• Nenhum resultado encontrado

3. Concelho de Avis

03.13. Defesa de Barros CMP 397 / CNS 3

Villa com conteúdos muito relevantes. Implantação típica desta classe, em encosta

suave voltada a sul, com recursos hídricos e bons solos agrícolas (pesados e argilosos, como indica o topónimo) na envolvente. O sítio é facilmente localizável por se encontrar sob a igreja abandonada, em mais um dos interessantes fenómenos de cristianização (neste caso em momento mais tardio, pois o templo não será anterior ao século XVII).

Quanto às evidências arqueológicas, a visita a 16.08.2007 trouxe muito poucas novidades em relação aos momentos em que já havia sido reconhecido o sítio, pois as obras agora realizadas na igreja espalharam montes de entulho sobre a área em volta. No acesso ao local era evidente um extenso pavimento de opus signinum oculto sob as oliveiras, que ocorria em dois pontos diferentes. Em área muito extensa, não inferior a um hectare, encontravam-se materiais muito diversos, como cerâmica de construção, cerâmica comum, pesos de tear, fragmentos de terra sigillata e de ânforas. Depositados no pequeno adro da igreja estavam silhares e um tambor de coluna em granito, cuja ocorrência geológica aqui não se verifica, e que na visita mais recente já não encontrei.

O elemento mais conhecido é todavia uma ara funerária finamente decorada, uma peça de enorme qualidade de fabrico que inclusivamente motivou a visita ao local de Leite de Vasconcellos expressamente para a sua aquisição105. Decorada por motivos faunísticos,

arquitectónicos e vegetalistas, destaca-se a onomástica grega, quer de Calpúrnia (?) Hegesístrate, quer de Calpúrnio (?) Alexandre, eventualmente libertos, de acordo com a sugestão de José d’Encarnação106.

Seguramente teremos aqui uma villa com necrópole associada,107 sendo de presumir, a

partir da qualidade da epígrafe, uma elevada capacidade aquisitiva e um refinado gosto dos eventuais proprietários.

Outras referências: RP 6/134.

Casas Novas 1 * CNS / 29682

Sítio romano muito destruído por actividades agrícolas. No Monte conservam-se pesos de tear, fragmentos de cerâmica comum e um elemento de mó. No local foi destruída uma sepultura.

Processo IGESPAR 2004/1(190)

Comentários gerais

A primeira impressão que se retém sobre o povoamento romano de Avis centra-se na sua dispersão. É certo que estamos perante um extenso território, que para mais apresenta condicionantes que em alguns casos são severas para a investigação – como o facto de existirem largas extensões absolutamente despovoadas, zonas de completo abandono, onde o mato irrompe desordenadamente, ou um quadro ambiental genericamente pouco apto para o perfil de exploração latino. É certo também que estamos claramente perante um problema de intensidade da investigação: note-se como, do escasso elenco de sítios conhecidos, boa percentagem são villae, ou seja, locais com elevado registo de indicadores de superfície, que captam a atenção de outras pessoas que não apenas os investigadores; ou de como para alguns destes sítios foram as epígrafes que primeiro chamaram a atenção, levando a uma posterior identificação dos pontos de povoamento propriamente ditos. Portanto, e em resumo, poderemos optimisticamente esperar que o aprofundar da investigação, nomeadamente com a carta arqueológica concelhia em curso,

105 1916a: 317; IRCP nº 448; Matos, 1995: nº 42. 106 IRCP, nº 531.

107 Sendo que em nenhum caso, quer em prospecções realizadas em 2000-2001, quer mais recentemente,

realizei prospecções no local, mas uma mera visita ao sítio (que para mais é fácil de localizar), pelo que não tentei identificar a necrópole nem possuo dados sobre este tema.

permita avançar no plano de conhecimentos para realidades de mais difícil detecção e para uma malha mais fina de registos.

Regressando ao tema, o povoamento romano do concelho de Avis caracteriza-se sobretudo pela sua dispersão. Quero com isto dizer que a distância entre sítios é assinalável, não se observando as habituais concentrações ou alinhamentos que em outros concelhos encontramos. É certo que existem algumas associações, algumas pequenas sociedades: Monte do Castelo 1, Bembelide e Chafariz 1 e 2 estão relativamente próximos, e também em Ervedal os locais de Ladeira e Torre do Ervedal 8 não estão muito distantes. Mas não existem nexos de ligação entre os sítios (se exceptuarmos Chafariz 1 e 2, que poderemos entender como uma villa com necrópole associada), ou seja, torna-se complexo perceber se estes locais tiveram algum tipo de ligação ou de espacialidade simultânea.

Para além de rarefeito, os focos de povoamento surgem-nos aparentemente desestruturados, ou seja, não é claro um qualquer tipo de organização da rede de povoamento. Quero com isto dizer que os sítios de Avis apresentam a situação paradoxal de, nem por um lado nos surgirem de forma hierarquizada, nem (ao inverso) nos surgirem muito nivelados entre si. Esta (estranha) impressão deriva, por um lado, da sua insuficiente caracterização e entendimento (por exemplo, o que foi a Ladeira?), e por outro, da dificuldade já mencionada de conseguirmos estabelecer níveis de leitura comuns transversais entre os sítios.

Portanto, o povoamento romano de Avis surge-nos muito esparso, com um conjunto de sítios sobre os quais temos poucos indicadores, e a partir dos quais é complexa a tarefa de desenhar níveis de entendimento desta realidade.

Note-se que, sobre o concelho, não é fácil esboçar o panorama da rede viária. As propostas adiantadas por Mário Saa parecem manifestamente exageradas, nomeadamente a centralidade concedida a Ervedal que surge claramente como uma hipervalorização da localidade onde o autor tinha um dos seus espaços de trabalho108. Aliás, a rede viária do

concelho nem sequer é discernível, em dois planos: nas evidências de terreno, completamente ausentes (calçadas e/ou obras de arte), e em uma qualquer linearização na disposição de sítios no terreno a partir da qual pudéssemos supor um trajecto existente no terreno. Ora, faltando esse suporte para o conhecimento das redes de povoamento, também ficamos sem um precioso instrumento de entendimento e percepção da estrutura local.

Ausência de estruturação das redes de povoamento, e ausência de indicadores de rede viária, são então dois elementos que caracterizam a presença romana em Avis. Ambos têm em comum um dado, a ausência. E no entanto, os sítios romanos de Avis apresentam conteúdos de presença muito relevantes.

Um deles tem a ver com a existência de um conjunto de villae. Ou pelo menos, de sítios interpretáveis como tal. Em alguns casos destruídas, ou severamente danificadas, o que é sempre de lastimar: Casas Novas, Bembelide, eventualmente Carapeta e Chafariz. Em outros, sítios que ainda poderão dar frutos para a investigação: Defesa de Barros e eventualmente os sítios de Ladeira (Threpto possivelmente seria um villicus, sendo o motivo do agradecimento epigráfico a descoberta de um manancial que, não tendo propriedades salutíferas, seria de extrema importância para a prática agrícola) e Entre Águas, que pela área de dispersão poderá corresponder a um local desta categoria.

Temos portanto sete possíveis villae em quatorze sítios registados, o que é manifestamente uma inversão da estrutura piramidal que geralmente caracteriza o povoamento romano hierarquizado. Note-se que, nos sítios de tipo “casal”, temos um magro lote, com apenas Goiã, Monte da Barrada, Torre de Ervedal 8 e, eventualmente, Cardoso (um sítio mais difícil de enquadrar conceptualmente). Castelo poderá ter tido conteúdos mais ligados ao mundo votivo (a invocação teonímica é relevante, apontando para um culto religioso permanente, e não apenas um agradecimento fortuito como em

108 Ervedal, “grande estância romana, das mais intensas desta parte da Lusitânia. Apresenta casario romano,

Ladeira), e restam-nos as necrópoles de Chafariz e Carapeta, ambas curiosamente associadas de modo seguro a pontos de povoamento, uma ligação nem sempre fácil de estabelecer.

Desta forma, em Avis temos mais villae do que “casais”, pelo menos no actual estado da investigação, e em face dos elementos descritivos (muito imperfeitos, é certo). Ora, este facto é relevante por dois motivos.

Um prende-se claramente (e mais uma vez) com a geografia da investigação. É normal que sítios com maior densidade de vestígios captem a atenção das pessoas que os noticiam, sobretudo quando estamos perante um território em que muitos dos agentes eram cidadãos com escassa formação na área, ou agindo de forma voluntarista. Certamente que, com mais pesquisa, as outras categorias de sítios virão a aparecer. O facto nada tem de extraordinário e reflecte a natural progressão da investigação.

O outro dado é mais curioso e merece uma reflexão mais atenta. Na verdade, o simples facto de surgirem vários sítios classificáveis como villae (mesmo que alguns o possam não ser, mas essa é outra questão) significa simplesmente que elas terão existido, ou seja, que já estamos a entrar no território das villae. Ou seja, nesta área territorial nós teríamos três concelhos com um ambiente claramente marcado pela bacia do Tejo: Gavião, Ponte de Sôr e Avis. Mas enquanto nos dois outros concelhos as villae estão genericamente ausentes, em Avis já as recenseamos. E em rigor porque Avis é um concelho misto, de transição entre ambientes paisagísticos distintos. Na verdade, se olharmos mais para oeste, para Mora, aí sim, encontramos uma generalizada ausência dos sítios classificáveis nesta categoria. No concelho do Mora os recentes dados da carta arqueológica local trouxeram um generalizado vazio de povoamento em época romana109, concordante de resto com os

restantes concelhos do mesmo contexto paisagístico. Em Avis, pelo contrario, já encontramos villae pelo simples facto de que elas já lá estão – muito dispersas, é certo, indicando grandes territórios de exploração ou extensas áreas em vazio, uma situação que se prolonga para os concelhos limítrofes de Fronteira e Sousel, e que nos mostra como, apesar de tudo, ainda não estamos em territórios onde este modelo de povoamento estruturado nestas grandes unidades encontra o seu pleno potenciamento.

Outra hipótese explicativa, também tentada para Ponte de Sôr, reside na utilização de materiais de construção e na sua possibilidade de detecção pelo olhar do arqueólogo. Se as grandes villae mantêm a sua fisionomia construtiva, nestes solos onde a pedra muitas vezes escasseia é possível que os pequenos casais adoptassem soluções baseadas nos recursos locais: o adobe e a taipa, elementos que, como é sabido, mais facilmente se diluem com o passar do tempo e deixam, na formação do registo arqueológico, traços mais ténues. A dificuldade de identificação dos materiais de superfície seria assim dificultada pela própria matéria-prima desses mesmos materiais; e nos solos arenosos, de charneca e largas extensões de coberto silvícola que ainda predominam, estes pequenos sítios mais rapidamente vão-se apagando e mesclando com o solo natural. As largas extensões de território vazio poderiam não o estar, pelo menos de forma tão absoluta; só que estes pontos de povoamento estão perdidos na paisagem, sendo mais difícil chegar até eles.

Claro que temos de conhecer melhor o registo material destas unidades, e este raciocínio não passa de uma mera hipótese a ser testada; mas por enquanto não é de descartar esta leitura.

Se o território avisense já se encontra pontuado por villae, que tipo de sítios eram estes? A questão assume pertinência, pois estamos em território teoricamente periférico, nas margens da infra-estruturação imperial e, para mais, em zona pedologicamente menos apta.

Os dados são interessantes. Passemos em revista os diversos indicadores: elementos de mármore conhecem-se em Ladeira (incluindo dois almofarizes), Carapeta e Defesa de Barros (a ara), ou seja, uma razoável frequência, embora sem elementos arquitectónicos

noticiados. Quanto ao granito, silhares em Entre Águas, Castelo 1, Chafariz 1, Torre de Ervedal 8 (um sítio classificado como casal, que assim teria uma certa monumentalidade) e Defesa de Barros, além de Ladeira (elementos de granito, sem especificação). Inexistência de colunas ou capiteis noticiados. Podemos acrescentar as menções a opus signinum em Entre Águas, Ladeira e Defesa de Barros, pois a sua presença mostra o domínio das técnicas de saber-fazer romanas, além de poderem pertencer a estruturas funcionais ou lúdicas. Finalmente, de mosaicos, temos apenas uma ténue menção em Castelo 1 e a recolha de tesselas em Ladeira.

Passemos aos indicadores produtivos: notícia de peso de lagar em Torre do Ervedal 8, único local com esta ocorrência. Mós noticiam-se neste mesmo sítio e em Casas Novas. Ânforas estão presentes em Castelo 1 (?), Chafariz 1 e Defesa de Barros. Quanto a pesos de tear, temos Chafariz 1, Defesa de Barros e Casas Novas. Para já, as escórias estão ausentes das notícias.

Em resumo: um feixe de dados que aponta para um conjunto de unidades rurais dotadas de uma relativa monumentalidade, embora ainda estejam ausentes os elementos mais genericamente considerados, como colunas, capiteis, mosaicos e estuques. Mas de um modo geral, os sítios de Avis apresentam pautas de registos materiais reveladores de uma certa capacidade aquisitiva. Não podemos, neste momento, falar de materiais de prestígios ou de gosto urbano, mas existem efectivamente elementos caracterizadores das villae, com o seu expoente máximo na ara de Defesa de Barros, efectivamente uma peça de requinte e erudição significativas. Mais, a oferta de Threpto indica uma situação em que existe um investimento considerável em uma peça que se destina a honrar um acontecimento relativamente secundário (ou pelo menos como tal visto na óptica do investigador, pois nunca saberemos se foi a descoberta do manancial que afinal viabilizou algum tipo de investimento no local), a descoberta de uma nascente de água, querendo isto dizer que existem recursos aplicáveis naquela situação concreta.

Quanto aos indicadores económicos, ou de exploração, verifica-se que quase todos os sítios apresentam elementos que cobrem o leque de actividades tradicionalmente considerado. É certo que há uma curiosa inexistência dos elementos que temos vindo a encontrar assiduamente, em especial mais a Norte: os pesos de lagar (tirando Entre Águas, reaproveitado no templo cristão), quase omnipresentes em múltiplas villae. Mas dispomos de um lote de outras presenças, como pesos de tear, dolia e mós, além de ânforas, que denunciam a vitalidade das redes comerciais. Ou seja, um território plenamente inserido nos circuitos de troca (apesar da escassez dos conjuntos artefactuais para já noticiados) e plenamente votado a uma intensa exploração agro-pecuária do espaço envolvente.

Em resumo: um conjunto de ocorrências plenamente conforme aos que encontramos em territórios mais a oriente, mas distante do que encontramos no espaço geográfico da bacia do Tejo, a ocidente (concelhos de Ponte de Sôr, Gavião e, fora desta área de estudo, Mora). É certo que esta repartição não se faz de forma homogénea, mas tem uma fronteira natural: a ribeira de Seda, pois os sítios com o registo material analisado estão todos para Este desse curso de água. É nas freguesias de Avis, Benavila, Alcórrego ou Ervedal, que encontramos os sítios arqueológicos que apresentam as características mencionadas, e não em Valongo ou Aldeia Velha, por exemplo. E este dado é, também, interessante, porque o curso de água configura aqui um limite que não é meramente cultural mas influi na expressão material dos sítios.

Portanto, o concelho de Avis apresenta um cariz específico na distribuição de sítios, uma situação que certamente o desejável progresso da investigação já em curso poderá confirmar ou infirmar. Aqui, sem uma rede viária organizadora ou sem um elemento que estruture a rede de forma concêntrica (e refiro-me a um centro urbano ou agregador), delineia-se um quadro bastante disperso e heterogéneo, com alguns agrupamentos de sítios que estariam certamente motivados por recursos específicos (nichos de exploração em torno de manchas de solos férteis ou de pontos hídricos), mas onde não se distingue uma

arquitectura do povoamento estratificada. O dado mais relevante reside então na implantação de sítios potencialmente considerados como villae nesta paisagem dispersa.

Outro foco de informação interessante reside na presença epigráfica, que é substantiva para um concelho onde a investigação arqueológica se tem processado de um modo pouco profundo. Temos quatro epígrafes, todas alocadas a sítios concretos: Entre Águas, Castelo 1, Defesa de Barros e Ladeira. A impressão mais significativa reside na variabilidade antroponímica: duas manifestam presenças autóctones: a Lobesia filha de

Lovesius, em Entre Águas e Rufinus filho de Rufus, em Castelo, sendo que aqui o cultuante,

embora se apresente com onomástica indígena, identifica-se ao modo latino. Aliás, a epígrafe de Castelo é culturalmente muito relevante, como já tive ocasião de comentar110,

pois aqui temos uma divindade do fundo local cultuada por um elemento do fundo local, que no entanto se apresenta como um devoto que age de acordo com os preceitos e normas latinas (embora a epígrafe apresente uma óbvia rusticidade). Temos aqui claramente mais um exemplo de revestimento cultual que a romanização levou a este território. Também por este facto, seria extremamente importante localizar o santuário de Band- Saisabro para se perceber se este revestimento atingiu a própria dimensão arquitectónica do local de culto.

Regressando aos antropónimos, temos ainda o exemplo de Ladeira, com Threpto fazendo o seu voto a Fontanus, e explicitamente auto-identificando-se como SER(vus) de

Caius Appuleius Silonis. Aqui, o elemento mais curioso reside precisamente nesta auto-

nomeação servil, demonstrando a existência de redes sociais muito precisas e implementadas. Threpto seria um villicus de Silão, funcionando a Ladeira como sede de exploração agrícola, destinando-se a água da fonte a fins de regadio? E estaria Silão residindo na villa, em outra villa, ou seria um dominus absentista por residir em um qualquer centro urbano? Acrescente-se o facto de Threpto111 ser um antropónimo que ocorre nesta

área geográfica, neste caso como servus de um possível cidadão itálico. Como é evidente, os conteúdos epigráficos desencadeiam um conjunto de leituras (hipotéticas) sobre o sítio em causa que se espera possam vir a ser esclarecidas com o decorrer das escavações no local.

Resta-nos a peça de Defesa de Barros, um exemplar notável pela delicada decoração escultórica e na simbologia erudita que demonstram um requintado gosto por parte do encomendante. Aqui temos C(alpurnius?) Alexander112 e Cal(purnia?) Hegesistrate, este um

antropónimo deveras raro. O facto mais relevante reside na denominação, de origem helénica, o que pode indicar uma de três situações: uma proveniência daquela região (situação provável, tendo em conta a transmissão do nome), um modismo (bastante frequente na época) ou a presença de libertos (com atenção para a magnífica expressão plástica, embora aqui com uma notável contenção e sobriedade para o geralmente conhecido neste grupo social). Seja qual for a hipótese correcta, obriga-nos a olhar para o sítio de proveniência como uma villa que seria urgente conhecer, quer pela possibilidade de relacionarmos a cultura material (aqui entendida em sentido lato) com esta peça, quer para que se perceba a razão de, em momento já avançado, aqui ser erguida uma igreja. Em lugar de ser construída no meio do edificado do monte, como é natural nesta região, a implantação do templo coincide precisamente com a sobreposição à estrutura pagã, ficando assim a igreja no descampado em que actualmente se encontra. Provavelmente o edifício romano seria ainda bem visível, ou certamente teria algo que levou à necessidade de o recobrir, de o integrar na esfera religiosa (aliás, os pavimentos de opus signinum ainda hoje afloram).

Encontramos este fenómeno da cristianização de sítios anteriores também em Entre Águas, indicando que estes locais seriam ainda, de alguma forma, simbolicamente muito

110 Carneiro, 2009: XIII.

111 Threpto: Mérida (ILER 6205); Threptario, Merida (HAE, 1008). A designação é de origem grega; um

elemento curioso se pensarmos na epígrafe vizinha de Defesa de Barros.

112 Sendo de destacar a escassez de denominações de Alexander: na Lusitânia apenas quatro, ocorrendo

também na capital provincial (AE 1982: 484), Condeixa-a-Velha (FE 24: nº 109) e na zona de Tavira (IRCP nº 395).

relevantes – embora no sítio próximo de Benavila haja a particularidade de a epígrafe ter ficado bem exposta, na traseira do templo mas voltada para o caminho de passagem. Portanto, poderemos deduzir que a pervivência destes sítios terá sido longa, pelo menos enquanto marcos na paisagem.

Torna-se no entanto muito complexo percepcionar o que terá ocorrido ao espaço avisense entre o final do Império e a chegada muçulmana. Já discuti o modo como este parece ser um território periférico e de algum modo autónomo na sua organização, sem depender de uma rede viária consolidada ou de focos de potenciamento da estrutura de ocupação territorial. Portanto, poderemos pensar em que este seria um espaço onde ocorresse o esvaziamento típico da Antiguidade Tardia, dada a sua posição excêntrica à rede