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O curto período entre 1679 e 1707 caracteriza-se por um intervalo hegemônico e, como tal, por disputas entre um líder decadente (Holanda) e outros em ascensão (Inglaterra e França). Ainda em 1651, o parlamento inglês aprovou a primeira das Leis de Navegação que excluíram os holandeses do lucrativo comércio entre a Inglaterra e suas colônias caribenhas, dando início às hostilidades entre ambos. Seguiram-se três guerras anglo-holandesas (1661, 1664 e 1688) e disputas sobre o comércio e as colônias. Desta última, a Revolução Gloriosa, o Reino dos Países Baixos saiu vitorioso, mas os problemas com a França prosseguiram e a prolongada ausência de

10 Note-se que a Holanda não pretendeu conquistar a terra brasileira, apenas dar continuidade ao abastecimento de açúcar, sem jamais ter-se tornado classe proprietária ou estabelecido raízes culturais na Brasil. Assim, as invasões – e o florescimento de uma Recife de feições europeias, burguesa e absolutamente destoante do restante da colônia - resultaram, objetivamente, do conflito entre o capitalismo batavo que se expandia e a monarquia espanhola monopolista (LOPEZ, 1981, p. 55-6).

Guilherme durante a guerra Franco-holandesa (1672–78) fez crescer o poder do parlamento11. O poder da marinha holandesa decaiu lentamente, ao passo que, na Inglaterra, estruturou-se a 1ª Revolução Industrial (KWON, 2000, p. 608; MCEVEDY, 1988, p. 46; TAYLOR, 2002, p. 259).

O vácuo de poder resultante das inúmeras disputas que ocuparam os candidatos a hegemon tinha por reforçava, por um lado, a pressão pelo incremento da produção nas colônias, a fim de financiar seus empreendimentos belicosos, mas, por outro, diminuía o controle sobre suas atividades secundárias, abrindo, no caso brasileiro, espaço para iniciativas das lideranças locais. Assim foi com a bandeiras.

3.2.1 As bandeiras

As bandeiras foram empreendimentos de grupos particulares que, com o aval do governo-geral, mapearam, ocuparam e, até certo ponto, integraram o interior da colônia. Essencialmente motivadas pelos interesses dos grupos dominantes de São Paulo que, diante das atenções da coroa para o Nordeste canavieiro e sem recursos para empreender tal iniciativa econômica, lançaram mão de um discurso12 em defesa da propriedade privada, do empreendedorismo e da busca pela autossuficiência. De fato, as bandeiras foras iniciativas privada autossuficientes13, verdadeiras “cidades que andam”, pois nelas havia quem caçasse, pescasse, coletasse e mesmo quem cultivasse milho (LOPEZ, 1981, p. 66-7).

No contexto da guerra luso-neerlandesa (1595 a 1663), caracterizada pela invasão de diversos territórios do império português, deu-se não apenas o estabelecimento de empreendimentos canavieiros no nordeste do Brasil, mas também a ocupação de Angola (1641- 1648), pela qual o Reino dos Países Baixos controlou parte significativa da oferta de escravos. Em decorrência, foi dificultado o fluxo de negros para outras áreas da colônia brasileira que não aquelas sob o domínio neerlandês (Bahia e Pernambuco), elevando consideravelmente o preço desta ‘mercadoria’. Simultaneamente, um fluxo migratório de escravos deixava o Sudeste em direção às fazendas nordestinas, causando grande comoção entre proprietários e governantes de São Paulo; além das inúmeras tentativas para conter o “empuxo para o sertão”, estes se revoltaram

11 Pela Revolução Gloriosa (1688) o rei católico James II, do Reino Unido, foi destituído de seu trono pela filha e seu genro, o príncipe Guilherme de Orange, herdeiro do Reino dos Países Baixos, ambos protestantes. A ascensão ao trono britânico significava uma tentativa de expansão do reino batavo, mas acabou por encerrar o absolutismo monárquico britânico. Alega-se, tradicionalmente, que as mudanças constitucionais daí decorrentes teriam criado as condições institucionais necessárias à Revolução Industrial (North e Weingast, 1989), mas esta versão foi questionada pela historiografia de Coffman et al. (2013).

12 Discurso que, mais tarde, lhes valeria o controle local. Chegado o ciclo do café, São Paulo lançou mão do sucesso obtido com as bandeiras e do ‘pioneirismo’ do Estado. (LOPEZ, 1981, p. 66).

contra os jesuítas - protetores da condição humana dos gentios locais e o principal empecilho na busca por força de trabalho. A questão servil foi, portanto, elemento fundamental ao empreendimento bandeirante (TAUNAY, 2012, p. 36-9) e o seu primeiro objetivo: buscar indígenas passíveis de serem escravizados e vendidos em áreas onde o escravo negro era caro demais. O declínio das Bandeiras, inversamente, deu-se com a expulsão dos holandeses e a retomada do monopólio português sobre o tráfico de negros ao Brasil, assim como pelo enfrentamento posto pelos grupos nativos aos paulistas (LOPEZ, 1981, p. 67).

A expertise paulista na exploração interiorana voltou à cena quando o ciclo do açúcar e o comércio de índios deixaram de ser rentáveis. Treinadas por técnicos espanhóis contratados por Portugal, coube às bandeiras a tarefa de prospectar ouro e, esparramando-se pelo interior do país, também a expansão populacional das terras continentais, que se dava conforme seus integrantes a abandonavam para fixar residência. Por isso mesmo, a atividade bandeirante também responde pela superação de facto da divisão imposta pelo Tratado de Tordesilhas e está, portanto, na origem da demarcação das fronteiras nacionais (LOPEZ, 1981, p. 68-9).

A iniciativa das bandeiras revela não apenas a negligência da coroa em relação às áreas não canavieiras, como sugere que o aparecimento de um novo empreendimento local, com impacto sobre a estrutura econômica da colônia, foi possível durante a crise que marcou a transição entre a hegemonia holandesa e a ascensão da Inglaterra.

3.2.2 Estrutura social e econômica do Brasil colonial

O Brasil colonial (período que durou até o primeiro quarto do século XIX) caracterizou- se pela polarização socioeconômica: uma exígua minoria de senhores de terras, no topo, sustentada por uma imensa massa trabalhadora escrava, a maioria da população, em sua base; entre ambos comprimia-se o grupo “dos desclassificados, dos inúteis e inadaptados; indivíduos de ocupações mais ou menos incertas e aleatórias ou sem ocupação alguma” (PRADO JÚNIOR, 1972, p. 281) que, a despeito do número crescente, estava condenado “à marginalização e à mendicância” (LOPEZ, 1981, p. 43).

Em torno da atividade açucareira estavam também os lavradores assalariados, moradores e plantadores. Os moradores eram indivíduos pobres, usualmente portugueses, que habitavam ou trabalhavam a terra de outrem com autonomia; submetiam-se ao dízimo real e dependiam, direta ou indiretamente, se um grande proprietário de terras e/ou de um senhor de engenho. Quando escasseados seus recursos tornavam-se assalariados, realizando o trabalho braçal ao lado de indígenas apascentados e negros escravizados. Já os plantadores eram sesmeiros dependentes de

um senhor de engenho para liquidar sua produção, recebendo, usualmente, entre 30% e 50% do açúcar produzido a partir da cana vendida, o que variava conforme o arbítrio do dono do engenho. Esta dependência levou a certa diferenciação social no topo da sociedade açucareira, estruturada sobre dois fatores essenciais: as diferentes restrições impostas à concessão de sesmarias (que obedecia a critérios pessoais dos donatários), e o apoio do governo aos que se dispunham a instalar engenhos na Capitania Real de São Salvador, como a isenção de impostos por dez anos, o direito de impenhorabilidade dos bens produtivos e prerrogativas de nobreza, o que também ajudou a tornar o processo socioeconômico aristocratizante, particularmente no Nordeste (FURTADO, 1988, p. 20-1). “Ser senhor de engenho”, afirmou Antonil (1982, p. 75), “é título a que muitos aspiram, porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos”.

Até o declínio do ciclo do açúcar, já na segunda metade do século XVII, pequenos centros comerciais reuniam os homens de negócios, que não chegavam a formar uma burguesia capaz de influenciar o contexto político. Com o intervalo hegemônico e a diversificação da atividade econômica, estruturou-se uma classe burguesa nacional, cujos ideários – liberais e republicanos – se fariam sentir antes do final do século XIX (FURTADO, 1988, p. 21).

O enraizamento desta estrutura social está na origem da consolidação de uma ética pejorativa do trabalho, determinante de seres e classes inferiores em oposição aos homens livres, aos quais couberam formas superiores e restritas de atuação nas principais atividades econômicas (LOPEZ, 1981, p. 20-1). O poder, a riqueza e a autonomia do patriarcado caracterizaram uma classe superior, em cuja semelhança se estruturaram os centros urbanos, onde certas atividades gozavam de “preeminência social e protocolar” (PRADO JÚNIOR, 1972, p. 294).

Celso Furtado (1967) defendeu amplamente que a economia agrário-exportadora baseada no trabalho escravo fora prejudicial ao desenvolvimento econômico brasileiro. Em primeiro lugar, porque, a produção extensiva de gêneros agrícolas, baseada na abundância de terras e na mão de obra escrava teria atrasado sobremaneira o desenvolvimento do progresso técnico; em segundo, porque a orientação externa, associada à escassa renda monetária que se arrastou até o século XIX, quando da introdução do trabalho assalariado, limitava o desenvolvimento de um mercado interno, necessário à dinâmica própria da economia colonial. Tal limitação teria se dado tanto pela falta de mecanismos multiplicadores quanto distribuidores da renda, que ficou concentrada (a) regionalmente, primeiro no Nordeste e, mais adiante, após o ciclo do ouro, no Sudeste; (b) na propriedade privada monocultora e exportadora e, portanto, (c) na classe social dos grandes proprietários.

A concentração dos fatores de produção inibia o desenvolvimento da economia, destacadamente, pela sensibilidade às variações do preço e demanda no mercado mundial; o desinteresse pela agricultura de subsistência, implicado na aquisição de bens de consumo que poderiam ser produzidos localmente; as desigualdades regionais na distribuição da renda e da força de trabalho; e a ociosidade dos fatores de produção na fase de depressão cíclica (FURTADO, 1988, p. 19-20).

Ao estudar as flutuações da economia colonial, Furtado (1967), também observou a ausência de autonomia em seu funcionamento, concluindo que o ritmo do seu desenvolvimento fora determinado pelas flutuações do mercado internacional. A grande lavoura, como tudo o que se desenvolveu em torno dela, respondia à dinâmica das relações estabelecidas no centro do sistema: do auge do reino de Portugal, à Península Ibérica e o fim do acordo com a Holanda, à ocupação de Angola, tudo influenciara diretamente o ritmo e a direção dos desenvolvimentos na colônia. Para o autor, a vida social estabelecia-se a partir da vida econômica da colônia, ambos estruturados pelocapital comercial (ou mercantil).

Para Prado Jr. (1981), o atendimento do mercado externo criava vínculos de submissão com as massas produtivas internas, proposta que não foi refutada, senão relativizada pelos argumentos daqueles defensores de uma economia colonial dotada de certa autonomia. Para estes, também não se poderia negar o duplo caráter da dependência da economia colonial, relacionado à origem da mão de obra e destino das mercadorias, nem a existência de algum grau de coordenação entre produção externa e o nível de coerção da mão de obra (PRADO JÚNIOR, 1981; NOVAIS, 1989, p. 31-8).