mendes de Almeida, 1967: 68-69; Rodrigues, 1975: 177-178.

Comentários gerais

Olhando para o quadro geral do concelho de Castelo de Vide, uma primeira impressão pode ser esta: vindos do Tejo, aqui estamos a entrar no domínio das grandes

villae.

Todavia, será assim?

Não querendo levar as leituras deterministas ao extremo, parece-me no entanto interessante regressar ao quadro geográfico. À medida que vamos progredindo de norte para sul, vamos deixando os relevos do Tejo e entrando progressivamente em dois espaços: a Serra de São Mamede, que em Castelo de Vide verdadeiramente não se manifesta, pois a sede de concelho encontra-se na portela de passagem para esse ambiente, mas também os ricos solos agrícolas, mais suaves e planos, que caracterizam as freguesias de S. João Baptista e de Santa Maria da Devesa. E é precisamente aqui, nestes relevos menos pronunciados, que vamos encontrar sítios como Tapada Grande, Mascarro, Vale da Bexiga, Tapada da Pedreira ou Vale da Manceba, com pontos de povoamento que em tudo parecem villae. Saímos de uma paisagem mais agreste, com lugares que podemos interpretar como vicus, para as grandes estruturas fundiárias que geralmente associamos à paisagem do Alentejo romano.

No entanto, uma perspectiva crítica torna menos linear esta leitura. E analisar este ponto, por onde se iniciou a abordagem genérica ao concelho de Castelo de Vide, é muito estimulante, pois na realidade o feixe central do debate aplica-se, em sentido mais amplo,

aos fenómenos interpretativos e conceptuais com que o estudo da paisagem romana usualmente lida, ou à maneira como geralmente todos os sítios de alguma dimensão são encaixados na categoria villa.

Olhando com mais atenção, nos sítios referidos, nada nos indica com particular precisão, ou grau de certeza, que efectivamente estamos perante villae. O indicador genérico está ausente: os pavimentos em mosaico, o opus tesselatum. A referência à tessela de quartzo leitoso em Vale da Manceba é extremamente duvidosa, pelas próprias características petrológicas e de fractura desse material272. Apenas se regista em Mosteiros, um sítio que,

como já foi amplamente referido, mais do que uma villa poderá ter sido outra coisa e que, mais do que marcar a paisagem fundiária, marca certamente a geografia sagrada desta área, tão rica, aliás, de conteúdos.

Portanto, e regressando aos mosaicos, estão ausentes em qualquer dos locais. Pisos em opus signinum (tanques?), em tijoleiras ou lajeados de granito são conhecidos, mas não em mosaico. Pinturas murais: estão ausentes. Cerâmica de importação, tais como paredes finas, ânforas, terra sigillata (com a excepção de Mosteiros): estão também ausentes. Indicadores de monumentalidade: unicamente temos colunas em granito (Tapada Grande, também com silhares, Tapada da Pedreira e Mascarro), mas como sabemos as colunas não indicam necessariamente a existência de uma villa. Indicam, sim, duas coisas: a verticalização de planos que demonstra a monumentalidade do sítio de proveniência, e a existência de pórticos, geralmente associados a um peristilo doméstico, mas que podem na realidade pertencer a mais tipos de estruturas: fachada de um templo, galerias de um

macellum, projecção vertical de um edifício de um vicus ou uma mansio, etc. Note-se que

também existem indicadores de monumentalidade no povoado da Barragem da Póvoa (incluindo frisos decorativos, ausentes em qualquer um destes pontos) e esse sítio certamente não terá sido uma villa.

Então esta posição poderá suscitar alguma perplexidade, porque nas fichas individuais estes locais foram sendo constantemente apresentados como villae. E, de facto, poderão tê-lo sido, mas o que agora pretendo defender é uma postura mais relativista: na verdade, todos eles poderão ter sido villae, mas na verdade nada confirma que foram efectivamente

villae, portanto, todos e cada um deles poderão ter sido outro tipo de sítios. Esta situação

alerta-nos para o modo como os lugares por vezes são apressadamente classificados como aquilo que os investigadores pretendem que eles tenham sido, ou de acordo com os estereótipos conceptuais que têm em mente, mas a posição actual exige mais prudência273.

Em resumo, em nenhum deles se documentam os indicadores de gosto urbano que caracteriza o conceito-villa.

É verdade que os sítios mencionados já se enquadram em características paisagísticas e pedológicas diferentes: na realidade, em todos eles sente-se um ar de família, que tem a ver com a inserção nos cânones vitruvianos para a construção de propriedades individuais e fundiárias em meio rural. Genericamente protegidos dos ventos a norte (à excepção de Tapada Grande), inseridos a meia-encosta, dominando férteis várzeas com recursos hídricos reforçados por fontes e poços, desfrutando de ampla visibilidade (por vezes de panorâmica amplíssima, apesar da implantação discreta), discernimos em todos eles um padrão que é muito característico deste tipo de lugares.

Independentemente do que poderão ter sido, o que se destaca nas evidências materiais é a fortíssima vinculação à exploração agro-pecuária do meio envolvente. Em alguns casos, presume-se uma grande intensidade nessa dinâmica: o enorme peso de lagar da Tapada Grande é complementado com os vários pesos e mós depositados na actual casa agrícola de Monte do Doutor Eugénio e de Meada. O conjunto reforça-se com a imponente barragem, certamente para fins de regadio e de uma intensiva prática agrícola,

272 O próprio conceito de “limada pelo uso numa das faces” empregue pela autora é duvidoso face ao talhe

que uma tessela implicava.

273 Seis dos sítios do concelho – Mosteiros, Mascarro, Vale da Bexiga, Tapada da Pedreira, Vale da Manceba e

pois a sua implantação a montante do sítio impede que seja considerada como um espelho de água com fins ornamentais ou lúdicos. Nos diversos sítios registam-se pesos de lagar (Poço de Marvão, Tapada da Ameixoeira, Vale da Manceba), pesos de tear (Monte da Murela, Tapada da Pedreira e Tapada da Ribeira do Carvalho) e escórias (Vale da Manceba e Mascarro), além do forno e oficina de Mosteiros. Curiosamente, Vale da Bexiga está ausente destes indicadores o que, tendo em conta a precária intervenção no local, também não é significativo. Também de notar que nos sítios onde temos pesos de lagar não há notícia de pesos de tear, sendo aliás que estes últimos parecem corresponder a locais arqueológicos de menor dimensão e, digamos, exuberância de conteúdos, configurando a sua presença em pequenos casais. E merece menção o caso de Mascarro, onde a intervenção possivelmente incidiu sobre uma das poucas pars rusticae de que temos conhecimento no Alto Alentejo, embora mesmo assim os dados não sejam absolutamente claros, pela interrupção de um projecto promissor.

Este panorama é exclusivo da metade sul do concelho, quando os relevos se aplanam e a paisagem se torna mais suave. Na metade norte, nos domínios de Póvoa e Meadas, o registo torna-se mais fragmentado, e os sítios ainda mais difíceis de enquadrar conceptualmente. Os primeiros locais da listagem – Chão Salgado, Casão do Leandro, Casão do Inferno, Casão da Machouqueira, Poço de Marvão, Fonte da Beldroega – são desconcertantes: em meio de uma paisagem quase desértica temos volumosos materiais de construção empregues em casões agrícolas274 hoje semi-abandonados. Estes materiais

denunciam estruturas de considerável monumentalidade que terão pontuado este espaço, pois não é admissível que tenham sido transportados de muito longe para serem embutidos em construções actualmente tão irrelevantes. Estes quatro sítios encontram-se hoje no meio de uma paisagem completamente despovoada, e em grande parte de muito difícil acesso. Trata-se do terraço sobranceiro ao rio Sever, uma paisagem escalvada e desértica, muito ampla, de planalto cortado por pequenas linhas de água que correm em meio aos sulcos do xisto. Zona de grande produção cerealífera até à década de oitenta do passado século, a prática agrícola foi rasgando a fina espessura de terra arável até ferir a rocha de base, criando o ar de paisagem lunar que hoje se contempla. E todavia, nesta paisagem estéril, encontramos nas construções solitárias, hoje abandonadas, alguns elementos de grande monumentalidade: colunas e silhares, cuja romanidade é indiscutível. Não se vislumbra qualquer ponto de possível proveniência; pelo seu porte e quantidade, descarto a hipótese de terem sido para aqui trazidos de longa distância, sobretudo se pensarmos que a pedra aqui abunda, e que todas as construções onde os encontramos são irrelevantes casões agrícolas, que não justificariam tal esforço construtivo. É possível que esteja nestas paragens uma villa de grande porte ainda por localizar, embora esta seja uma área claramente marginal. Um santuário, alcandorado sobre o rio, também é hipótese a considerar. Claramente uma zona que necessitaria de prospecções de malha fina.

Sobre este espaço, portanto, não há possibilidade de se tecerem grandes considerações. Digamos que há uma relação inversamente proporcional entre a invisibilidade dos presumíveis locais de proveniência e a magnitude dos blocos pétreos actualmente visíveis. Como é natural, depreende-se a necessidade de se encarar esta margem do Sever como uma extensa área (uma língua entre o rio e a ribeira de S. João) prioritária para a realização de prospecções intensivas, de modo a captar locais que podem ainda estar por identificar e que serão o presumível ponto de origem destes materiais.

Do ponto de vista das estruturas de povoamento temos ainda um caso específico. Trata-se da estrutura que conceptualmente pode ser considerada como um vicus na Barragem da Póvoa. Próximo da necrópole de Boa Morte, e rodeado de mais tardias sepulturas escavadas na rocha, apresenta um conjunto de características que o aproximam – até pela implantação junto a um actual regolfo de albufeira – do caso da barragem do Caia

274 Porque de facto são apenas estruturas de apoio às actividades humanas desenvolvidas nesta paisagem sem

que haja habitação permanente, não se tratando por isso de montes. Reforço este ponto também para indicar o isolamento deste território.

(Arronches), embora no exemplo castelo-vidense tenhamos uma maior concentração de evidências arqueológicas. Trata-se de um modelo de povoamento disperso e polinucleado, que raras vezes tem sido identificado no território alentejano, e que por isso deverá ser olhado com grande atenção. São vários os conteúdos de relevo, desde a referência a espaços de cariz produtivo (um lagar, embora não fique claro se é atribuído à época romana) à necessidade de conhecermos melhor as arquitecturas domésticas e a compartimentação interior destas pequenas habitações, tão distante do modelo-villa que habitualmente domina a investigação. Permita-se-me no entanto destacar a estrutura interpretada como um podium de um templo, sobranceiro ao encaixe de duas linhas de água, e que poderia ser o local de proveniência do friso decorativo que surge em fotografia. Poderia tratar-se de um ponto organizador do próprio povoado, eventualmente um referente agregador da comunidade, mas será certamente mais um elemento constituinte desta geografia sagrada que na área Norte do Alto Alentejo apresenta tantos testemunhos.

Neste campo, o concelho de Castelo de Vide é um terreno fértil para o conhecimento dos cultos e crenças religiosas e das suas estruturas enquadradoras. À semelhança do vizinho espaço de Nisa, aqui encontramos mais uma divindade indígena,

Andaiecus, agora com duas relevantes especificidades: a menção a estruturas existentes no

local (ou seja, com uma correspondência arqueológica) e a inferência sobre uma formalização de um culto de carácter oracular. Ora, tal certamente implicaria uma estrutura arqueológica de recepção e albergue dos cultuantes, ou seja, uma complexidade nos espaços que aqui teriam existido, e que leva a que uma futura intervenção se possa revestir de grande interesse para a investigação.

É precisamente em complexidade estrutural que o sítio de Mosteiros apresenta uma significativa valência. A profusão de espaços visíveis ou apenas perceptíveis não facilita a análise do local, o que é um pouco paradoxal, pois geralmente ocorre o processo inverso. A verdade é que muitas das estruturas são, digamos, de sinal contraditório, pois combinam eventuais interpretações residenciais, lúdicas, produtivas e sagradas. Da mesma forma, os espaços são ambíguos, ou seja, não é fácil através da análise da ruína perceber a funcionalidade do edifício que ali terá existido. Todavia, independentemente deste aspecto e de um outro, que reside nas dúvidas que ainda se poderão levantar sobre a proveniência da ara de P. Carminius Macer (que a meu ver estão esclarecidas, mas ainda não definitivamente

esclarecidas), penso que a dimensão simbólica e/ou sagrada do local (entendendo esta

diferença no facto de o sítio ser só um santuário ou também um santuário) é indubitável. Para além da monumentalidade das estruturas do topo, há um padrão de implantação em altura que confere ao local uma majestosa abrangência visual, que do ponto de vista simbólico é fortíssima. Mas a minha impressão não se funda apenas no ar de lugar, antes em dados concretos: a estrutura do topo apresenta um largo espelho de água rectangular (com uma meia-cana em relevo bem visível) que emoldura o que parece ser um podium em alicerce de alvenaria pétrea, e a meio da encosta temos uma outra estrutura onde se combinam a silharia granítica e um amplo e robusto aparelho de opus signinum. O todo parece novamente configurar a plataforma de um podium de dimensões muito superiores ao do topo. Quanto aos núcleos da base da elevação, onde se encontram as estruturas produtivas (forno, oficina de fundição), estruturas de armazenamento de água (tanque, fonte, poço) e elementos edificados, a análise é mais dificultada pelo facto de as percepções do cariz funcional dessas valências, e do modo como se articulavam entre si, ser mais ambíguo. Retomo o que escrevi na ficha individual: na base podemos entender o espaço como uma villa, mas à medida que vamos ascendendo, o cariz sagrado vai sendo reforçado (apesar de, reforço, já existir no sopé da elevação, com os “Mosteiros” e as lendas associadas à fonte), e o elemento mais doméstico associado a uma villa se vai perdendo em função de estruturas de grande aparato.

Seja como for, na paisagem romana de Castelo de Vide o sítio de Mosteiros ganha forma por ser o local mais especificamente romano dada a profusa utilização de elementos característicos. Do ponto de vista construtivo, a variedade e qualidade de aparelhos e

técnicas introduzidas pelo contingente itálico, e no campo material, com materiais genericamente ausentes desta área regional, como a terra sigillata e as lucernas, ou o exemplar caso da urna em chumbo.

Este ponto é relevante e merece alguma atenção, pois nos diversos sítios listados vamos encontrando um, digamos, fácies identitário mais vinculado ao fundo indígena, embora se detecte, apesar dos frágeis dados disponíveis, uma ágil integração das inovações especificamente romanas. Se Mosteiros parece ser, por enquanto, um sítio com forte componente latina nas expressões construtivas e nos elementos da cultura material, os restantes sítios estão, como dizer?, com esta componente menos expressivamente marcada, o que poderá também ser originado pelo estado embrionário da investigação.

Um último comentário para a evolução diacrónica. O aspecto mais relevante parece ser o facto de uma significativa quantidade destes sítios se encontrar ocupado em períodos tardios. Para alem dos casos evidentes, nas necrópoles de Santo Amarinho e de Azinhaga da Boa Morte, também nos locais de habitação encontramos essa expressão. Necropolização da pars rustica em Mascarro, provavelmente. Capiteis paleocristãos em Vale da Bexiga e Mosteiros. Evidente diacronia na Barragem de Póvoa e Meadas. E mais alguns dados soltos que deverão ser melhor avaliados, em especial na faixa de terra ao longo do Sever. Portanto, para já, indícios de continuidade e de estabilidade nesta paisagem.