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8. Concelho de Elvas

08.38. Quinta das Longas CMP 414 / CNS

Local interpretado como villa, embora se avente a hipótese de aqui se situar a necrópole da Quinta das Longas, dada a presença de uma base de pequena coluna (material não especificado), talvez pertencente a uma edícula ou mausoléu. Os vestígios de superfície são substanciais, com cerâmicas de construção e comum, fragmentos de dolium, alem de ânforas da Baetica. Encontraram-se silhares de granito e uma mó.

Referência: Almeida, 2000: nº 20.

08.37. Horta do Rafael CMP 414 / CNS 16221

Prosseguindo na descida do curso da ribeira de Chaves temos, sempre na margem Norte, um outro sítio, com uma grande parede de alvenaria romana ainda conservada em mais de 1.60m de altura. Apesar de só se encontrar este vestígio no local, sem ocorrência de materiais de superfície, a estrutura foi interpretada como fazendo parte de uma outra villa.

Referência: Almeida, 2000: nº 23.

08.38. Quinta das Longas CMP 414 / CNS 5722

O único projecto de investigação consistente que foi levado a cabo nesta área regional, com um programa plurianual que, apesar de precocemente interrompido e ainda não totalmente publicado, permitiu dar a conhecer a pars urbana de uma villa intervencionada de modo sistemático e rigoroso.

Porque várias publicações já foram dadas a conhecer, considero desnecessário estar a empreender uma sistemática revisão dos conhecimentos. Portanto, prefiro adoptar uma leitura mais interpretativa do que descritiva.

A primeira nota a registar centra-se na implantação espacial, canónica para o modelo das villae (com a única nota dissonante no facto de estar voltada a norte), com proximidade de abundantes aquíferos e tomando partido da ribeira de Chaves, sobre a qual deveria existir uma forma de esplanada ou varandim avançado, de acordo com a terminação da fachada norte, sendo que a adaptação do edificado à topografia indica que estaríamos

perante uma villa em patamares. Desta forma, o curso de água assumiria um papel primordial na arquitectura cénica do local, situação potenciada pelo facto de ser o presumível ninfeu o compartimento que se situaria mais próximo da ribeira460.

Note-se contudo que a villa melhor conhecida, e planimetricamente hoje realçada pelo projecto de valorização, ser a correspondente ao segundo momento de edificação. Isto porque no século I d.C. foi construído um primeiro edifício (entre os imperialatos de Tibério e Cláudio461), que em momento posterior (século III?) é sobrepujado por um outro,

cujo plano rasga completamente com a pré-existência. Esta ruptura incide na orientação das estruturas, que sofrem uma completa rotação, mas também nas técnicas construtivas462

e na racionalização dos espaços. Ou seja, em Longas temos um raro testemunho de uma radical reconfiguração de uma edificação. Note-se que mesmo durante a vida do segundo espaço existirão pontuais remodelações463. Este facto, aqui comprovado plani- e

estratigraficamente, alerta-nos para a complexidade dos processos construtivos em época romana, e para o modo como cada encomendante não hesitava em investir profundamente na criação de espaços arquitectónicos ao seu gosto, se necessário, rompendo com os edifícios anteriores.

Quanto ao término da presença humana habitando o local, está balizado ainda durante o século IV ou nos inícios da centúria seguinte464, tornando a Quinta das Longas

um caso muito singular, pois “temos assim um período de ocupação relativamente curto, confinado a três ou quatro gerações, o que confere um carácter particular ao sítio [...].”465

Portanto, um segundo edifício com forte investimento inicial mas de vida curta.

Embora não existam suficientes dados sobre a vida do primeiro edifício, é legítimo supor que a componente produtiva fosse mais marcada do que na segunda fase, em que claramente a estrutura se transforma em villa de otium e de delectatio. O facto mais curioso é a forma como a pars urbana se apresenta com um plano arquitectónico relativamente modesto e, à excepção da área do ninfeu com seu o conjunto estatuário, com baixos índices de investimento nos seus pormenores decorativos. Tal é especialmente visível nos mosaicos, que são exclusivamente de padrões geométricos ou figurativos (de padrões vegetalistas), com uma relativa monotonia e descrição que seguramente se prendem com o facto de a grande peça ornamental do ambiente doméstico ser o conjunto do ninfeu. Portanto, a modéstia das estruturas decorativas arquitectónicas e de pavimento permitia que a atenção do visitante se centrasse no espaço privilegiado. É certo que o conjunto foi muito depredado, e seria certamente um local com um forte investimento nos frisos e pavimentos marmóreos, que em grande parte foram destruídos, mas a aparência geral resulta na percepção de uma villa muito requintada, embora não ostentatória ou de excessivo fausto.

A casa articula-se em torno de um peristilo central, com um impluvium muito profundo e amplo. O conjunto seria envolvido por um pórtico colunado, com tapetes de mosaicos apresentando motivos vegetalistas. A peça principal neste bloco reside na sala de tripla ábside a ocidente, na terminação do eixo central do peristilo, em posição diametralmente oposta à entrada da casa. Curiosamente, contudo, o pavimento desta sala

460 Havendo o sítio de Torre de Sequeira 1 mesmo fronteiro à pars urbana, é de supor que este ponto fosse na

prática uma continuação da Quinta das Longas, ou tivesse uma íntima relação com a villa. Sendo assim, aqui poderíamos estar, não perante outra villa ou um mausoléu deduzido pela base de coluna, mas perante um pequeno pavilhão ou estrutura dedicada ao lazer, complementar e na dependência do sítio principal.

461 Carvalho & Almeida, 2002: 16-17. Os numismas mais precoces são do imperialato de Domiciano (Almeida

& Carvalho, 2004: 372 e fig. 2).

462 Os muros da segunda fase apresentam uma alvenaria mais heterogénea, que inclusivamente reaproveita

materiais cerâmicos da fase I.

463 “Villa I - meados do séc. I ao séc. III e Villa II - final do séc. III a início do séc. V, com três momentos de

remodelação: IIa - até ao início do séc. IV; IIb - séc. IV e IIc - final do séc. IV a início do séc. V.” (Almeida, 2000: nº 22).

464 Embora alguns remendos nos pavimentos de mosaico sejam atribuídos aos inícios do século V: Oliveira,

Carvalho & Almeida, no prelo. Todavia, os fabricos de terra sigillata clara apresentam uma predominância de tipos C e D que oscilam entre 230/240 e 350 d.C. (Almeida & Carvalho, 2004: 380).

de representação é em opus signinum, não assumindo um especial valor decorativo. Aliás, toda a sala apresenta índices de monumentalidade muito baixos, o que provavelmente se liga com a data precoce de abandono do sítio, aqui não ocorrendo os fenómenos de representação do poder do dominus que encontramos durante a Antiguidade Tardia. A norte a sala detinha um extenso espelho de água, largo e pouco profundo, que pelo seu revestimento marmóreo constituía indubitavelmente um elemento de valorização estética do conjunto.

Do lado Sul da casa correm vários compartimentos. Alguns chamam a atenção por pormenores repletos de significado. É o caso do nº 5, com a inserção de um chrismon no centro da ábside, um discreto mas revelador testemunho da presença de um novo sentimento religioso em ascensão. Neste conjunto, contudo, o espaço mais trabalhado será o do Compartimento nº 12, precedido por um vestíbulo, que contém o pavimento musivo mais relevante do sítio466, e que se constitui como um compartimento absidado (tal como

no nº 5, embora aqui exista mesmo uma individualização do espaço da ábside), que seria interiormente aquecido por um sistema que recorria a tubuli inseridos no forro da parede e que eram alimentados por um hipocausto que se encontra sob a divisão. Este sistema demonstra a grande relevância do espaço, que poderia corresponder a um scriptorium ou um

triclinium de Inverno, pavimentado com lajes de mármore no compartimento da ábside.

Uma entrada daria acesso a um compartimento que igualmente teria grandes dimensões, mas infelizmente este espaço, e também toda a fachada principal da casa, foram cortados pelo muro que actualmente separa propriedades.

Na ala norte do peristilo temos o conjunto mais rico de conteúdos culturais. Pavimentado a opus sectile de mármore e xisto, formando um jogo cromático a branco e preto que os jogos de água realçariam, teríamos um conjunto estatuário que estaria inserido em nichos parietais, datado genericamente de meados do século III, correspondendo portanto ao momento de edificação da villa II. Aqui se reconheceram elementos escultóricos pertencentes a fragmentos de dez ciclos mitológicos, perfeitamente inseridos nos cânones clássicos e pertencentes ao grupo de Afrodisias, cuja vitalidade e poder de estabelecimento na Hispania começa agora a ser reconhecido467. A decoração do espaço,

interpretado como um ninfeu, atinge portanto um requinte com raros paralelos conservados na Lusitania, reforçado ainda pelas placas de mármore que funcionariam como frisos parietais, com decoração em relevo formando um padrão geométrico. A própria escolha de elementos escultóricos de duas dimensões diferentes demonstra o modo como a sua colocação, e o ambiente do espaço, foi pensado ao pormenor. O ciclo escultórico, de indiscutível valor, seria contudo apenas mais um elemento no embelezamento e na criação de um ambiente com fortíssima carga cenográfica, que denuncia a presença de um proprietário de elevada mundividência cultural, com claro apego aos valores helenísticos e um repertório muito centrado na mitologia clássica.

É certo que o conjunto da Quinta das Longas pode ser apenas uma amostra do que seriam os programas decorativos das villae desta região. Como afirmam os autores, “es posible que programas de excavación sistemática en algunas de las uillae en esta área regional, principalmente en el território de Elvas, puedan revelar algunas sorpresas en lo que se refiere a sus programas decorativos, matizando la clasificación de excepcional que hoy atribuímos al conjunto escultórico de la Quinta das Longas.”468

Ainda nesta ala norte, a divisão nº 20 parece ter sido uma pequena cozinha, separada da gémea nº 22 por um estreito corredor que se dirigia para uma área porticada fronteira à ribeira de Chaves, e que funcionaria como um espaço de contemplação. Todo o conjunto assenta sobre áreas residualmente conservadas da “villa I”, interpretadas como de armazenamento de produtos (possivelmente vinculados à pars rustica ou fructuaria),

466 Oliveira, Carvalho & Almeida, no prelo. Além dos padrões vegetalistas, apresenta tesselas de vidro e de

calcário que concedem ao tapete uma acentuada policromia.

467 Nogales Basarrate, Carvalho & Almeida, 2004. 468 Nogales Basarrate, Carvalho & Almeida, 2004: 107.

significando assim que o sítio radicalmente reformulou a concepção da utilização dos espaços de uma para a outra fase de ocupação.

Do ponto de vista comercial, a villa demonstra uma inequívoca inserção nos circuitos da Lusitania, tendo uma cultura material muito vinculada à capital provincial (nas cerâmicas de paredes finas e lucernas, por exemplo, onde as produções emeritenses esmagadoramente dominam), mas também aos territórios costeiros, como se torna evidente nos protótipos anfóricos469.

Outro elemento de elevado interesse reside na identificação de um antropónimo denominado Tertiolus, inscrito em fragmento de dolium, e que terá sido gravado com a pasta ainda fresca470. Sendo genericamente mal conhecidos os grafitos cerâmicos para esta área

regional (para mais ocorrendo em protótipos que certamente seriam fabricados localmente), a sua publicação constitui um elemento relevante.

Desta forma, a Quinta das Longas consubstancia-se como um dos sítios rurais com maior relevância de conteúdos nesta área regional. O projecto de investigação ainda decorre, suspenso em termos de trabalho de campo, mas activo na produção e divulgação do denso material informativo que foi recolhido ao longo de catorze campanhas. Sendo certo que muitos dados ainda se encontram por conhecer, apresenta um significativo acervo informativo: um primeiro plano arquitectónico que é completamente reformulado para uma segunda fase radicalmente distinta, momento em que o sítio se afirma como uma

villa de extrema qualidade decorativa e cultural. Embora com um plano arquitectónico

modesto e conservador na sua generalidade, é dotada de um espaço culturalmente muito significativo, que representa um fortíssimo investimento escultórico e cénico. Curiosamente, um pouco mais tarde e de forma muito discreta, uma outra religião faz a sua aparição.

Outras referências: RP 6/190; TIR J-29: 100; Pires 1901, 1931; Saa 1956: 134 e 297-298; Gorges 1979: 467; Carvalho 1992, 1994; Sepúlveda & Carvalho 1998; Almeida & Carvalho 1998, 2005; Carvalho & Almeida, 1999-2000, 2000, 2003; Almeida, 2000: nº 22; Cardoso & Detry, 2005.

08.39. Horta das Pinas