• Nenhum resultado encontrado

teórico-conceituais da pesquisa Primeiramente, apresento dados relativos ao Jazz (3.1) e, no capítulo seguinte (3.2) exponho dados relativos ao conceito de Cuidado de si, como

2.1. HISTÓRIA DE VIDA DE GIL AMÂNCIO

2.1.1. Lances da vida familiar

Os primeiros anos - família, festeiro, serenetas

Eu tenho cinco irmãos: Ângela, Anita, Antonieta, Gerson e Alexandrina que todos chamam de Doca. O meu pai se chamava Thomaz e a minha mãe se chama Gabriela. Aos quatro anos, eu passei a ser criado pela minha tia Celi, irmã de meu pai. Ela e o meu tio João moravam em Santa Tereza. Ele era militar. Eu estudei no Colégio Tiradentes, próximo a minha casa. Eles sempre exigiram de mim que eu estudasse. Eu vejo isto como algo que facilitou a minha vida, no sentido de minha convivência com as pessoas e disposição para investigar o que me interessa por mim mesmo.

Eu tive uma infância muito bacana, podia brincar muito na rua. Também, havia em minha família um lado muito festeiro. Ela fazia muita serenata. Meu tio Zé Romano tinha um caminhão. Era comum, ele e o meu tio Zé Amancio passarem lá em casa e fazerem serenata para minha mãe. Era muito legal! A gente acordava, mamãe fazia café, todo mundo tomava café. Depois todos subiam no caminhão e íamos para casa de outro parente. Quase todos moravam em Santa Tereza e Santa Ifigênia. Ao chegar, todos desciam, entravam, cantavam, tomavam café, cachaça. Era uma festa! Depois, novamente, todos entravam no caminhão e seguíamos em frente. Era uma verdadeira peregrinação! Essas experiências todas que eu vivi desde a infância junto com os meus pais e parentes: o ambiente festivo, as cantorias ali presentes, contribuíram para a minha formação musical. Para este meu interesse, por exemplo, na exploração de sonoridades a partir de instrumentos diversos.

Três gerações e o violão

O meu avô Thomaz tocava violão. E a minha avó Electa conta que ele gostava de circo. Chegou a fugir com o circo e a trabalhar nele. Depois, ele entrou para polícia e não investiu mais neste lado. Meu pai herdou isto de meu avô. Gostava de tocar violão e, mais tarde, violino. Como ele aprendeu com o Tio Zé Nabor a trabalhar com madeira, começou a construir seu próprio violão e violino. Ele se casou, constituiu família, começou a trabalhar, deixou a arte de lado. Na família, então, sou a terceira geração daqueles atraídos pela arte e o primeiro a assumir a vida como artista, a tirar a sobrevivência disto. Hoje eu vejo que meu interesse pelo campo da arte atuou como agulha e linha invisíveis, costurando, dando forma a minha vida.

Adolescência

Na adolescência, nós saíamos para fazer serenata. Eu comecei a mostrar o que havia aprendido na convivência familiar. Fazia muita serenata para as namoradas dos amigos. Este também foi um período religioso que marcou muito a minha história. Eu falo que sou um ateu religios, porque

deste grupo. Neste período, o Edir, meu colega do colégio, virou protestante e convidou-me para acompanhá-lo. Eu fui. Ele aprendeu a fazer bolsa, sandália, carteira de artesanato em couro. Eu o ajudava e nós vendíamos na feira hippie. Foi uma fase em que a gente cantava muito na rua. Nós embarcamos nessa da igreja evangélica protestante. Esta era Batista. Mas pelo fato dela ser muito rígida, eu decidi largar. Um tempo depois, eu entrei para o Zen budismo. Tínhamos de meditar, comida integral etc. e tal. Também, na adolescência, foi decisivo o meu envolvimento com a arte. Eu tocava violão e cantava. Com isto, eu era convidado para os aniversários, participar da vida social na casa das famílias do bairro em que a maioria era branca. Eu fui entender muita coisa depois. Como eu tinha este lado da arte, ela me segurou na parte emocional. Nos momentos de bode, eu pegava o violão tocava e cantava.

Meditação, Office-boy

Em dado momento da adolescência, foi muito bom o meu envolvimento com o Zen Budismo. Eu passei a freqüentar um lugar chamado Hidrocenter. Lá eu fazia cursos, participava de palestras e meditava. Também, participei do lançamento da proposta de criação e, posteriormente, inauguração do Centro de Estudos de Jung, pela Yoga Maria José Marinho e Pierre Weil. Eles traziam muitos monges da Índia, o que me permitia conviver com este pessoal. Eu me recordo de duas coisas engraçadas ocorridas na época. Uma é que eu era office-boy. Trabalhava com meu tio Tassara no escritório de advocacia. Um dia, eu participando da meditação, ouvi o Marquinhos Do-in falar sobre algo possível só no inverno: olhar para o sol no fim da tarde. Segundo ele, em estado de meditação, ao olhar para o sol, poderíamos ver todas as suas cores. O sol ficava azul, ficava vermelho, laranja... Como estávamos no inverno e eu trabalhava na Rua Goiás (região central de BH), um dia, às cinco horas da tarde, eu, saindo do cartório e descendo a Goitacazes, vi o sol enorme! Como era inverno, eu resolvi colocar a minha pasta no chão, assentei-me sobre ela e comecei a meditar: “Aum, Aum, Aum!” Por um tempo, eu fiquei tentando ver as cores do arco-íris, ver o sol colorido. Meditei, meditei e nada. Não deu certo, levantei-me, peguei minha maleta e fui embora. Ao chegar em casa, a minha mãe começou a me perguntar o que havia acontecido? Eu lhe disse que não havia acontecido nada! Ela insistiu com o assunto, disse que o meu tio estava muito preocupado achando que eu não estava bem da cabeça porque eu fiquei assentado na rua fazendo om, om, om! Aconteceu que o pessoal do cartório me viu meditando na rua e contou para ele. O meu tio, então, espalhou para a família. A preocupação da minha mãe era porque essa história se somava a outra. Um dia, em um dos encontros com os monges, eles disseram que a gente tinha que deitar no chão, por causa da coluna. Não podia usar cama, tinha que comer comida integral, tudo natural. Eu cheguei em casa, joguei minha cama fora. Mamãe me perguntou se eu estava bem e não sei mais o quê. Também, nesta época, eu comecei a fazer comida integral. Com essa outra história, ela achou que eu havia enlouquecido de vez! Foi uma fase muito bacana! Eu gostava dessa coisa de você ficar mais concentrado, buscar uma harmonização interior! Eu achava isto muito legal, mas também larguei. Acabei ficando comigo mesmo.

Beber água de todos os rios

A outra história é que, lendo o Grande Sertão Veredas, tem um trecho em que o Riobaldo, ao ser perguntado sobre qual era a religião dele, fala que bebe água de todo rio. Isto chamou a minha atenção. Passando um tempo, eu fui numa festa de São João, na Irmandade de seu João Lopes no Vale do Jatobá. É uma data em que eles tocam o Candombe. Ao final da festa, um dos congadeiros ficou sem condução e acabou voltando conosco. Demos carona para ele. Ele era muito falador, muito engraçado e falou em dado momento: “Vocês estão vendo aquela luzinha ali, naquela igreja

evangélica? Eles têm um café com biscoito que é uma maravilha! Vocês precisam experimentar!”

Nós lhe indagamos se ele ia em igreja evangélica. Ele, então, respondeu que se a gente, ao passar por uma igreja, ouvisse uma cantoria boa, se tivesse um café com biscoito, podia entrar, não havia problema. Depois, em outro lugar, se a cantoria, o tambor tivesse batendo, você ficasse mexido com aquilo era para entrar também. Aí, eu me lembrei do que o Riobaldo havia falado: que devemos beber de todos os rios!

Os filhos, com o pé na arte

Depois vieram os três filhos. Isto foi uma mudança muito importante na minha vida, me centrou. A mãe dos meninos, a Kátia, estudava Belas Artes e trabalhava em uma creche. Hoje nos separamos. Como eu só trabalhava à noite, eu acabei cuidando dos meninos durante o dia. Foi algo bacana, porque eu pude acompanhar de perto a infância deles. Criamos um vínculo de amizade. Hoje eu tenho uma relação de amigo com os meninos que, de certa forma, eu vejo que foi positiva. Todos eles estão com o pé na arte e a gente consegue trabalhar junto. O Mateus trabalha com vídeo, Gabi com programação visual e Gui, o caçula, trabalha com computador. Então, cada um está criando o seu caminho. Em 95, eu conheci a Dani, estamos juntos há 12 anos. Em março de 2007, ela me deu um grande presente, o Tomas. Novamente, a história parece se repetir. Isto porque, como ela trabalha pela manhã, eu fico com o rapazinho neste período do dia. É uma delícia porque agora, depois de ter criado os três filhos, eu me sinto como um avô, mais relaxado, me permitindo, por exemplo, deitar no terreiro com o Tomas e ficar olhando o céu.

Arte como inevitável

Quando eu tive o Mateus, eu estava com 26, 27 anos. Quando tinha 29 bateu a crise pela insegurança financeira presente na vida de artista. Eu pensei em arrumar um emprego fixo, “entrar no rumo”. Peguei o jornal, avaliando as possibilidades de emprego. Achei que estava fora do mundo aos 29 anos. Os concursos eram apenas para pessoas mais novas do que eu. Eu, então, decidi fazer com que as coisas do lado de cá funcionassem. Eu suponho que o vacilo que eu tive por certo tempo em relação à culpa por ser artista, de que isto não ia me dar um futuro, acho que os meninos vão viver isto diferente. Eles já estão entrando de cheio, acreditando que é este o caminho deles. Já estão adiantados no investimento. Eu acho isto bacana. E tem uma coisa legal porque a gente tem uma conversa grande sobre a questão da cultura.

Filhos, universidade, cultura negra

Mateus e a Gabi formaram em Belas Artes, na UFMG. No decorrer do curso, eu os provocava a questionarem os professores sobre o lugar dos negros na história. Acho necessário garantir este tipo de discussão. E também eu acho bacana eles entrarem para a Universidade já levando certa crítica, uma visão que os ajuda a propor coisas que dialogam com questões atuais, relacionadas ao campo da cultura negra. Também relacionadas com a formação cultural que eles têm, pela nossa convivência. Falo isto porque eu os levei para os terreiros, para o Congado, para todo canto. Penso que isto dá uma base que lhes permite, no trabalho que estão fazendo, trazer esta outra informação. Criar um vínculo entre a formação acadêmica e este saber que trazem.

2.1.2. Teatro

Eu entro na cena artística belorizontina em um período muito peculiar do Brasil. Era a década de 70. Nós convivíamos com a ditadura. Nesta época, nós artistas tínhamos de ser engajados politicamente, nos posicionar contra aquela situação vivida pelo Brasil. O teatro, ele entra quando eu começava o curso de História, na FAFICH47. Participando das calouradas, eu me dirigi ao DCE48 e lá presenciei um ensaio de uma peça de teatro. Eu me interessei por aquilo, resolvi ficar ali, conversar com eles. E neste processo, fui convidado para participar da peça. Contando com um texto de Augusto Boal49, era uma peça que atraiu muitas pessoas, pois na época tinha sido proibida pela censura.

Depois disto, ainda em 76, o Palácio das Artes propôs a montagem da peça "O Coronel de Macambira"50 e eu integrei o grupo. Era o primeiro espetáculo adulto com artistas mineiros. Este trabalho representa a minha entrada, como profissional, no campo da arte. Eu estava com 22 anos e hoje eu avalio que, apesar da peça tratar de um tema afro-brasileiro, não havia nenhuma discussão de um engajamento do tema com a cultura negra. Ela era tratada como uma expressão folclórica. Uma iniciativa de valorização das festas populares. Assim, ao chegar para participar da montagem daquela peça, eu não encontrei um contexto que reforçasse a minha imagem de negro. Éramos dois ou três negros, em um elenco de quase sessenta pessoas e esse tema negro nem aparecia!

A partir dessa peça, o Coronel de Macambira, eu não parei mais. Cada vez mais, eu fui mergulhando nesse universo do teatro. Com os outros colegas artistas íamos buscando referências para as montagens que fazíamos. Aí, duas pessoas foram muito importantes. Uma foi o Eid Ribeiro, com quem trabalhei como ator em várias montagens e com quem aprendi muito sobre teatro. Mais especificamente sobre uma forma que o Eid gosta muito que é o tragicômico, a farsa. Eid se inspirava

47

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Federal de Minas Gerais

48

Diretório Central dos Estudantes.

49

Augusto Boal (Rio de Janeiro, 1931) é diretor de teatro, dramaturgo e ensaísta brasileiro de renome internacional. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Augusto_Boal>. Acesso em julho de 2007.

50

Coronel de Macambira foi escrito pelo poeta pernambucano Joaquim Maria Moreira Cardozo. Segundo Maria da Paz Ribeiro Dantas, trata-se de uma obra que vem inovar o gênero bumba-meu-boi.

muito nos teatros feitos nos circos, nas matérias de jornais populares. Ele gosta desse universo suburbano. E eu me identificava muito com essa forma de se fazer teatro. Eu me divertia fazendo os personagens que ele criava. E outro foi o Leri (Faria Jr.) que era músico, ator e gostava dessa mistura do teatro com a música. Com ele, aprendi muito sobre música. Eu me lembro de um espetáculo lindo que fizemos chamado “Drops de Anis”. Nele, a música, a poesia e a cena de teatro se misturavam! Nós reunimos um elenco da pesada de músicos, atores, poetas. Nesta época, a gente estudava Grotowski51, Stanislavski52. Na área da dança, pesquisávamos conceituados bailarinos americanos ou europeus. Era um momento muito legal, de muita aprendizagem. Com o tempo, o meu trabalho ia recebendo elogios, eu ia construindo amizades, conquistando um reconhecimento como artista, que podia ser traduzido como: “O Gil canta bem, toca, dança, interpreta!” Isto era uma experiência legal, que me fazia sentir participando da cena. Pelos trabalhos que eu realizava, eu me sentia cada vez mais respeitado no ambiente artístico. Eu observava, porém, que não eram propostos trabalhos nos remetendo propriamente à arte, à cultura negra. Algo que falasse dela, muito menos que a valorizasse. Tanto quanto no período, não vi montagens propondo personagens interessantes para os próprios negros encenarem. Eu entendi, então, que o reconhecimento que experimentava não incluía a minha identidade visual.

Artista negro, Belo Horizonte, década de 70

Em Belo Horizonte, no campo da música, a gente via surgindo o Anonimato. Um grupo de universitários negros que trazia esta temática negra. No campo do teatro, a experiência significativa, contando com ator negro, foi o Márcio Alexandre, na peça A prostituta respeitosa. Um texto forte, de Sartre! Wilma Henrique era a dama do teatro mineiro e contracenava com um negão. O Anonimato acabou logo. Ele não foi um grupo que seguiu uma trajetória. Também, tinha a Marlene Silva. Ela é a responsável pela presença da dança afro em BH. Ela sempre batalhou muito para manter o espaço dela na cidade. Mas apesar do número pequeno de produções, contando com negros assumindo papéis importantes ou mesmo na direção, seja no campo da música, da dança ou do teatro, elas foram mexendo com o imaginário da cidade.

Encontro com Marlene Silva: negro e artista

Eu 79, comecei a tocar na Cia. de Dança da Marlene Silva, na Rua Carangola. Eu fui apresentado a ela por um grande percussionista, o Bolão. Eu já a conhecia no Caribes, uma outra academia. Eu passei a tocar em seu grupo de dança e um dia ela disse que queria que eu pesquisasse a trilha sonora de seu

51

Jerzy Grotowski (1933-1999), encenador polonês, é um dos principais nomes do teatro do século XX, estando entre os quatro maiores diretores do século, juntamente com Stanislavski, Meyerhold e Brecht. (...) Grotowski, “não acreditava em fórmulas”. Sem querer criá-las, procurava descobrir leis objetivas dos processos teatrais, defendendo que cada qual devia criar seu próprio caminho de verificação e criação.

Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/043/43cscheffler.htm>. Acesso em julho de 2007.

52

Kostantin Segueievitch Alekseiev - pseudônimo: Stanislavski (1863 - 1938), era diretor, ator e crítico teatral russo. Nascido em Moscou é lembrado sobretudo pelo método de interpretação Stanislavski, usado nas escolas de teatro de todo o mundo. (...) Em 1898, fundou, com o autor e diretor Vladimir Nemirovitch-Danchenko, o Teatro de Arte de Moscou, instituição fundamental para o desenvolvimento da moderna dramaturgia européia. Assumiu a direção do Estúdio de Ópera do Bolshoi

próximo espetáculo. Na época, eu não tinha idéia do que seria e nem o que teria de fazer. Ela disse querer algo relacionado aos sons de terreiro de Candomblé, toques dos orixás. Também, algo diferente do Congado.

Da meditação para os terreiros de Candomblé

Inicialmente, isto se apresentou como um grande problema, considerando que eu era católico e, até então, não havia entrado em um terreiro de Candomblé. Um lugar, sobre o qual eu nutria certo temor. Também, na adolescência, final da década de 60, como falei, eu havia me aproximado da cultura oriental, Zen budismo, Yoga, arroz integral, Beatles, contracultura. Sobre o Candomblé, o que circulava era de que se tratava de um lugar misterioso, que devíamos ter cuidado, podíamos perder o controle da situação. Com o pedido de Marlene e interessado na pesquisa da música, eu quis estudar. Eu comecei a ir ao terreiro, a conhecer o outro lado do terreiro, a visão não só religiosa, mas a musical, a da dança. Eu fiquei fascinado porque havia muitas coisas que eu não sabia sobre os diferentes terreiros do Brasil, Jeje, Yorubá, Angola. Eu fui entrando neste meio, comecei a ouvir os atabaques, a ser capaz de distinguir os diferentes toques do tambor, os seus cantos. Saber que tem um toque para Xangô, outro para Ogum. Com isto, passei a buscar identificar a relação possível da percussão com a dança, a conhecer os ritmos brasileiros que havia. Também com este trabalho, eu passei a dar mais atenção para o Congado! Nesta época, algumas pessoas do grupo começaram a demandar de Marlene um outro tipo de coreografia. Inspirado no livro “Os Nagos e a Morte de Joana

Elbein dos Santos”, o Edir Passos e Mestre Conga (Bahia) criaram um roteiro e Marlene fez as

coreografias que resultaram no espetáculo IGBIN. Depois, o Luiz (Alberto Gonçalves), que fazia parte do grupo da Marlene, propôs a montagem de Sá Rita da Cachoeira, em um trabalho independente de Marlene. Eu vejo que ter convivido com estas pessoas foi uma coisa importante. Eu não tinha experiência anterior de criar a partir da cultura afro-brasileira. Foi daí que eu passei a tomá- la como campo de interesse. Para mim, se eu não estivesse passado por eles, penso que provavelmente hoje eu estaria só me interessando por textos de autores e técnicas do teatro, da dança e da música.

O vivido em família e atenção à cultura afro-brasileira

Hoje eu vejo que a partir dessa experiência da pesquisa nos terreiros, além do interesse sobre o que encontrei ali, passei a me interessar pelo estudo da cultura afro-brasileira. Isto se tornou uma constante em minha vida. E também eu avalio que toda a formação até chegar a trabalhar em teatro e na música foi decisiva para mim. Uma formação que começou em minha família. Por exemplo, o meu pai (de sangue), como eu disse antes, construía instrumento musical, violão, violino e, apesar de não se colocar como artista profissional, ele não deixou de tocar dentro de casa. No caso da minha mãe (a de criação, Dona Celi), ela gostava muito de dançar a dança de salão! Com isto, eu aprendi a dançar e a tocar violão com eles dois. Uma vivência musical e artística que tomei como base e que sempre me deu muita força. Há algo interessante vivido em minha infância e que está relacionado a papai. É uma lembrança que, após eu começar a pesquisar a cultura negra, eu pude dar um novo sentido e mesmo

valorizar o que ele fazia. Geralmente acontecia nos almoços de domingo ou quando havia festa em sua