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teórico-conceituais da pesquisa Primeiramente, apresento dados relativos ao Jazz (3.1) e, no capítulo seguinte (3.2) exponho dados relativos ao conceito de Cuidado de si, como

2.1. HISTÓRIA DE VIDA DE GIL AMÂNCIO

2.1.5. Cia SeráQuê?

Na década de 70, eu acompanhei de perto as tentativas de artistas e grupos que buscavam fazer uma arte que rompesse com os limites entre a dança, a música e o teatro. Entre eles, eu destaco o Kuzala, com Adir Assumpção, Helinho, Soraia, Martinha, o Trans-forma, da Marilene Martins, de artistas como Leri Faria Jr., Carmem Paternostro, Dulce Beltrão, e Berenice Menegale, da Fundação de Educação Artística. E, nesta mesma época, do outro lado da cidade, eu vivia a maravilha da integração desses elementos nas festas do congado, dos terreiros de candomblé, na capoeira. Ali, estava a dança, a dramaturgia, a música, tudo junto. E o artista que tocava, cantava, dançava, enquanto vocalizava os textos sagrados. E quanto mais fundo eu ia, nas minhas investigações sobre a cultura brasileira e africana, mais eu via que ali estavam as soluções para esta crise. A SeráQuê? era para mim o espaço onde eu iria poder falar desse universo. Não como o lugar do exótico, do folclórico, mas como um espaço produtor de uma experiência estética altamente sofisticada.

Eu sempre falava com o Rui (Moreira) e com o Guda (Coelho) para fazermos um trabalho juntos. Eu tinha muita admiração pelo trabalho do Rui como bailarino do Grupo Corpo e também uma amizade muito grande com o Guda. Com quem eu já vinha trabalhando desde a época da Marlene. Em relação a ele, inclusive, tem um fato interessante. Eu o conheci muito jovem, na Cia. de Dança da Marlene! Eu tocava para as aulas dela junto com Marcinho, Renato. O Guda chegava, ficava nos olhando tocar. Ia, por vezes, no horário de escola. O seu interesse pela percussão era tão grande que, aos poucos, eu fui lhe chamando para tocar com a gente. Na medida em que ele foi se desenvolvendo como músico, a nossa parceria foi aumentando. Ele esteve comigo na realização de vários projetos: na Sonho e Drama, no “Triunfo, Um Delírio Barroco”. Também, quando fiz a trilha do filme “Uma onda no ar”71. Quando pintou a idéia de fazer um grupo, ele foi uma das pessoas que eu pensei em chamar.

71 Sinopse: História da criação da Rádio Favela, na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. Ficha Técnica: Título

Original: Uma Onda no Ar; Gênero: Drama; Tempo de Duração: 92 minutos; Ano de Lançamento (Brasil): 2002; Estúdio:

Quimera Produções; Distribuição: Mais Filmes; Direção: Helvécio Ratton; Roteiro: Jorge Durán e Helvécio Ratton;

Produção: Simone Magalhães Mattos; Música: Gil Amancio; Fotografia: José Tadeu Ribeiro; Desenho de Produção: Vera

Hamburger; Direção de Arte: Vera Hamburger; Figurino: Paulo Henrique "Ganso" e Marney Heitmann; Edição: Mair Tavares. Disponível em: http://www.adorocinema.com/filmes/onda-no-ar/onda-no-ar.htm. Acesso em: 23 de Julho de 2007.

Companhia SeráQuê? – investigando vida de crioulo urbano

A Cia SeráQuê? já começa com a proposta de construir uma cena negra contemporânea em Belo Horizonte. Isto, partindo do resgate de nossas memórias de negros urbanos. A idéia era pesquisar as formas de como a população negra ocupa a cidade e constrói uma cultura urbana. Trabalhar com a cultura negra, segundo uma visão diferente da folclórica. A gente queria pesquisar e falar deste negro que ocupa o centro da cidade. Por exemplo, dos engraxates que tocam samba com as flanelas, enquanto lustram os sapatos do freguês. Com estas questões em jogo, o interesse era de ir fundo nas experiências de vida de cada um e a nossa convivência com a cultura negra como fonte de pesquisa para a criação do trabalho. A idéia era relembrar, deixar aparecer esta experiência que cada um trazia de negão. Os ensaios eram um misto de relato e experimentação daquilo que a gente ia lembrando das festas de família, das rodas de samba na casa dos amigos, as horas dançantes, os bailes. Era um trabalho de arqueologia, de exploração pessoal. A cada encontro nosso, conforme o lugar da apresentação, a gente lançava mão dos objetos sonoros que pintavam como uma caixinha de fósforo ou um instrumento musical e íamos improvisando. Eu e Guda nos batuques, o Rui dançando e, assim, a gente começava a experimentar movimentos, sons, textos. E era interessante porque as pessoas que apareciam para ver as nossas improvisações achavam que era um espetáculo ensaiado, tamanha a desenvoltura que fomos adquirindo no processo de improvisar.

O primeiro espetáculo foi “De Patangome72 na cidade”. Patangome é um instrumento utilizado pelos

grupos de congado. Nós sempre imaginamos fazer uma cena vestidos como os negros das décadas de 40, 50. Aqueles negros elegantes, de chapéu, terno e que ficavam assentados, conversando nos bancos das praças. Mas aí veio o problema, a gente não tinha nem um tostão para comprar esses ternos. Foi então que entrou em cena os ternos de um tio do Rui que havia falecido. O cara era alfaiate e só andava “nos pano”! De terno, camisa social, camiseta por baixo, impecável! Aí, o Rui nos contou:

“Olha, o meu tio morreu e tem muito terno lá. Se vocês não se incomodarem, eu vou lá, busco, aí, podemos usar!” Concordamos. Este episódio foi muito engraçado porque o Rui é alto, magro, o Guda

é alto e forte e eu sou o menor de todos. Daí, no Guda a roupa ficava curta, no Rui ficava bem, porque o seu manequim era próximo ao tamanho do tio e em mim ficava maior. Esta situação de uma roupa de mesmo tamanho ter que servir em três de tamanhos diferentes já inspirou a criação das figuras e a cena.

Na SeráQuê?, ao contrário da Sonho e Drama, nós não tínhamos um diretor. Este processo de auto- direção, em que os três estavam em cena, era algo novo para gente. Então, nós pensamos que deveríamos ter alguém nos vendo, para termos um feedback do que estávamos criando. Quando eu falei com eles, o Rui deu a idéia de gravarmos. Na época, não tínhamos filmadora, mas, por sorte,

72 Patangome, também chamado de chitangome ou foia (folha), consiste em uma lata redonda de aproximadamente 25 cm de

diâmetro, feita com lata grande de doce em barra ou com calotas de automóveis, cheias com chumbinho ou sementes. O movimento mais comum para a produção de som é no sentido das laterais. Os patangomes são importantes na manutenção do andamento do tempo de referência, servindo de referencial rítmico para caixeiros, capitães e dançantes. Disponível em: < http://www.tizumba.com.br/con_instrumentos.html >. Acesso em: 23 de julho de 2007.

apareceu um rapaz dizendo que precisava fazer umas filmagens para a escola. A gente perguntou se não queria gravar o nosso ensaio como trabalho de escola. Ele concordou. Com esse tipo de estratégia de “troca de serviços” fomos conseguindo construir o trabalho. Quando terminamos a primeira apresentação do Patangome, eu contei que a gente tinha chegado ali na base do “Será que... não dá

para você ir lá e filmar?” ou “Será que... não dá para levar a gente com os instrumentos para uma apresentação? Será que... Será que, Será que?” E, assim, anunciamos o nome do grupo: Cia SeráQuê? E ficamos com este nome. Ele representava a nossa tentativa de viabilizar o nosso trabalho

a partir da criação de breves cenas apresentadas em ocasiões diversas e que iam sendo coladas umas as outras no decorrer do tempo. Um recurso usado para não parar de produzir e conseguir chegar ao resultado final de um trabalho. O interessante é que com isto fazíamos algo diferente do processo comum de produção. Quer dizer, ter de fazer um projeto, contar com sua aprovação, depois captar recursos para, só aí, produzir o espetáculo. Fugir deste pensamento foi o que permitiu irmos ocupando os espaços na cidade.

Inventando meios de falar, via estética própria Eneida: Construíram um Know How de não dependência exclusiva das fontes tradicionais de

financiamento.

Gil: Sim, porque as leis de incentivo só vão funcionar para um determinado tipo de projeto e um

determinado grupo que tem as possibilidades de captar junto aos empresários. Se você fica exclusivamente dependente dela, sem inventar por si mesmo algum tipo de mecanismo que propicie a realização de seu trabalho...

Eneida: Uma estratégia de marketing, inclusive.

Gil: ...Sim, pois se você não tomar cuidado, você fica o maior tempo tentando captar recursos e o seu

ofício vai ficando de lado. Daí, optarmos primeiro pelo caminho de ver como viabilizar o trabalho com o que a gente tinha para só depois buscar recursos.

Nós éramos estilo “junta caco”. Um dia eu levava as panelas daqui de casa ou uns aparelhos eletrônicos de efeito, o Rui uns figurinos, o Guda aparecia com uma cerâmica. E, assim, íamos construindo as condições para as montagens de “De Patangome na Cidade”, “Quilombos Urbanos” e

“Urucubaca”.

A experiência da SeráQuê? me marcou muito. Cada uma das montagens se transformou em verdadeiro mergulho na cultura negra urbana. Um verdadeiro laboratório de pesquisa, experimentação e comprovação da riqueza de soluções não só estéticas, mas humanas e econômicas que essa cultura pode nos oferecer. Soluções que apontam, para a população negra, que existem outras maneiras de se colocar na cidade, de se produzir arte. Eu li o livro “A Estética da Ginga”, da arquiteta Paola Berenstein Jacques73. Lá ela faz uma comparação entre o arquiteto da universidade e o arquiteto

favelado. Ela mostra que o arquiteto da academia faz o projeto e vai tentar viabilizar a construção daquele projeto. Enquanto o outro, ele vai juntando o material e vai aos poucos construindo a sua casa. O primeiro passo é a construção do abrigo, onde ele se protege das intempéries. E, na medida em que vai conseguindo os materiais, ele vai expandindo a construção. Fazendo um cômodo aqui, outro ali, verticalizando a obra. Ele não fica só lamentando que não tem dinheiro para fazer um projeto, para construir a sua casa. Certamente ele deve buscar auxílio e tal. Mobilizar-se neste sentido, mas não fica paralisado. Ele vai descobrindo meios de se virar. Quando eu terminei de ler o livro, eu fiquei impressionado de descobrir o quanto a favela estava presente em mim. Eu tinha a sensação de que a autora falava de mim, da minha maneira de fazer as coisas! Daí, tomei aquele livro como me dizendo:

“Vai, o caminho é este.”

Quilombos Urbanos e linguagens da periferia de BH

Após o “De Patangome na Cidade” foi possível o levantamento de alguns pontos da arte que acreditávamos. Com isto, em 95, resolvemos fazer um outro espetáculo. Nós propomos Quilombos

Urbanos. A idéia era fazer um mapeamento das manifestações culturais existentes na periferia,

realizar oficinas de troca de experiência entre a nossa maneira de fazer arte e a deles, promover reflexões sobre como estes grupos de Capoeira, do Hip Hop, da Dança Afro estavam respondendo às questões estéticas, de ocupação de espaços e trânsito na cidade. Queríamos também identificar, nos grupos, pessoas para depois participar da criação de um espetáculo resultante desta experiência. Como não conseguimos captar os recursos para a realização do projeto, mudamos o plano inicial. O que foi possível fazer foi realizar oficinas curtas com alguns grupos e visita aos ensaios e apresentações de outros grupos. Dessa história toda ficou o Grupo de dança de rua, o Up Dance, que topou ficar com a gente. Com eles, montamos o Quilombos Urbanos. Foi um ano de trabalho com os meninos. Uma experiência rica tanto do ponto de vista artístico como de formação. Nós tínhamos, aí, a percussão sendo feita em andaimes, misturado com dança de rua, ritmos do Congado, Capoeira, dança contemporânea, DJ. Ao apostar nesta mistura, abriram-se várias possibilidades de viagem e participação em festivais internacionais: o MoveBerlim, na Alemanha, e o Festival Internacional de Teatro, na Argentina! E um dado importante é que, com o Quilombos, conseguimos viajar também pelo interior de Minas, dentro do projeto Circuito Cultural da Telemig. Além de levar o espetáculo para as periferias de Belo Horizonte, no FIT, Festival Internacional de Teatro.

Choque, modos diferentes de se fazer arte

Em 1999, eu fui convidado pela Secretaria Municipal de Cultura (de Belo Horizonte) para participar do projeto Arena da Cultura. Era um projeto de formação de artistas nas periferias da cidade. Eu fui trabalhar com uma demanda dos grupos na Zona leste que queriam aulas de percussão e expressão corporal. Quando cheguei lá, eu fiquei assustado com a altura que os meninos ouviam música. Eu perguntava o que eles escutavam e a resposta era unânime: o rap. Eu perguntei sobre o que achavam

do samba, da música sertaneja. A resposta era sempre a mesma, que fora o rap era tudo “paia74”. Se

não era rap, não valia. A primeira impressão que eu tive então era que seria impossível o diálogo. De qualquer forma, eu resolvi pedir para que me trouxessem o que eles ouviam de rap. E, nestes momentos de escuta, eu fui descobrindo que havia grupos de rap que misturavam o eletrônico com o berimbau, que usavam “samples”75 de grupos vocais da África do Sul. Eu fui chamando os meninos para a escuta. E comentava: “Olha gente, esta moçada ouvia Rap, mas também curtia outros sons”. Eu comecei a mostrar para eles que os próprios caras que eles curtiam eram caras que tinham outra escuta. Depois deste trabalho isto foi mudando. E, aí, foi bacana porque eu comecei a levar as coisas africanas, o repente, o coco76 de embolada. Comecei a mostrar outros sons, outras imagens. Começamos a falar de poesia. Se de um lado, os meninos abriam uma disposição para conhecer um outro universo musical e cultural, do outro, eu passei a descobrir a riqueza musical, poética do rap. O que para mim, até então, era uma massa sonora. Ao investir no estudo, na pesquisa este campo, eu passei a ouvir com outro ouvido, a perceber as diferentes formas de rap, a radicalidade da linguagem, as relações que eles estabeleciam entre texto e música, as relações do rap com a cultura africana com a literatura de cordel, o repente. Esta experiência da oficina do Arena (da Cultura) foi fundamental no meu envolvimento com a cultura Hip Hop. E foi o Arena que possibilitou a organização de um trabalho de mistura de linguagens muito bacana que foi o Manifesto Primeiro Passo.

74

Maçante.

75

Sampler é um equipamento que consegue armazenar sons numa memória digital, e reproduzi-los posteriormente. É um dos grandes responsáveis pela revolução da música eletrônica, pois através dele e usando ciclos (loops em inglês), pode-se manipular os sons para criar novas e complexas melodias ou efeitos. Como instrumento musical é usado em vários gêneros musicais, como o hip-hop, dance music, e música experimental. (...) Muitos desses equipamentos permitem também fazer as edições do som no próprio equipamento. (...) Além de você inserir o áudio, você ainda pode editá-lo utilizando alguns efeitos como: Pitch shifter, Reverb, Delay, Distortion entre outros. Alguns samplers estão associados a um controlador que pode ser um teclado, almofadas (pads em inglês) ou qualquer outro dispositivo de controle. Esses controladores também podem ser externos ao instrumento. É possível endereçar os sons a uma parte específica do controlador (uma das teclas ou uma das almofadas, por exemplo), e reproduzi-los em tempo real. Também associados a alguns samplers pode estar um sequenciador, através do qual se pode criar uma sequência, com diversos sons, e reproduzi-los. Com o sampler você pode realmente fazer muita coisa, desde um rápido efeito, até uma sequência de ciclos com diversos instrumentos. Disponível em:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Samples. Acesso em julho de 2007.

76 Coco (dança): Dança típica das regiões praieiras é conhecida em todo o Norte e Nordeste do Brasil. Alguns pesquisadores,

no entanto, afirmam que ela nasceu nos engenhos, vindo depois para o litoral. A maioria dos folcloristas concorda, no entanto, que o coco teve origem no canto dos tiradores de coco, e que só depois se transformou em ritmo dançado. Há quem acredite que tenha vindo da África com os escravos, e há quem defenda ser ela o resultado do encontro entre as culturas negra e índia. Há controvérsias, também, sobre qual o estado nordestino onde teria surgido, ficando Alagoas, Paraíba e Pernambuco como os prováveis donos do folguedo. O coco, de maneira geral, apresenta uma coreografia básica: os participantes formam filas ou rodas onde executam o sapateado característico, respondem o coco, trocam umbigadas entre si e com os pares vizinhos e batem palmas marcando o ritmo. É comum também a presença do mestre "cantadô" que puxa os cantos já conhecidos dos participantes ou de improviso. Pode ser dançado calçado ou descalço e não precisa de vestuário próprio. A dança tem influências dos bailados indígenas dos Tupis da Costa e também dos negros, nos batuques africanos. Apresenta, a exemplo de outras danças tipicamente brasileiras, uma grande variedade de formas, sendo as mais conhecidas o coco-de-

amarração, coco-de-embolada, balamento e pagode. Os instrumentos mais utilizados no coco são os de percussão: ganzá,

bombos, zabumbas, caracaxás, pandeiros e cuícas. Para se formar uma roda de coco, no entanto, não é necessário todos estes instrumentos, bastando as vezes as palmas ritmadas dos seus participantes. O coco é um folguedo do ciclo junino, porém é dançado também em outras épocas do ano. Com o aparecimento do baião, o coco sofreu algumas alterações. Hoje os dançadores não trocam umbigadas, dançam um sapateado forte como se estivessem pisoteando o solo ou em uma aposta de resistência. O ritmo contagiante do coco influenciou muitos compositores populares como Chico Science e Alceu Valença, e até bandas de rock pernambucanas. O sucesso de Dona Selma do Coco, acompanhada por gente de todas as idades, mostra a importância do velho ritmo, que vem sendo resgatado no Nordeste do Brasil. Fundação Joaquim Nabuco. Disponível em: <http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=16&pageCode=300

Urucubaca

Depois dessa aventura do Quilombos que envolvia muita gente, nós resolvemos montar algo menor, só com o trio: eu, Rui e Guda. Já tínhamos falado da gente, no Patangome. Depois, com o Quilombos, resolvemos ir para os morros dialogar com outros movimentos. Até aquele momento, muito pelo Rui, que também facilitava os contatos da dança, a Companhia caminhou para o lado da dança. E, no

Urucubaca, era de nosso interesse entrar na esfera do invisível, do que não pode ser dito, daquilo que

nos assombrava. Nós tentamos levar mais para o lado do Griôt! Nós escolhemos contar histórias, histórias de assombração! Este terceiro trabalho tinha como embrião uma performance que eu e o Rui fizemos em um evento que o Wagner produziu, reunindo artistas negros de várias áreas. Nesta performance, eu trabalhava com um pedal de efeitos e brincava com a palavra urucubaca e o Rui ia improvisando.

Nesse trabalho, contando com o Rui, um bailarino, eu, com formação de ator e músico e o Guda, músico, a idéia era de que estas formações não ficassem estanques na Companhia, mas que, desta junção saísse algo diferente. A primeira aparição do Urucubaca foi no museu Abílio Barreto77. Eles estavam fazendo lá uma série de apresentações artísticas e nos convidaram. Como sempre, resolvemos fazer. Além do cachê, era oportunidade para experimentarmos esta nova criação, Urucubaca. Na primeira montagem, nós contamos uma história que eu havia escrito, inspirado em muitas leituras sobre os Griôts. Eu lembro que um dos livros que li falava que existem dois tipos de Griôts na África. Tem aquele que é responsável pela manutenção do conhecimento que vai passando de pai para filho e tem aquele que fantasia, mente. Este misturava muito a verdade com a fantasia e as pessoas nunca sabiam se aquilo era verdade ou era mentira. Eu gostei disto, porque, na época em que eu trabalhava com o Carlão, eu havia lido uma entrevista do Jorge Luis Borges em que ele dizia se considerar um grande mentiroso e que, para mentir, buscava o máximo de informação sobre o assunto em questão. Assim, ficava difícil da mentira ser identificada. Eu, então, fiquei viajando nisto sobre que tipo de construção e de história propor? Eu construí uma história sobre um rei que havia morado ali onde hoje