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2.2 4 WAGNER PEREIRA DE CARVALHO

2.2.5. RICARDO ALEIXO

Definir-me como poeta, um marco na vida. Poesia, em síntese, fala dela mesma e de como nós humanos somos maravilhosos, a ponto de criar algo que não serve para nada e que dura séculos. (...) Busco tornar- me outro em relação ao que está no texto. Virar outro. Eu não tenho compromisso com o texto, mas sim com aquela totalidade de signos: som, ruído, a presença do público, tudo isto altera a minha presença ali, torna um poema. Faz dele um elemento a mais. Não é um poeta gravando os poemas para a posteridade. Eu não estou pensando na posteridade, eu estou pensando que é indissociável da minha experiência como ser humano desmanchar-me no meio daquele conjunto de signos. Ser mais um signo. Isto causa desconforto em uns, entusiasmo em outros.

Poesia - conversa com o mundo; marco na vida Poesia. É uma razão de existência para mim. Acho que não existiria o indivíduo Ricardo Aleixo140 se, por volta dos 17 anos, em 77, eu não tivesse a chance de me identificar com esta estranhíssima forma de conversar com o mundo que é a poesia. Eu não sei de onde veio o desejo de fazer o primeiro poema, de dar continuidade a isto, de definir-me como poeta, mas é um marco na vida. Há um momento anterior e um posterior à descoberta da poesia. Descoberta como leitor mesmo! A memória que tenho quanto a isto é de começar a gostar de ler e começar a gostar de escrever poesia. Eu não consigo imaginar que tipo de monstro eu seria se não tivesse me aproximado da poesia. Eu quase falei civilizado, mas ela não propriamente me civiliza. É uma outra ordem de relação. Até mesmo a disposição para conversar com as pessoas vem da poesia. Isto me remete imediatamente a...

Dados de identificação

Uma coisa é o cidadão Ricardo José Aleixo de Brito. O outro é aquele, não importa o nome que tenha, Ricardo Aleixo ou Rique como muitos me chamam. Então, todos os dados de identificação como filiação etc., eles são perpassados pela noção de construção de linguagem. Um nome não é apenas um nome. Mas isto não me vem apenas via Psicanálise, via Direito. Isto me vem por este cuidado que os meus pais tiveram de escolher cada um dos meus nomes. E não que eu queira transformar tudo em poesia, mas é que eu quero, com certeza, entender tudo via a linguagem. Eu concebo a poesia como um lugar, por excelência, da linguagem. O lugar em que a linguagem pode se permitir mais do que comunicar coisas. Voltar-se sobre si mesmo. O que é a poesia senão o momento em que a linguagem nos informa da impossibilidade de comunicar, seja lá o que for. Também, que só o que ela é interessa? Por mais que o poema tenha como tema: o amor, a guerra, a pobreza da vida cotidiana, ele está falando dela, a linguagem. Deste milagre que é a linguagem. Que não é a língua a serviço de alguma coisa que não seja ela mesma.

Black Maria: sedimentação da relação afetiva e criativa com o Gil

A Sociedade Lira Eletrônica Black Maria141 talvez seja o momento da mais ampla definição do que possa ser fazer poesia, associada a outros meios e a outras pessoas. Portanto, a outros campos de linguagem, a outras formas de codificação do signo. Momento então de sedimentação da relação com o Gil tanto quanto da minha relação afetiva e criativa com ele. Algo desde 1993, 94. Neste momento, nós começamos a conversar sobre o que e o como fazer, dentro da junção das várias linguagens, a poesia. Não só a poesia, mas a palavra, o uso criativo da palavra, os sons, a gestualidade. Sabíamos que deveríamos levar isso para algum campo, mas não estava claro ainda qual seria. Em 99, nós começamos a trabalhar. Um dia, fizemos algumas apresentações: Ricardo Aleixo e Gil Amâncio. Em 2000, criamos a Sociedade Lira Eletrônica Black Maria. Aí chamamos outras pessoas. Também, em 99, foi o momento em que descobrimos as várias vertentes da música eletrônica, enquanto procedimento primordial para o desenvolvimento do trabalho. Nós gostávamos de muita coisa que cada um conhecia, mas não dispúnhamos dos meios para trabalhar isto.

Entrada na SeráQuê? – Multimídia

Noventa e nove também é a minha entrada na companhia SeráQuê?. Já trabalhava fusão de linguagens, mas em uma perspectiva muito diferente. A SeráQuê? trabalhava e trabalha ainda hoje em uma perspectiva que pode ser chamada de multimídia. Que é a junção quantitativa de meios. Tem a dança, o teatro, a música, tem o Hip Hop, tem as várias modalidades da música contemporânea, tem até balé clássico. Cada elemento deste mantém a sua especificidade.

Black Maria - Intermídia142

A Sociedade Lira Eletrônica Black Maria, ao contrário, trabalha em uma perspectiva intermídia em que os elementos de uma área contaminam outra área. Não fica tão claro o que é dança, o que é teatro, um vídeo ao vivo e as projeções. O vídeo, ao vivo, jamais atende a um princípio de ilustração. Ele está em uma perspectiva crítica em relação àquilo que você está vendo na cena. Ele tem uma função de duplicar, em termos de espaços temporais, o que está sendo colocado ali. O vídeo pode fazer com que um gesto corriqueiro se transforme em dança, visto na tela. Da mesma forma, a aparelhagem, o microfone, por exemplo, os efeitos usados pelo microfone. A voz, um fonema pode se transformar em um elemento rítmico, percussivo pela reinteração das células rítmicas.

Interessa o momento do impasse

Então, o trabalho que nos propomos a fazer na Black Maria foi: mais do que na música, estávamos interessados na musicalidade; mais do que no teatro, na teatralidade, mais do que na dança, na

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Cf. http://www.algumapoesia.com.br/poesia2/poesianet108.htm

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Ricardo Aleixo (BH) – poeta, músico, artista visual e estudioso das práticas intermídia. Integra a Sociedade Lira Eletrônica Black Maria, que dirige ao lado do músico e ator Gil Amâncio. Publicou, entre outros, os livros A Roda do Mundo (com Edimilson de Almeida Pereira), Trívio e Máquina zero. É curador do Festival de Arte Negra de Belo Horizonte (FAN) e da Bienal Internacional de Poesia (BHZIP). Disponível em: < http://www.ufmg.br/festival/37/literaturaecultura.htm.>.

gestualidade, que pode ou não ser considerada como dança. São dados que acontecem na vida de qualquer pessoa e porta elementos de musicalidade, de poeticidade, de teatralidade. Só que, no nosso caso, interessa exatamente o momento formador deste. O momento em que um gesto pode ser corriqueiro e pode ser outra coisa. Só que, ao contrário do coreógrafo que vai pegar este gesto e vai transformá-lo em dança, no nosso caso, queremos exatamente o momento do impasse. Nós queremos flagrar exatamente, no caso da fala, por exemplo, as oscilações entre fala e canto que constituem seguramente mais de 80% da base criativa da música popular.

O compositor, o cancionista, que em geral escreve sobre temas do cotidiano, acaba recorrendo a modos de entonação muito próximos da fala. O que os gregos chamam de melos. A melodia vem daí. Desta cadência que está presente na fala. Muito da música erudita, da música de concerto, também explora isto. Principalmente a música de invenção do século XX. O Rap (Ritm And Poetry) é exatamente isto. Esta rítmica omitida nos sons da fala e sobreposta a uma base rítmica poderosa, bastante pulsante. E muito das traduções, mitos, poéticas africanas, indígenas exploram isto também. Então, o que nós procuramos fazer, no caso da Black Maria, é criar modos entoativos que têm a ver com todas estas possibilidades aí. Os alemães chamam de Express e os japoneses exploram no teatro também. Gostamos de explorar a entonação da fala, porque, é muito difícil preservarmos os tons da fala. É muito difícil preservarmos os tons da fala [Ricardo fala com outra entonação]. Ou seja, falar duas vezes a mesma frase no mesmo tom sem que isto se cristalize como melodia. Melodia é exatamente isto, é a cristalização de uma cadência. Quando Noel Rosa compõe. Imagine ele escrevendo isto [Ricardo fala]: “Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa uma boa média que

não seja requentada.” Isto já contém os tons melódicos que vai virar... [Ricardo canta] “Seu garçom faça o favor de me trazer depressa.”. Então, o que o cancionista faz é determinar em quais momentos

ele vai querer mais melodia e menos melodia, mais próximo da fala, mais distante da fala? E, no nosso caso, tem também o uso de instrumentos eletrônicos em associação ou contraste com os instrumentos acústicos. A voz de um e a voz de outro e ruídos e uma série de elementos que não estão necessariamente em relação. Eles estão em conflito muitas vezes. Nós criamos também a partir da idéia de simultaneidade. Elementos que, direi assim, não estão de forma ilustrativa. Então, o ritmo pulsante e, um outro, que não está criando exatamente um contraponto. Ele está fazendo uma outra coisa completamente diferente daquilo ali. E isto em relação à imagem também, ao que é projetado. Também exploramos a imagem projetada. Por vezes, atravessamos esta imagem enquanto ela está sendo projetada. Então, tudo isto atende a um princípio performativo. O que impede que o que nós fazemos seja lido do ponto de vista específico da poesia ou da performance, conforme praticada nas artes cênicas ou da praticada nas artes plásticas ou do concerto musical. Tem a ver com todas estas linguagens, mas apontam para uma zona de instabilidade que faz com que o expectador fique completamente perdido ou ele identifique um caminho a seguir. Um caminho que, inclusive, poderá deixar que outros também o perpassem. Falando assim, parece complexo, mas não é. Em geral, as

que estão no cotidiano e elas não ouvem. A fazer gestos que elas deixaram de fazer quando eram crianças. Então, isto acontece muito com a gente.

O FAN

O FAN é proposto quando o Gil chega da Alemanha. Momento, então, em que ele havia tomado uma surra em relação a novas linguagens, ao uso de novas tecnologias e, também, que ele apreende a visão que o estrangeiro europeu, de modo geral, tem do Brasil, do que é o terceiro mundo. Ele havia se apresentado lá e viu que a expectativa era a de que fosse usado, principalmente, não as tecnologias, mas o velho e bom berimbau, o velho e bom tambor. Aquelas visões “primeiro mundistas” sobre nós. Ele volta disposto a criar o Festival de Arte Negra. E, assim, encaminha esta proposta à Professora Antonieta Cunha, na época, secretária de cultura, do município de Belo Horizonte. Ela é uma das pessoas que, na história desta cidade, mais realizou pela cultura em Belo Horizonte. A pessoa que mais deu abertura para introdução de uma visão antropológica de cultura e não uma visão ligada apenas às belas artes. Na época, eu era assessor da Secretaria Municipal de Cultura e fui o responsável pela redação do projeto do primeiro FAN. Este que agora está fazendo dez anos (2005) e que se deu no ano do tricentenário de Zumbi. Então, ele tinha uma perspectiva política muito definida. Bom, o Festival ficou sem acontecer por oito anos. Ele voltou em 2003. Nós três, o Gil, eu e o Rui Moreira compomos o trio de curadores. E aí foi muito importante porque cada um de nós já havia consolidado a sua presença e inserção na vida cultural da cidade e em graus variados, no país. Nós três trazíamos a experiência de trabalhos em comum na Companhia SeráQuê?. Assim, apesar de não ter sido fácil fazer a curadoria da segunda edição do Festival de Arte Negra, nós pudemos propor um modo de fazer que já tinha sido testado em outros ambientes. Procuramos, em síntese, uma aproximação não necessariamente conflitiva entre tradição e contemporaneidade.

Candomblé, Congado

Quando pensamos no Candomblé, não há porque não pensar em um espaço sociocultural e religioso preso a um tempo determinado. Seja um tempo histórico, seja um tempo simbólico. Nós só podemos pensar com os olhos de agora. Como parte daquela informação simbólica, prática, emocional, de todos os níveis, que não completou ainda a sua mensagem. É uma novidade que continua novidade com relação à história da cultura brasileira. Ainda não sabemos muito o que o Candomblé tem a nos dizer. Da mesma forma o Congado. No meu caso particular, o Candomblé ele apresenta-se também como sendo o lugar em que Iorubá foi preservado. O Iorubá, é a língua de uma das tradições poéticas que mais me interessaram nos últimos anos que são os Orikis, da tradição Iorubá. Oriki é uma forma requintadíssima de poesia e que me interessou não enquanto negro. Não me interesso pelas coisas pelo fato de ser negro. Interessou-me como um fato de linguagem.

Oriki

Concebo o Oriki como um cântico de saudação e louvor que vem ampliar as possibilidades de concentração, de condensação, de síntese e uso da intertextualidade. Trata-se da materialização

daquilo que Nietzsche fala em relação à vida em forma de arte. A arte não como algo à parte no cotidiano, mas como algo presente.

Pela palavra

Eu acho melhor dizer que é pela palavra, através da palavra que você pulsa. Ou mais ainda, que você escuta a pulsação de tudo. Então, falando assim, dá a impressão que é tudo muito coerente, claro e ordenado na minha cabeça. Não é, mas fazemos o possível para não deixar os andaimes muito à mostra.

Patangome

Patangome foi o primeiro trabalho da SeráQuê? O título fui eu quem deu. De Patangome na cidade. Patangome é um instrumento utilizado no Congado. A idéia era de sintetizar este movimento de algo que está na tradição, que está nas bordas, nas margens e vem para o centro da cidade. Centro, enquanto localização espacial. Mas eu não participei deste trabalho. (...) Este trabalho marca o início da

SeráQuê?

Quilombos Urbanos

Quilombos Urbanos é um marco na nossa parceria. E vou além, é um marco na dança contemporânea, no Brasil. Isto por ter elementos, além de troca entre dança contemporânea e Hip Hop, trilha sonora feita ao vivo. Ele tanto pode ser visto na perspectiva de um espetáculo de dança contemporânea, que associa várias linguagens, como ele vai muito além. Nele, não estamos como em muitos momentos em que cantamos e aquilo é uma trilha sonora. O Rui, por exemplo, propõe e muda os movimentos conforme muda as inflexões da minha fala. Então, este sim é o grande momento da companhia SeráQuê?

Black Maria - exercício radical de alteridade, lugar da nossa amizade Eneida: A Black Maria parece ter muito a ver com você.

Ricardo: Porque é um exercício radical de alteridade. Ela não é mais minha do que de Gil, mais de Gil

do que minha. Ela é o lugar da nossa amizade, da criação que só surge porque, Gil e Ricardo, Ricardo e Gil... Outras pessoas podem entrar e participar do processo. É verdade. Já aconteceu, acontece e vai acontecer sempre. Mas é o lugar onde o que cada um é como artista pode aparecer sempre. Não tem que aparecer mediado por nada de fora. Seja de um coreógrafo, seja de um diretor musical. É o lugar do erro. Mais o que fazemos é errar. Total abertura para o erro e sem cara feia. Erramos, mas como parte de um processo. Seja de cena, tanto da palavra quanto de sujeito que somos. É um exercício arriscado, inclusive. É uma energia muito forte, um trabalho cerebral. É assim, por entendermos que tem de haver uma base teórica sólida para que as coisas aconteçam em cena. Você teoriza a vontade antes, vai para cena, erra à vontade, faz... Faz chover se for o caso, volta e faz teorizar. Uma das críticas que nós recebemos depois de uma apresentação em Diamantina em 2001, é que o trabalho é bom, mas falta direção. No princípio, eu fiquei muito chateado com este comentário, até que ficou

direções para as performances que não têm muito tempo de você racionalizar por onde vai. É como o tempo Kairótico dos gregos. É o agora. Fui. Não tempo. Podem dizer: “Ah, isto está errado.”

Eu ouço. Não vejo muito o que dizer sobre tal tipo de avaliação. Porque sobre este tipo de trabalho não é o caso de me colocar a refletir sobre ele. Há um transformar aquilo. Você se transforma naquilo. E vai para uma outra via ou não acontece nada. De alguma forma, isto tem a ver com o transe místico, com a experiência alucinógena, com a experiência erótica. Todas estas portas da percepção. E aqui, eu não estou fazendo apologia de nenhum misticismo, mas estou falando de algo que, no meu caso pessoal, é um dos momentos mais profundos de simbiose entre razão e percepção. Porque, tem todo um lastro da razão, da elucubração da teorização que nos potencializa em cena. Deixar que tudo aconteça e tudo esteja de acordo. Como disse, nem sempre dá certo. Para nós, para as pessoas que estão ali, mas sempre acontece alguma coisa. Por isto, a experiência da Black Maria, eu quero repetir por muitas vezes porque eu posso sentir isto. Também, a experiência de poder fazer com o outro e um outro que é tão diferente de mim em todos os sentidos é que é estimulante.

Eneida: Sobre a questão do erro, você me deu um esclarecimento. Entendi que vocês promovem

apresentações e a partir do retorno avaliam se estaria errado?

Ricardo: Nem sempre, às vezes é na hora.

Eneida: Eu queria saber isto também. É enquanto estão fazendo é que alguém... Quem, vai dizendo

que está certo, que está errado e segundo, que tipo de parâmetros vocês utilizam para se avaliar certo e errado?

Ricardo: Os parâmetros são os nossos, traçados por nós mesmos durante os ensaios, durante encontros

informais. E aí é uma mescla porque nossos encontros são sempre ensaios informais de alguma coisa. Nossos ensaios são sempre encontros que vão além de uma apresentação... Eu aprendi isto muito com ele. Eu tinha isto, mas era em escala muito reduzida. Nós, Gil e eu... A base de sustentação de iniciativas dos dois quando juntos é a nossa amizade.

Algo nele incentiva-me a fazer coisas que eu não faria

Tem um filme na minha cabeça que é Gil e eu dividindo quarto de hotel pelo interior mineiro e em outras cidades. Na Argentina, ficamos juntos, também, nas ruas desta cidade. A gente andando e brincando e mexendo com as pessoas e mudando o jeito de andar. Então, ali não é representação. Aquilo é algo presente nele que me incentiva a fazer coisas que eu não faria. E que certamente me incentiva a fazer de outra forma. Por exemplo, o jeito de pisar no chão e tantas outras coisas corriqueiras do cotidiano: andar pela calçada; mexer com as pessoas neste percurso. Coisas que certamente ele não faz quando está sozinho e que eu não faço quando eu estou sozinho também. E que é uma construção.

Quando a gente percebeu que fazia isto, a gente começou a refletir sobre isto e passamos a gostar de fazer. É um lado que eu não saberia falar muito sobre e que, sobretudo, me dá prazer de fazer. Um lado que deu abertura para começarmos a considerar como é que outras pessoas vivem isto.

Corporalidade negra na arte e no cotidiano - interesse de estudo

Tem um estudo que eu comecei e não sei se vou acabar porque o tempo dedicado a ele é dividido com outras coisas e que é a corporalidade negra, na arte e no cotidiano.

Eu conheci alguns anos, há cerca de dez anos, um estudo feito nos EUA, no campo da antropologia, explorando o Black Walk. É o andar negro em várias comunidades. E comecei a ficar com isto na cabeça. Que é, no contexto das grandes cidades, como o andar dos negros vai se alterando conforme o lugar? Um é o andar quando se desce do ônibus. O cara está ali, corre para pegar o ônibus. Liga um som, quando está dentro do ônibus. Ele vai descer. Se ele tiver atrasado, ele vai correr de um jeito. Eu estou pensando em um garoto de 16, 18 anos ou 19, 20 anos, como é que ele vai entre a casa dele e o trabalho? O que vai alterar a qualidade da gestualidade dele, do movimento dele? Se ele topa com uma dupla de policiais, ele já vai andar de um jeito diferente. Quando ele topa com uma mulher assustada com a presença dele, ele vai reagir de uma forma também.

Então, eu tenho muita vontade de estudar isto. De pegar tipos. Tanto este garoto de 20 anos, quanto aquela mulher de 40 anos, a menina de 12 e o homem de 80. E, de início, pensar nos negros. Eu queria muito pensar no andar negro no contexto das grandes cidades. Sei que não vou levar adiante se não for para um espetáculo. Enquanto teoria, eu acho muito difícil dedicar-me a isto. Eu uso em um curso ou