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Passo atrás: formação de Portugal e a incorporação do Brasil

3.1 CICLO HEGEMÔNICO 1: PORTUGAL E PAÍSES BAIXOS (1502-1678)

3.1.1 Passo atrás: formação de Portugal e a incorporação do Brasil

A fundação do Estado Português relaciona-se à doação do então Condado Portucalense a Dom Henrique de Borgonha, nobre Francês empenhado na expulsão dos mouros da Península Ibérica e, após sua morte, à luta de seu filho, Dom Afonso Henriques, pela autonomia própria e daquele território em relação ao rei de Castela e Leão, de quem era vassalo. Com o reconhecimento da igreja e apoio dos cruzados, proclamou-se rei de Portugal em 1139 e logrou expulsar os mouros das terras ao sul da Península Ibérica. A Dinastia de Borgonha (1139-1383) foi marcada por uma centralização monárquica que possibilitou o desenvolvimento do país e marcou a administração da colônia brasileira até o início da sua fase republicana (LOPEZ, 1981).

A dinamização econômica de Portugal deu-se através da integração comercial com o norte da Europa e da Itália, tendo sido esta a principal porta à entrada de bens preciosos vindos do oriente. A crise que tomou conta da Europa no século XIV esteve relacionada ao novo avanço dos mouros, o que forçou a substituição das rotas terrestres por percursos marítimos. Tal fato representou uma grande oportunidade ao desenvolvimento português em virtude da abundante costa e portos naturais e, juntos, fizeram de Lisboa um importante entreposto (comercial e de assistência técnica para embarcações marítimas) entre o Mediterrâneo e o Mar do Norte. Além do dinamismo econômico sem precedentes, Portugal acumulou vasto conhecimento sobre engenharia naval e navegação (LOPEZ, 1981).

A dinastia de Borgonha chegou ao seu fim com a morte de Dom Fernando, em 1383. Na ausência de herdeiro homem, sua filha, Dona Beatriz, casou-se com Dom João I, rei de Castela, a quem conveio a anexação de Portugal e para cujo empreendimento contou com o apoio da nobreza portuguesa. Opondo-se a esta, a burguesia portuguesa - formada ao longo de mais de dois séculos – defendia a liberdade política como pré-requisito para o crescimento econômico, em nome do qual apoiou a coroação do irmão bastardo do falecido rei, Dom João, o Mestre de Avis, eleito em 1385 pelas cortes portuguesas (LOPEZ, 1981).

Da aliança entre corte e burguesia nasceu a dinastia de Avis (1385-1580); juntas elas trabalharam para romper o monopólio comercial do Mediterrâneo Oriental, sob o controle de Gênova e Veneza, contando ainda com o apoio da igreja católica, a quem convinha manter os

muçulmanos longe da Europa. Sua expansão marítima foi impulsionada pela criação da Escola de Sagres, em 1417, dedicada à construção e pesquisas navais e responsável por acumular e difundir o conhecimento gerado a cada nova expedição. Por tudo isso, o empreendimento marítimo foi uma aposta de riscos muito limitados para Portugal, haja vista que, primeiro, o mar era a única saída à sua expansão (do outro lado havia a Espanha) e, segundo, tanto a pesca como o sal já eram riquezas básicas consolidadas em na sociedade feudal. Assim, com a queda de Constantinopla (1453) e os subsequentes bloqueios das rotas comerciais pelo Império Otomano e encarecimento das mercadorias orientais, viabilizou-se o estabelecimento de uma rota marítima alternativa. Não demorou até que Vasco da Gama inaugurasse, em 1497, a rota que contornava a sul o continente africano; mais longa e segura, apesar das águas bravias do Cabo da Boa Esperança. Portugal, ao adquirir especiarias e artigos finos diretamente do oriente, eliminou atravessadores genoveses e venezianos, dentre ouros, barateando os custos unitários e ampliando as possibilidades de consumo na Europa. E como foi do desejo da burguesia e corte portuguesas, fazia também concorrência à Itália no abastecimento do mercado europeu (LOPEZ, 1981). A figura 2 ilustra estas rotas principais.

Figura 2. Rotas comerciais entre a Europa e a Índia, 1000-1497 EC.

De forma geral, a ascensão de Portugal deveu-se a um arranjo oportuno de fatores que lhe foram favoráveis: sua posição geográfica, com vasto litoral e portos naturais; a convergência dos interesses da corte com os de uma burguesia dinâmica; a contração do sistema feudal europeu, pela qual foi possível o rearranjo das fronteiras e a criação do Estado nacional; o interesse da igreja católica em obter o apoio português na luta contra os mouros, convertido em apoio político, militar e material; a ausência de oposição por parte da França e Inglaterra, que poderiam ter assumido a função de entreposto não estivessem envolvidas na Guerra dos Cem Anos; a limitação da Espanha, que apesar de ser seu maior oponente, ocupava-se prioritariamente da luta contra o avanço dos muçulmanos; a queda de Constantinopla e o consequente encarecimento dos produtos orientais; e, finalmente, à expertise naval e capacidade empreendedora, ambas acumuladas ao longo da Dinastia de Avis (LOPEZ, 1981).

Depois de ‘descobrir’ Ceuta e as ilhas do Atlântico (Porto Santo, Madeira, Açores e Cabo Verde), de explorar a margem ocidental do litoral africano e chegar às Índias, finalmente aconteceu de, em 1500, o Brasil ser anexado ao domínio português. Em verdade, o Brasil não fora descoberto pelos portugueses, já que em 1494 a interposição espanhola pelo direito às terras a oeste das ilhas de Cabo Verde, com alguma intervenção papal, deu origem ao Acordo de Tordesilhas, repartindo o mundo em dois hemisférios cujo grau 0 já cortava o Brasil longitudinalmente: a leste o domínio português, a oeste, o espanhol. Ainda antes disso, em 1492, Colombo identificara terras ao sul da América tendo proposto uma rota alternativa à Índia que justamente cruzasse o Atlântico naquela direção, razão pela qual as terras próximas à linha do Equador foram consideradas estratégicas para o controle da rota Atlântica e a limitação da concorrência no acesso aos bens de consumo asiáticos2 (LOPEZ, 1981).

Naquela que viria a tornar-se a maior das colônias portuguesas, habitava uma população estimada em dois milhões de indígenas, distribuídos em quatro tribos (classificadas por troncos linguísticos): Tupi, em praticamente todo o litoral; Jê ou Tapuia (Macro-Jê), no Planalto Central; Nuaruaque, na bacia Amazônica; e Caraíba, ao norte da bacia Amazônica. Seu povoamento, iniciado há, pelo menos, doze mil anos (NEVES; PILÓ, 2008; PROUS, 2006), seria ‘reiniciado’ a partir da resistência de cada tribo à submissão aos interesses dos ‘descobridores’.

2 Assim que, sabendo da existência de terras a oeste do continente africano e já tendo inaugurado a rota pelo Cabo da Boa Esperança, é bastante improvável que Pedro Álvarez Cabral, em uma frota de 13 caravelas com bussolas e marinheiros experientes, chegasse à costa brasileira por acidente. Em vez disso, o argumento mais ponderado parece ser o de que a ‘descoberta’ do Brasil se tratou, muito provavelmente, de uma parada da frota para assegurar- se da existência destas terras (LOPEZ, 1981, p. 11-4).