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CICLOS HEGEMÔNICOS DO SISTEMA-MUNDO MODERNO

De forma geral, a competição pela liderança do sistema-mundo passa por uma fase de desenvolvimento econômico sustentado dos principais competidores, o que eleva em nível global a demanda por matérias primas e se transfigura em uma disputa pela periferia do sistema, mas também pelas tecnologias de elevação da produtividade destes insumos na tentativa de assegurar o ritmo do desenvolvimento nacional. Nesta disputa, o hegemon anterior pode manter vantagem apenas por algum tempo sobre a economia-mundo devido ao acúmulo de capital de que desfruta, mas iniciada a fase de transição, com novos competidores lançando mão de inovações diversas, um novo ciclo de ascensão e queda é iniciado (BUNKER; CICCANTELL, 2005).

Embora haja certo consenso em relação à sequência de hegemonias do Sistema-Mundo, a definição de cada ciclo hegemônico, bem como os mecanismos responsáveis pela ascensão e a queda de cada um deles, são objeto de disputa entre acadêmicos defensores das perspectivas da

economia-mundo (Sociologia) e da política mundial (Ciência Política)29. Diante de tal impasse, Kwon (2011), sob a supervisão de Chase-Dunn, realizou uma revisão bibliográfica acerca dos argumentos e critérios para a classificação de hegemonias, aplicados aos dados e estimativas disponíveis sobre o poder econômico e militar de cada candidato a hegemon, entre os anos 1500 e 1945, que resultou em um índice hegemônico30 a partir do qual o autor reorganiza os ciclos de liderança, hegemonia e disputas hegemônicas (KWON, 2011, p. 608), conforme indicado abaixo.

 1502 - 1546: sem hegemonia, mas sob a liderança de Portugal;

 1547 - 1600: sem hegemonia; sob a liderança alternada da Inglaterra, Países Baixos e Espanha;

 1601 - 1678: Países Baixos (hegemonia de 1608 a 1645);

 1679 - 1707: Sem hegemonia, mas sob a liderança alternada da Grã-Bretanha e dos Países Baixos;

 1708 - 1791: sem hegemonia, mas com clara liderança da Grã-Bretanha;  1792 - 1918: Grã-Bretanha (hegemonia de 1833 a 1918);

 1919 - 1945+: Estados Unidos (hegemonia a partir de 1943). Esta sequência baseia-se nos seguintes pressupostos:

a. As evidências são insuficientes para concluir que Gênova foi um hegemon ou mesmo um líder da economia-mundo sob qualquer dos argumentos escolhidos (KWON, 2011, p. 604);

b. Portugal apresenta um índice hegemônico ligeiramente elevado para a primeira metade do século XVI, baseado em sua superioridade naval, que possibilitou vantagens no comércio internacional de especiarias e nas viagens exploratórias que, mais adiante, permitiram as

29 Há três diferenças básicas entre as duas abordagens: (a) a perspectiva da economia-mundo reconhece três hegemonias (Países Baixos, Inglaterra e Estados Unidos), enquanto a perspectiva da política mundial defende quatro (as mesmas três, porém entecedidas por Portugal). (b) Enquanto a literatura sobre a economia-mundo debate internamente sobre qual nação era mais poderosa no século XVI, se a Espanha dos Habsburgos ou Gênova, a perspectiva da política mundial tem resolvido que Portugal era o líder global. (c) Os pesquisadores da economia-mundo avaliam o século XVIII como um período de intensa competição hegemônica, enquanto aqueles da política mundial defendem ter havido duas lideranças sucessivas da Inglaterra (KWON, 2011, p. 594).

30 As duas medidas essenciais para a avaliação da distribuição de poder no sistema-mundo são os atributos de um Estado-nação (PIB e despesas militares) e sua rede de influência (ou network, que inclui as trocas diplomáticas e participações em tratados internacionais), mas em virtude de os dados sobre os tratados só estarem disponíveis a partir do século XIX, a análise foi integralmente feita sobre os atributos (KWON, 2011, p. 598-9).

conquistas coloniais31. Contudo, esta não se revela substancial para configurar uma hegemonia e o país permanece apenas como o mais poderoso entre 1502 e 1546 (KWON, 2011, p. 598, 603);

c. O Império Habsburgo, que já não era considerado um hegemon pela literatura sobre a economia-mundo32, foi descartado por Kwon como um possível hegemon, apesar de sua superioridade econômica entre 1516 e 1558, por não apresentar vantagem no PIB per capita e não alcançar o mínimo de duas vezes a marca de seu competidor mais próximo no índice de hegemonia. Disso resulta a conclusão de ter havido intensa competição hegemônica entre os séculos XVI e XVII, embora reconheça o autor que, descontados os Países Baixos, então território Habsburgo, este teve o mais elevado PIB per capita no período; ademais, a falta de informação sobre o poder naval dos territórios do Império Habsburgo (com exceção da Espanha) pode resultar em um índice hegemônico indevidamente baixo para aquele império (KWON, 2011, p. 601-3, 605).

Assim, diante da inconclusividade sobre a hegemonia da Espanha sob os Habsburgo, da limitada diferenciação que a alternância entre Portugal, Espanha e Países Baixos tiveram sobre a estruturação do capitalismo em nível mundial – mas particularmente no Brasil, que permaneceu vinculado à coroa Portuguesa -, estas hegemonias são abordadas em conjunto, sendo pontuadas ad hoc as iniciativas com influência direta sobre a formatação da produção agrícola na colônia brasileira.

d. Os Países Baixos chegam ao poder com a derrota do Império Habsburgo na Revolta Neerlandesa (ou Guerra da Armada, 1593–1604) e logram consolidá-lo no contexto da Guerra dos Trinta Anos (1635–1648), que manteve ocupadas as principais nações europeias (Espanha, França, Inglaterra e Alemanha) (TAYLOR, 1994, p. 30-1), e cujo fim também marcou o início do processo de declínio daquela hegemonia, seguida pela ascensão da Inglaterra (KWON, 2011, p. 608). A vantagem neerlandesa baseou-se, inicialmente, nas embarcações do tipo Fluyt e no comércio de grãos pelo mar Báltico, evoluindo para o comércio na Ásia e a criação da Companhia das Índias Orientais.

e. A Grã-Bretanha adquiriu uma vantagem no índice hegemônico entre 1708 e 1918, confirmando-se como nação mais forte durante os séculos XVIII e XIX e apresentando uma superioridade naval desproporcional ao restante das nações centrais em praticamente todo o período. A liderança baseada no Produto Interno Bruto per capita (PIB/n) deu-se em dois

31 As características da liderança econômica em cada período resultam das referências sobre as ondas de Kondratieff e os ciclos de acumulação e inovações descritas por Goldstein (1988), Boswell e Chase-Dunn (2000), Boswell (1987) e Modelski e Thompson (1996), conforme explica Kwon (2011, p. 598).

32 Isso porque, conforme Chase-Dunn e Hall (1997, p. 27) um império funda-se em um modo de acumulação tributário, assim como na coerção, enquanto hegemonias baseiam-se em formas capitalistas de acumulação.

intervalos: de 1723 a 1777 e de 1782 a 1918, tendo-se fundado na contínua expansão do comércio transatlântico articulado com a produção agrícola de base escravista, no primeiro momento, e na mecanização e controle da produção de têxteis de algodão. A segunda liderança deu-se como consequência da ampliação da estrutura ferroviária e da produção industrial combinada ao sistema de trabalho assalariado, até alcançar o domínio do aço e do modelo de produção em massa. Sua hegemonia foi confirmada apenas entre de 1833-1918, quando o PIB/n inglês ultrapassou aquele dos Países Baixos (KWON, 2011, p. 604).

f. O ciclo hegemônico dos Estados Unidos começou durante a I Guerra Mundial, mas o país só ascendeu à condição de hegemon em 1930, durante o conflito seguinte, quando seu PIB/n superou o da Inglaterra. Sua vantagem econômica esteve baseada, inicialmente, na indústria automotiva, e depois no modelo de corporações multinacionais (KWON, 2011, p. 604). E, não tendo outro país alcançado seu poder bélico, PIB ou PIB/n, permanecem os Estados Unidos em seu ciclo hegemônico, ainda que em rota descendente, como propõe Wallerstein (1984), para quem o ano de 1967 foi o último desta hegemonia.