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3.3 CICLO HEGEMÔNICO 2: GRÃ-BRETANHA (1708-1918)

3.3.3 Panorama da agricultura nacional

Diversas cartas régias revelaram a preocupação crescente da Coroa portuguesa com aumento da qualidade e quantidade dos produtos exportados, sendo a ampliação da pauta exportadora o motivo de maior preocupação. Em 1801, o Marquês do Lavradio estimulava “a

maior exportação possível de arroz, para consumo de Portugal” (LAVRADIO, 1801 apud NOVAIS, 1989, p. 257)30 e, em 1809, a expansão do cultivo de tabaco para São Paulo. Suas medidas objetivavam desenvolver no Brasil a produção das ‘drogas’ (especiarias) do oriente, mas também identificar culturas locais de potencial comercial – as ‘drogas’ tropicais. Ele próprio teria sido o responsável pela introdução dos cultivos comerciais de arroz, linho, cochonilha, amora e trigo na colônia (NOVAIS, 1989, p. 254-9).

“Para equilibrar o orçamento, aconselhava-se, além de medidas fiscais, o aumento da produção; como, entretanto, um dos motivos do desequilíbrio era o patrocínio de novos produtos, entrava-se num beco sem saída” (NOVAIS, 1989, p. 255). Além dos insumos, técnicas e equipamentos, era também preciso dar escoamento aos novos produtos pela via do Pará, o que aumentava os custos. Seguiram-se a liberação do comércio interno, o bloqueio à importação de produtos concorrentes aos brasileiros e renúncias tarifárias de apoio à diversificação da produção e aumento das exportações (NOVAIS, 1989, p. 255-9).

D. Rodrigo de Souza Coutinho (em carta a D. Fernando José de Portugal) elencou cinco determinações para superar os entraves ao progresso agrícola, dentre os quais desestimular o consumo de cachaça no Brasil, a fim de aumentar suas exportações, particularmente para a África, em nome do que sobretaxou o primeiro e amenizou as taxações sobre sua exportação; combater a inibição da exportação de certos gêneros sob o pretexto de faltarem ao consumo doméstico, em nome da “inteira e livre circulação de todos os gêneros [...] onde os preços só dependem da concorrência”; o máximo aproveitamento da mão de obra escrava, impedindo que fosse extraviada a Montevidéu; e, por fim, lembrou que as sesmarias improdutivas deveriam ser logo transmitidas para “mãos mais hábeis e que tenham cabedais” (MENDONÇA, 1958, p. 278 apud NOVAIS, 1989, p. 261)31.

Datam apenas do final do século dezenove as primeiras tentativas de se estabelecer uma política agrícola nacional, cujo foco teria sido a formação de mecanismos de financiamento32. O apoio financeiro fora distribuído, primeiramente, pelo Banco do Brasil, então transformado em um importante ator de apoio ao desenvolvimento rural, para em seguida ser expandido em um sistema de cooperativas de crédito, modelo de grande sucesso na Europa e que o Governo republicano almejara, todavia, sem sucesso, copiar. Isso porque “[n]a realidade, a fragilidade do sistema financeiro nacional e a extrema dependência da economia dos mecanismos externos de financiamento (centrados no café e na mineração) impediram a expansão dos créditos de longo

30 LAVRADIO, M. do. Carta Régia de 3 de setembro de 1801. Conf. Publicado no Arquivo Nacional, vol. 1, p. 746. 31 MENDONÇA, M. C. Instruções. In: O Intendente Câmara. São Paulo, 1958, p. 91.

32 Os instrumentos de política agrícola servem para “reduzir o grau de risco e incerteza e, portanto, melhorar a alocação de

prazo e, portanto, a institucionalização de um sistema mais amplo de apoio à agricultura nos moldes existentes em outros países” (COELHO, 2001, p. 4). Isso significa que o crédito oferecido aos exportadores era fruto do seu próprio resultado, do que decorre um mecanismo retroalimentado que, dentre outros fatores, inclusive oligopolistas, não deixava margem ao fomento de novos atores; crescia-se a partir da elevação da produtividade dos fatores, mas de forma absolutamente verticalizada e sem permitir o adensamento do capitalismo no campo.

Nos primeiros anos do império cresceram vantajosamente as culturas do tabaco e do café. Extraído desde 1501, o pau-brasil foi exportado até 1855, quando se tornou oficialmente escasso na orla marítima; antes disso, com a descoberta da anilina e a fabricação de corantes sintéticos na Europa, em 1826, sua comercialização começou a declinar. Outras três outras culturas marcaram subciclos33 específicos: o algodão, o arroz e a pecuária (FROTA, 2000, p. 275-6; FURTADO, 1988, p. 11, 19). As sessões seguintes se dedicam aos ciclos e subciclos mais importantes deste segundo ciclo hegemônico.

3.3.3.1 Cana de açúcar

O cultivo do açúcar foi mantido nas zonas históricas sob a administração da mesma aristocracia rural, até que, em 1902, foi concluído o Convênio de Bruxelas estabelecendo a supressão dos prêmios, diretos e indiretos à produção e à exportação do açúcar de beterraba, assegurando assim condições competitivas para o açúcar de cana34. O acordo vigorou até a eclosão da I Guerra Mundial, após o que foi acompanhado de amplo movimento pela popularização do consumo de açúcar, cuja produção se elevara, de 6 para 10 milhões, entre 1888 a 1902, e dali para 18 milhões de toneladas, de 1903 a 1914, caracterizando uma fase de expansão da produção e consumo mundiais (MONT’ ALEGRE, 1964, p. 265).

Na segunda metade do século XIX, quando o aumento dos custos de produção comprometia a competitividade do açúcar brasileiro em relação ao produto antilhano, filipino e mesmo o europeu, o governo lançou mão de uma linha de crédito a baixos juros (até 7% a.a.) para o estabelecimento de engenhos centrais que empregassem máquinas e processos modernos. Além de desafiar a resistência dos senhores de engenho, a iniciativa incentivou a criação das primeiras cooperativas açucareiras à medida que visava a reunir o maior número de pequenos

33 Um subciclo é um ciclo em menores proporções, restrito pela quantidade ou espaço de tempo da exportação; pode ser introduzido em decorrência de um ciclo (pecuária, em relação ao açúcar, no Nordeste), embutido nele (pecuária, em relação à mineração, no Sudeste), ou pela imposição de um produto conjuntural favorável (arroz e algodão, no Nordeste, e, mais tarde, a borracha, no Norte) (FURTADO, 1988, p. 19).

34 Foram signatários originalmente Alemanha, Áustria, Hungria, Bélgica, Espanha, França, Itália, Noruega, Países Baixos, Reino Unido e Suécia, e logo aderiram também Peru, Suíça e Rússia.

plantadores. Em apenas dois anos foram criados engenhos nos estados do Rio de Janeiro (2), Paraná (1), São Paulo (1) e Bahia (1). Mas o atraso acumulado pelos engenhos do Nordeste não permitiram a retomada da sua competitividade, apesar do capital estrangeiro ali investido e do desinteresse na produção de açúcar no Sudeste em função da ascensão do café (FURTADO, 1988, p. 97).

3.3.3.2 Café

O café foi introduzido no Brasil ainda no começo do século XVIII. Do Pará, onde foram plantadas as primeiras mudas, seu cultivo se espalhou rapidamente pelo entorno Vale do Rio Paraíba, especialmente no Maranhão e na Bahia, seguindo para o Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Minas Gerais onde, se estabeleceu como eixo de um novo ciclo econômico a partir de 1825. Até então, a produção fora em pequena escala e voltada ao consumo doméstico, mas foi alçada à pauta exportadora na oportunidade gerada pela queda da produção no principal exportador mundial do produto – o Haiti - em decorrência de sua longa guerra de independência contra a França (1791-1804). Os primeiros embarques ocorreram em 1779, somando apenas de79 arrobas; quase trinta anos depois, em 1806, as exportações já superavam as 80 mil arrobas (HISTÓRIA..., 2011).

O cultivo do café desenvolveu-se sobre bases monocultoras e escravistas, ao mesmo inicialmente, expandindo-se rapidamente em resposta à discrepância entre oferta e crescente demanda global. Seu cultivo atraiu grandes contingentes de imigrantes europeus, consolidando a formação e expansão da classe média nacional. Por quase um século o café foi o principal produto da pauta exportadora nacional; as divisas que atraiu dinamizaram a economia doméstica e em torno da cafeicultura mais austral surgiram cidades e se desenvolveram importantes centros urbanos. Para escoar a produção, substitui-se o transporte animal por ferrovias35, impulsionando o comércio inter-regional e subsidiando o desenvolvimento de setores complementares da economia (HISTÓRIA..., 2011; FURTADO, 1988, p. 104-12; TAUNAY, 1939).

Uma longa crise que durou 14 anos (1896 -1911) acometeu o setor e, na maior parte do período, a solução acabou sendo deixá-lo “á lei natural do augmento do consumo e queda da produção [sic]” (TAUNAY, 1939, p. 424). Apenas em 1906, foi firmado o Convênio de Taubaté, possivelmente a primeira tentativa bem sucedida de se organizar uma política agrícola de suporte (crédito, sustentação de preços e formação de estoques); fora financiado pelos então presidentes

35 As ferrovias, meio de transporte mais atual à época, foram implantadas e operadas por companhias de capital misto brasileiro, britânico e, em menor escala, francês (FURTADO, 1988, p. 93).

dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais com o objetivo de valorizar o preço do café (COELHO, 2001, p. 5).

Ao longo do Segundo Império, o café teve um importante papel na diminuição da dependência brasileira e algum poder de barganha em relação à Inglaterra. Quando as culturas tradicionais – açúcar e algodão – estavam estagnadas, as exportações do grão para os Estados Unidos já representaram 28% das exportações nacionais, e continuavam crescendo. Entre 1871- 73, o café respondia por mais da metade do valor das exportações totais e, depois da expansão da área de cultivo, superou os 50% entre 1875-80. Ao final do século, daqui partiam 80% do café exportável do mundo, (FURTADO, 1988, p. 90, 96-7, 101).

3.3.3.3 Pecuária

Trazido de Cabo Verde, o gado bovino foi introduzido na colônia junto com os cavalos, ainda nos anos 1530 para abastecer a zona canavieira36 com tração animal, para o transporte e moagem da cana, e com carne e leite, para a alimentação dos escravos. Desenvolveu-se, inicialmente, como cultura subsidiária, dentro dos engenhos de açúcar, tendo sido logo expurgado por danificar as plantações em resposta à necessidade de terras à expansão canavieira; sob decreto, a atividade foi transferida para fora da zona litorânea. De criação extensiva, o gado auxiliava a expansão canavieira de três formas: liberando espaço dentro das fazendas; limpando áreas de floresta, sobre as quais a cana logo avançaria; e criando uma barreira de proteção contra ataques indígenas.

Até o final do século XVII, a pecuária também respondia à demanda por couro, muito usado para embalar o fumo exportado. Não demorou até que o couro se tornasse, ele próprio, produto da pauta exportadora, embora com participação marginal (FURTADO, 1988, p. 28). Neste período, a pecuária expandiu, particularmente, em função e em torno da atividade mineradora37, incentivada “com a finalidade de abastecer a nova área de progresso econômico e

36 D. Pedro II, em 1701, proibiu em carta régia a criação de gado fora do sertão (LOPEZ, 1981, p. 36).

37 O chamado ‘ciclo do ouro’ ocorreu entre o final do século XVII e ao longo do XVIII, tendo marcado uma nova e mais dinâmica fase da formação social e econômica do Brasil colonial. O minério foi encontrado, principalmente, na região do atual estado de Minas Gerais (daí o nome desse estado), mas também em parte dos atuais estados de Mato Grosso e Goiás, erigindo-se ali o novo eixo colonial, a partir de então deslocado do nordeste para o sudeste. Os produtos da mineração eram monopólio real e sua exploração se dava pelo arrendamento de lotes por particulares, aos quais eram delegadas áreas maiores ou melhores conforme o número de escravos destinados à sua exploração. Houve casos de ex-escravos que, tendo amealhado algum ouro para si, lograram comprar a própria liberdade e explorar por conta outras áreas. Por não exigir grandes investimentos iniciais, permitiu que o negócio fosse explorado por um maior número de pessoas, que assim lograram ampliar o poder aquisitivo local e formar uma classe mercantil nacional. Não foram poucos os casos de ex-escravos lançados a condições econômicas superiores. Ademais, a mineração, diferentemente do açúcar, fora minuciosamente regulamentada e controlada pela

social”, mas principalmente para desestimular o contrabando de ouro, em função do que a metrópole baixara um novo decreto proibindo, no Sudeste, a aquisição de gado do nordeste pelo Rio São Francisco (LOPEZ, 1981, p. 35).

A escassez de sal foi um importante elemento desacelerador do desenvolvimento da pecuária. Embora, desde o início da colonização, índios e jesuítas já retirassem o sal do mar para consumo local, sua extração na colônia foi proibida em 1665, após os holandeses descobrirem salinas de grande rendimento em Pernambuco; o objetivo era evitar a concorrência com o sal metropolitano. A extração voltou a ser permitida no século XVIII em Pernambuco, Cabo Frio e no Rio Grande, mas o comércio entre capitanias continuou proibido, dando manutenção ao mercado do sal metropolitano nas áreas não produtoras. Com o crescimento da população e do poder aquisitivo (decorrente em grande parte da atividade mineradora) aumentou sua demanda, gerando escassez e carestia. Houve diversos conflitos pelo produto, inclusive assaltos aos armazéns das alfândegas, onde era armazenado o sal enviado a Portugal. O produto era particularmente importante à crescente atividade pecuária e à produção de charque, ambas no interior da colônia, o que forçou o alvará de 1801, pelo qual se extinguiu o monopólio do sal (RESUMO..., 2016, notas 7-10)

A manteiga de leite de vaca (desconhecida dos índios e africanos) era um ingrediente fundamental na culinária portuguesa e, durante muito tempo, foi artigo raro no Brasil colônia, mesmo entre as elites. No início do século XIX, o produto consumido no Rio de Janeiro ainda era rançoso, do tipo vermelho e importado da Inglaterra, precisando ser lavado antes do consumo. O queijo tinha sua produção limitada pela escassez de sal e precisava ser importado de Portugal, alcançando preços proibitivos. Estes produtos só deixaram de ser exclusividade das mesas abastadas após a chegada da nobreza portuguesa que, com o contingente que a acompanhou na vinda ao Brasil, popularizou o hábito de consumo destes produtos, incentivando a produção local e barateando os preços (RESUMO..., 2016, notas 4-6).

De São Paulo, onde era desembarcado, o gado rapidamente chegou ao Rio Grande do Sul, misturando-se ao rebanho das colônias espanholas. A ocupação das áreas continentais foi

metrópole, que também fomentou a formação de um aparato burocrático específico e toda uma classe de funcionários públicos (LOPEZ, 1981, p. 69-70).

O ouro explorado no século XVIII por portugueses era de superfície (ou fluvial) e fundamentalmente assentada no trabalho escravo. Apenas em 1824, com a autorização da exploração por estrangeiros, o outro passou a ser explorado em profundidade. Esta atividade ficou a cargo, primeiramente, da companhia inglesa St. John d’El Rey Mining Co., e no século XX ela esteve sob o comando da Hanna Corp., conglomerado norte-americano que também extraiu minério de ferro da região. Não por coincidência, estas companhias estavam baseadas nos Estados hegemônicos nos séculos XIX e XX (LOPEZ, 1981, p. 69-70). Só até 1831 teriam sido extraídas 22 toneladas do minério (FROTA, 2000, p. 275-6).

ainda viabilizada pela unificação da Península Ibérica (1580-1640) e a automática suspensão do obstáculo jurídico imposto pelo Tratado de Tordesilhas, ainda que, em verdade, a Espanha nunca se tenha interessado em povoar o interior do Brasil, mantendo-se sempre ocupada com a exploração de minérios a oeste do continente sul-americano (LOPEZ, 1981, p. 53, 65).

Do ponto de vista do trabalho empregado, a pecuária diferenciou-se tanto da produção de açúcar como da mineração e do algodão na maior parte do país. Foi menos rígida e aristocrática, mostrou-se rústica e exigiu menos mão de obra que as demais, valendo-se do índio e seus filhos mestiços, sem que o negro ali exercesse papel de relevância. Como consequência, foi elemento atenuante no abismo entre as classes e fator decisivo ao povoamento de novas regiões (LOPEZ, 1981, p. 36). Nas regiões de fronteira ao Sul, no entanto, a pecuária - na criação como nas charqueadas -, se desenvolveu sobre trabalho escravo, mas foi aí, como no restante do país, fundamental para evitar a formação de latifúndios e para promover a ocupação do território, particularmente ao longo das fronteiras com o Uruguai e Argentina (FURTADO, 1988, p. 98).

A associação da pecuária à mineração também foi fundamental ao adensamento populacional no interior da colônia. Enquanto a primeira se caracterizou por deslocamentos populacionais bruscos e o isolamento entre os núcleos produtores, assim como entre estes e o litoral, a segunda desenvolveu-se de forma paulatina e por proximidade, conservando um “contato íntimo e geograficamente contínuo com o seu centro irradiador” (PRADO JÚNIOR., 1972, p. 39, 55-6). Juntas, a pecuária, a mineração – sobretudo a de aluvião, por requerer menores investimentos e mão de obra – e a urbanização que se deu ao seu redor possibilitaram algum afrouxamento dos controles sociais, contribuindo para maior mobilidade social38. Se, por um lado, a mineração se deu sob intenso controle colonial, por outro, a pecuária se desenvolveu sob o domínio ‘inconteste’ do capital privado e em grande isolamento em relação à administração e à política colonial (CARVALHO, 2004, p. 19-20; LOPEZ, 1981, p. 69-70).

O foco metropolitano sobre a mineração desprezava o crescimento multissetorial na colônia e, com ela, o amadurecimento da iniciativa privada e do pensamento liberal. Foi justamente o minério, na brevidade de seu ciclo, que traçou os caminhos à independência da colônia, deixando de herança o gado e uma elite republicana.

38 A importação de escravos se estendeu até 1850, quase três décadas após a independência. A escravidão não era mais uma necessidade colonial, mas um fator produtivo essencial à economia do já Império do Brasil. Carvalho (2004, p. 19-20) cita terem sido introduzidos no Brasil cerca de 3 milhões de escravos até 1822, quando estes ainda somavam 1 milhão ou 20% da população total, que incluía 800 mil índios. Era tão grande a força da escravidão que, no campo e nas cidades, de padres a viúvas, ex-escravos e até mesmo alguns escravos, quase todos possuíam escravos, não importava a classe social.

3.3.3.4 Algodão

O subciclo do algodão se estendeu da metade do século XVIII ao XIX e, como a cana, fundou-se, no latifúndio, no trabalho escravo e a na exportação. O algodão já era conhecido dos indígenas e diversas espécies nativas podiam ser encontradas no Brasil logo no início da colonização, mas foi com incentivos da Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão que, neste estado e, em menor escala, no Ceará39, a produção algodoeira se estabeleceu de forma mais intensa e longeva. Contudo, as primeiras técnicas de fiação e tecelagem chegaram apenas no século XVII, quando as roupas de algodão passaram a ser usadas por escravos (e apenas eles) nos períodos mais quentes (FROTA, 2000, p. 275-6). Sob a forma de novelos ou peças de pano, o algodão foi inicialmente empregado como meio de pagamento dos funcionários régios e nas transações comerciais até a introdução da moeda metálica naquela região, em 1749 (SECRETARIA..., 1798, nota 7).

A partir da segunda metade do século XVIII, a crescente demanda de algodão da indústria têxtil britânica forçou a expansão do cultivo e a fabricação de fios, processo que provocou uma segunda onda de interiorização (haja vista ser o clima seco mais propício a esta cultura) da produção mercantil brasileira para exportação. Mas, a despeito dos incentivos governamentais e da produção crescente, a elevada competitividade (baixo preço e qualidade superior) alcançada pelo algodão norte-americano no século XIX acabou suplantando o produto brasileiro nos mercados internacionais (FURTADO, 1988, p. 19; SECRETARIA..., 1798, nota 7).

3.3.3.5 Cacau

Na segunda metade do século XIX, o cacau, que era nativo da Amazônia, foi levado à Bahia, onde seu cultivo se adaptou e cresceu rapidamente, acompanhando a elevação do consumo de chocolate na Europa. Apesar da produção crescente e do preço elevado, que movimentavam toda a região sul do estado, sua participação no valor das exportações totais ficou em torno de 1,5% nos anos 1890 (FURTADO, 1988, p. 98).

3.3.3.6 Látex

O látex, outro produto nativo da Amazônia, passou a ser internacionalmente cobiçado a partir da descoberta do processo de vulcanização (1839), que permitiu a confecção de pneus e a

popularização do automóvel. Como a coleta desta seiva não exigia especialização, centenas de milhares de trabalhadores do Nordeste migraram para as zonas dos seringais; particularmente, advinham do Ceará, onde a seca comprometia a produção de algodão. O ciclo deste produto foi curto e atingiu seu ápice na virada do século XX (1889-1912). Considerando as vendas excepcionais de café nos anos 1890, ter atingido os 15% da pauta exportadora foi razão de grande sucesso. Os preços altos e a perspectiva de aumento da demanda encorajaram a produção de látex no sul da Ásia (Malásia, Sri Lanka e Cingapura), onde o produto rapidamente se tornou muito competitivo, pondo fim ao ciclo brasileiro (FURTADO, 1988, p. 99).

3.3.3.7 Escravo africano

O esquema triangular (escravos africanos - produtos coloniais - manufaturas europeias) que abasteceu Portugal e, por seu intermédio, Espanha, Holanda e Inglaterra, foi-se desestruturando ao longo do século XIX sob forte pressão inglesa. Ante a resistência imposta pelos produtores exportadores, primeiro extinguiu-se, por decreto, o tráfico de escravos para o Brasil (lei Eusébio de Queiróz, 1850), mas como ignorava o comércio internamente, alimentando a demanda por mão de obra, praticamente não surtiu efeito; foi, como se passou a dizer, ‘para inglês ver’. Vinte e um anos depois foram libertados os filhos de escravos (lei do Ventre Livre, 1871) nascidos após a promulgação da lei, garantindo uma ou duas últimas gerações servis. Mais de uma década depois, a liberdade era garantida aos escravos que completassem 65 anos de idade (lei dos Sexagenários, 1885), libertando, sobretudo, seus senhores da obrigação de sustentá-los quando dotados de pouca ou nenhuma condição de trabalho. Finalmente, o decreto da Princesa Isabel (denominado de Lei Áurea) chancelou o fim da escravidão em 1888. Com a proibição da escravidão, encerrava-se também o vínculo com o iberismo (PRADO JÚNIOR, 1974).

Dados do Ministério da Agricultura contabilizaram, em 1887, a existência de 723.419 escravos no país; mais de dois terços deles na Região Sudeste, por conta da produção de café. O restante do país respondia por um número total de 240.848. A região mais moderna do país era também a que mais drenava o trabalho servil, cuja falta era sentida por proprietários de terras no