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O Brasil e a oportunidade do intervalo hegemônico

3.4 INTERVALO HEGEMÔNICO 2 (1919-1945)

3.4.1 O Brasil e a oportunidade do intervalo hegemônico

No período marcado pelo fim do padrão-ouro, que obrigou países de todo o mundo a abandonarem a conversibilidade; por duas guerras globais que comprometeram, entre outras coisas, a demanda do centro da economia-mundo; e por políticas nacionais protecionistas que impactavam, primordialmente, as importações dos produtos agrícolas nacionais, o Brasil viveu um momento proeminente de sua história. Se, por um lado, o fechamento do mercado europeu comprometia as exportações brasileiras, o que também prejudicava seus concorrentes, por outro, abria-se aqui necessidade de orientar endogenamente a economia e a oportunidade de produzir domesticamente as manufaturas - que já não podiam ser importadas em decorrência da destruição das indústrias europeias, dos problemas monetários oriundos do fim do padrão-ouro e da ausência de divisas (FURTADO, 1988, p. 142).

O cenário interno era de tensão e transformação. A transformação começara com a própria república (República Velha, 1889-1930), comandada pela oligarquia cafeeira no conhecido regime do café com leite, que alternou o poder entre paulistas e mineiros até a ascensão de Getúlio Vargas, um gaúcho com agenda nacionalista, à presidência. Entre 1929 e 1945, deu-se a ruptura com o passado político liberal e a política econômica do livre-cambismo. Duas mudanças foram radicais: a reorganização do Estado Nacional, que se tornou fortemente intervencionista, e o processo de acumulação de capital, já que o dinamismo da economia passou a ser comandado pelo investimento autônomo (CANO, 2015, p. 445). As possibilidades de mudança estrutural, segundo Furtado, passaram a existir na década de 1930 como resultado da formação de um

mercado de trabalho assalariado – que, sublinhe-se, era composto quase que exclusivamente por imigrantes europeus – e do deslocamento do centro dinâmico da economia da agricultura para a indústria voltada ao mercado interno, sendo este consequência direta do elemento anterior (FURTADO, 1967, p. 95). Em tal processo, deu-se, ainda a ampla expansão dos sistemas monetário e creditício nacionais.

Já a tensão advinha da aliança e visões de mundo distintas entre militares (centralistas) e fazendeiros de café (federalistas), estes com robusto respaldo político e econômico. Enquanto o café se manteve como principal produto da economia, até o final da primeira guerra, continuou- se, como em tempos coloniais, a abastecer o mercado externo e a importar de quase tudo, incluindo alimentos. Esse arranjo estimulava os superávits primários ao mesmo tempo em que desestimulava o desenvolvimento econômico interno, muito embora a expansão da produção de café tivesse financiado a urbanização e a instalação de importantes vias de acesso em larga escala. Mas quando a demanda por café foi gravemente comprometida – em decorrência das duas grandes guerras, e, entre elas, da crise dos anos 1930 –, a queda das exportações e dos preços das commodities comprometeu a capacidade de importação e o abastecimento doméstico se tornou fonte de enormes déficits e do consecutivo endividamento do Estado, que se viu obrigado a financiar um mercado consumidor crescente. Foi quando a Inglaterra se tornou a maior credora do Brasil e o país entrou em uma profunda crise econômica.

No pacto republicano, a partilha da arrecadação fiscal sobre o comércio exterior fora arranjada da seguinte forma: aos estados cabiam os impostos sobre as exportações e à federação aqueles auferidos sobre as importações. Para recompor o orçamento federal, já que a meta era de redução das importações, recorreu o governo à arrecadação sobre o consumo, pelo que se fez necessário viabilizar produção e consumo através de uma estratégia de estímulo à industrialização e organização do abastecimento nacional (GUEDES, 2000).

Ao sinalizar um novo dinamismo da sociedade, a indústria destituiu a liderança agrária, não exatamente pela vontade da burguesia industrial, que de certo modo estava ligada à burguesia rural, mas pela formação de um operariado e uma classe média urbana fortemente organizados e que questionavam o poder da oligarquia cafeeira. Enquanto os operários protestavam contra sua situação de miséria e penúria, a camada intermediária (formada por professores, empregados de empresas, intelectuais, jornalistas, profissionais liberais, pequenos lojistas e funcionários públicos) sofria cada vez mais com a inflação, que os empobrecia (GUEDES, 2000).

Foi entre 1930 e 1945, durante a ‘Era Vargas’56 e na oportunidade de um mercado global colapsado, que se desenvolveu o setor secundário; uma verdadeira revolução industrial nacional fundada na necessidade da substituição das importações e que permitiu incorporar a modernidade e a cidadania no país, todavia sem comprometer ou excluir o setor agrícola. Pelo contrário, o setor foi forçado a se diversificar e expandir a fim de tomar parte no desenvolvimento industrial. Nos primeiros anos da década de 30, devido à grande depressão estadunidense, o Brasil atravessou um ciclo depressivo, com queda acumulada de aproximadamente 3% do produto real no triênio 1930-32, número bastante baixo em relação aos países centrais. No auge da crise mundial, o Brasil conseguiu amortecer os efeitos externos sobre o nível das atividades internas, o que se deveu, particularmente, à intervenção governamental que, tal como nos Estados Unidos, garantiu a manutenção do nível de renda dos produtores de café (MUNHOZ, 1997, p. 68-9; FURTADO, 1988, p. 142-7).

Para Celso Furtado (2005), o pequeno impacto da grande depressão sobre a economia - até então dependente do setor exportador - teria sido minimizado pela política de defesa do café, que, como se detalhará adiante, foi elemento central na manutenção da renda elevada do setor durante a crise, tendo criado as condições para a expansão manufatureira. A defesa do setor,

Combinada ao encarecimento brusco das importações (conseqüência da depreciação cambial), à existência de capacidade ociosa em algumas das indústrias que trabalhavam para o mercado interno e ao fato de que já existia no país um pequeno núcleo de indústrias de bens de capital, explica a rápida ascensão da produção industrial, que passa a ser o fator dinâmico principal no processo de criação de renda (FURTADO, 2005, p. 191).

Furtado (1988) defende não ter havido uma agenda de políticas governamentais de incentivo à industrialização, que se teria expandido de forma autossustentada e por efeito da conjunção de fatores externos e internos, neste caso, particularmente a manutenção da renda e o rígido controle das importações. Foram dinamizadas as indústrias de bens de consumo, material de construção, indústrias química e farmacêutica, a mineração, a indústria de base (cimento e siderurgia), papel e carvão e naval; assim como o sistema bancário, cuja espinha dorsal fora a expansão do Banco do Brasil como estruturador de política financeira e monetária e elemento central à distribuição dos recursos investidos e à expansão da economia interna (FURTADO, 1988, p. 144-5). Cano (2015, p. 1-2) afirma ter havido um “extraordinário esforço de

56 A Era Vargas está dividida em três fases sucessivas: a do Governo Provisório (1930–1934), quando Getúlio Vargas governou por decreto enquanto se aguardava a adoção de uma nova constituição para o país; de 1934 a 1937, eleito pela assembleia ao abrigo das disposições transitórias da constituição como presidente, ao lado de um poder legislativo democraticamente eleito; e o Estado Novo (1937-1945), quando, por golpe autoritário, impôs uma nova constituição e diluiu o congresso, assumindo poderes ditatoriais.

industrialização desencadeado pelo Estado Nacional entre 1929 e 1954” e lembra que apenas ao Estado nacional interessava desenvolver as indústrias de base e naval, cujos rendimentos não convinham aos capitalistas da época. Foi um período de circunstâncias históricas peculiares, quando brechas e contradições internas e externas combinaram a possibilidade e intensão de “explorar mais corajosa e inteligentemente a soberania nacional”.

A desarticulação do sistema monetário internacional e os problemas de conversibilidade das moedas causaram dificuldades aos pagamentos internacionais, o que levou o Brasil a estabelecer acordos bilaterais e canais de trocas que eliminavam o uso da libra esterlina ou do dólar americano nas trocas (FURTADO, 1988, p. 141). Do ponto de vista do poder que uma moeda adotada como meio de pagamento internacional pode oferecer ao Estado emissor, é um fato histórico e uma oportunidade importante que o Brasil tenha podido conciliar um momento de crise à negociação do meio de pagamento de parte de seus contratos comerciais. Como se sabe, o Brasil, como outros países, foi alvo de graves e repetidas valorizações cambiais que reforçavam o fluxo de capitais da periferia para o centro do sistema. E isso se deu, particularmente, via contratos com a Inglaterra (BELLUZZO, 1999, p. 87-96).

Ao final dos anos 1930, como resultado da mudança no direcionamento do governo associada à crise do setor cafeeiro e do arranjo interno que o setor criou para sobreviver ao período, observou-se uma mudança estrutural da agricultura nacional, tanto aquela orientada à exportação, onde a partir de 1933 e valendo-se da infraestrutura do café, floresceu uma robusta produção de algodão que também deu origem a uma indústria nacional têxtil; como no abastecimento doméstico, que se estruturou a partir do desenvolvimento do mercado interno, ampliando a oferta de gêneros de primeira necessidade (FURTADO, 1988, p. 142).

Com o advento da Segunda Guerra e o posicionamento do Brasil ao lado dos aliados, os navios mercantes destinados ao ou originários no Brasil passaram a sofrer ataques do Eixo, comprometendo a capacidade de importação de bens de capital e, portanto, de crescimento econômico. Mas graças à diversificação da produção e à elevação dos preços dos principais produtos tradicionais (café, algodão e cacau), o comércio exterior registrou alta de 42%. No caso do café, além do aumento do consumo do produto nos Estados Unidos, houve queda dos estoques nacionais - pela queima de quase 80 milhões de sacas do produto e declínio da produção. E em face da flexibilidade para a alteração da cultura de café para a do algodão, este se expandiu rapidamente, superando em 34% o valor bruto da produção de café entre 1939 e 1943.

Com a redução das importações e o aumento da receita das exportações, deu-se a expansão da moeda, pressionando os preços para cima, em mais de 100%, até 1945. O governo tentou conter os preços e o consumo de produtos essenciais, racionando a gasolina e a farinha de

trigo, importados, mas também o açúcar. À guisa de comparação, em 1943, os recursos da balança comercial, sozinhos, eram suficientes para retomar o serviço da dívida (FURTADO, 1988, p. 147-8).

3.4.2 Panorama da agricultura nacional

A despeito das limitações orçamentárias e grandes avanços dos instrumentos de política agrícola alcançados no século XX, em praticamente todo o período o setor foi dependente da atuação direta do Estado, ao qual coube prover o crédito rural oficial – ‘espinha dorsal’ do sistema de financiamento - e a viabilização dos instrumentos de apoio à comercialização e de transferência de risco (COELHO, 2001, p. 3-4).

Coelho (2001, p. 5-53) classifica a evolução da política agrícola no Brasil em quatro fases, doravante utilizadas para pautar a apresentação dos principais programas e políticas para o mundo rural até os anos 2000. A saber: agricultura primitiva, modernização da agricultura, transição e agricultura sustentável. A fase 1, da agricultura primitiva, teve início com a criação do Conselho Nacional do Café (CNC), em 1931, e foi marcada por tentativas de sofisticação e ampliação da política agrícola, tais como a criação do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), em 1933, da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial (CREAI) do Banco do Brasil e da Companhia de Financiamento da Produção (CFP), em 1943 (COELHO, 2001, p. 5-14). As políticas e instrumentos foram estabelecidos, na sua esmagadora maioria, em torno dos dois principais produtos exportáveis: o café e a cana de açúcar.

3.4.2.1 Café

Por sua importância à economia brasileira, o café foi o eixo da política agrícola nacional ao longo dos anos 1930, muito embora, ao final daquela década, o produto já não fosse o primeiro da pauta exportadora, nem o setor fosse o mais dinâmico da economia (FURTADO, 1988, p. 138-9). Dada a complexidade das relações que esta cultura inaugura, uma explanação mais abrangente faz-se necessária.

A participação direta do Governo Federal na política de valorização do café começou em 1921, já na terceira operação do Convênio de Taubaté (1906), em função da grande safra 1920/1921 (16,2 milhões de sacas, quase o dobro da safra anterior), quando foram adquiridos cerca de 25% da safra com recursos da recém-criada Carteira de Redescontos do Banco do Brasil e de empréstimos externos complementares. A baixa da produção nas duas safras seguintes (1921/22 e 1922/23) foi compensada pela venda total dos estoques com lucros elevados,

confirmando o sucesso da operação e abrindo caminho para a institucionalização do programa em nível federal. Ainda em 1922, o congresso nacional aprovou um programa abrangente para a defesa permanente de toda a agropecuária, além de criar o Instituto de Defesa Permanente do Café (IDC) – que retornou à gestão estadual no ano seguinte, sendo logo substituído pelo Instituto de Café de São Paulo, sob cuja gestão houve, entre 1925 e 1929, um forte crescimento da produção de café fundado nos estímulos artificiais do governo, dado que as exportações permaneceram praticamente estáveis. Mas o IDC colapsou em 1929 em função do acúmulo de 20 milhões de sacas de café em estoques formados após subsequentes super safras de 1927/28 e 1928/29 (27,6 milhões e 28,9 milhões de sacas, respectivamente) e da quebra da bolsa de Nova Iorque, que comprometera grande parte da demanda mundial do principal produto da pauta exportadora nacional. Como resultado, o Governo Federal abandonou aquele mecanismo de sustentação do café, levando à diminuição da receita das exportações e à queda de cerca de 70% do preço ao produtor (COELHO, 2001, p. 4-5).

Em 1931, o Governo Provisório reassumiu a responsabilidade sobre a política cafeeira para criar o Conselho Nacional do Café (CNC), cujo funcionamento se espelhava nos marketings boards ingleses, implantados em algumas colônias africanas e asiáticas para controlar a comercialização e reduzir as flutuações nos preços de produtos primários estratégicos (COELHO, 2001, p. 4-5). Ao CNC cabia a imediata incorporação das atribuições do Instituto Paulista do Café, quais fossem: (a) gerir as vendas dos estoques de café, (b) dirigir o programa federal de sustentação do café, que incluía a aquisição e destruição do produto, (c) administrar a taxa unitária sobre as exportações e (d) controlar os regulamentos dos transportes (PELAEZ, 1973, p. 220)57. De início, o objetivo da política agrícola do CNC era limitar o plantio por longos períodos, ou até que fosse recobrado o equilíbrio entre demanda e oferta globais, bem como aquele entre os preços e as necessidades nacionais. Neste intuito, o Conselho agiu em duas frentes: estipulou uma taxa por cafeeiro plantado que, ao final do ano, já havia tornado proibitivo o plantio de novas árvores em quase todo o território nacional; e se encarregou da destruição de mais de 78 milhões de sacas de 60 quilos de café entre 1931 e 194458. Embora extinto no ano

57 A interferência governamental era imprescindível, pois qualquer que fosse a posição estatística do café, desde que o mercado ficasse "largado", aos baixistas, ainda que manipulando poucos milhares de sacas, mantinham as cotações depreciadas, arruinando tanto os produtores quanto a economia nacional, já que a falta de divisas externas perturbava o tesouro, os devedores em moeda estrangeira, os consumidores, as importações, e os negócios em geral. “A gestão sobre os embarques do café também era primordial, pois sua facilitação constituía fator importante para a alta dos

preços, pois com dificuldades para embarcar a mercadoria, o produtor, necessitado de dinheiro, vendia-a por qualquer preço”

(TAUNAY, 1939, p. 423-5).

58 Através da política de destruição de estoques de café, apenas em 1931, o governo teria injetado na economia um bilhão de cruzeiros, equivalentes a 50% volume de inversões que deixou de entrar no país. Até 1939, a destruição de excedentes chegou a 1/3 da produção cafeeira (FURTADO, 2005, p. 185-8).

seguinte, o CNC “marcou a federalização definitiva da política agrícola do café, e o isolamento dos interesses de classe, pois […] os representantes estaduais tinham voz e participavam ativamente da formulação das políticas. ” O CNC imediatamente deu lugar ao Departamento Nacional do Café (DNC), criado em 1933 para enfrentar a previsão de uma nova super safra em 1933/34, estimada em 30 milhões de sacas, a despeito das políticas de contenção da oferta e marcando o momento mais agudo da crise do café (COELHO, 2001, p. 6-7).

Sobre a decisão polêmica do governo federal de adquirir e incinerar parte dos estoques de café, duas observações convêm ser feitas. Em primeiro lugar, houveram tentativas anteriores malogradas de dar um fim mais útil ao produto (como fazê-lo combustível para locomotivas, adubo ou despejá-lo ao mar), mas era “mais barato incinerar do que guardar, pois dentro de pouco tempo as despesas da conservação se tornariam superiores ao valor do café” (TAUNAY, 1939, p. 424). Ao cabo, a aquisição dos estoques aliviava os efeitos da crise, mas não lhe impunha fim; “[a]nciava o Governo Federal, pela paz dos espíritos e a ordem dos negócios públicos, para a necessária reconstrucção economico-financeira do paiz. [sic]” (TAUNAY, 1939, p. 11). Anos mais tarde, ao ponderar tais decisões históricas, concluiu Delfim Netto que aquela fora a única opção com probabilidade de êxito; com efeito, resumiu, “a queima do café significava, em parte, a forma pela qual o desperdício generalizado de fatores, produzido pela crise mundial em todos os países, se apresentava no Brasil. A alternativa mais imediata para a queima do produto era o desemprego e a desorganização social” (DELFIM NETTO, 1959, p. 141). A proteção do setor exportador era, portanto, sinônimo da proteção à economia nacional.

Fato é que a estratégia foi muito além do necessário para remediar as consequências da crise de 1929, tendo-se estendido por 14 anos e incinerado o equivalente a três super safras de café para manter os preços elevados, o que suportou um enorme número de produtores e uma produtividade crescente. Sobre a inexistência de alternativas, Taunay (1939) traça uma longa discussão acerca das ponderações em jogo quando o Governo optou pelo pagamento dos estoques em detrimento da aquisição do café plantado, principal alternativa à época por ser mais barata, mais conveniente aos compradores e menos traumática; esta fora, segundo ele, inviabilizada por uma política míope.

Em segundo lugar, o DNC também manteve a aquisição do café - para exportação direta (30%), estocagem (30%) e destruição (40%) -, bem como a cobrança da taxa unitária sobre a exportação, que se tornara a principal fonte de receita do programa de sustentação (65%, de 1931 a 1933) (COELHO, 2001, p. 6). Isso significa que, mesmo sem o financiamento externo, a aquisição de estoques e a manutenção dos preços foram mantidas a partir do café exportado, explorando-se a elasticidade-preço daquela demanda. Sobre a origem dos recursos financiadores,

Furtado defendeu que ela impunha diferença crucial à forma como reverberariam os resultados desta política econômica, pois quando os débitos contraídos no exterior são a contrapartida para a aquisição do café pelo Governo, então os efeitos multiplicadores sobre a renda interna eram apenas nominalmente comparáveis aos investimentos59, enquanto que, se financiadas por uma expansão do crédito internamente (ou pela adoção da taxa de exportação), a aquisição permitiria um impacto multiplicador sobre o mesmo montante (FURTADO, 2005, p. 184-5).

Ademais, diante da expectativa da retomada do poder de compra nos países importadores – resultado do fim da crise dos anos 1930 -, esperava-se imediato reflexo sobre a receita das exportações e a renda do setor cafeicultor. Ou seja, um aumento dos gastos do Governo na aquisição do café aumentava, ao mesmo tempo, o preço, a receita das exportações e a renda do setor produtivo; e como houvera garantia de sustentação dos preços, fazendeiros e trabalhadores tinham consciência de que o problema da elevação dos custos de mão de obra era inerente à política que mantinha o setor em pé, de modo que ambos tiravam proveito da situação. Mas a oferta de café não decaía, apesar da elevação dos custos, exatamente porque novos atores, aos quais não se aplicava o custo deste fator, conseguiam entrar nesta lógica: primeiramente, como força de trabalho, adquirindo algum capital, e algum tempo depois, ao adquirir terras, com seus próprios cafezais. Estabelecia-se uma pequena agricultura cafeicultora baseada no trabalho familiar (TAUNAY, 1939, p. 168-9, 422-3).

Apenas em 1937, uma reformulação na estratégia de valorização do café levou o governo a adotar uma nova política cafeeira, menos rígida e mais agressiva, tendo por objetivos (a) aumentar as exportações e a participação nacional nas importações mundiais por meio da redução do preço internacional do café; (b) negociar um acordo com os demais países produtores60 e (c)

59 O financiamento dos estoques de café com recursos externos (endividamento) promovia o equilíbrio no balanço de pagamentos uma vez que, com a expansão das importações induzidas pelo repasse ao setor cafeeiro dificilmente poderia exceder o valor dos estoques, garantindo o saldo positivo no balanço de pagamentos. Todavia, os desequilíbrios deveriam ser corrigidos através da valorização cambial, cujos efeitos implicavam na diminuição do poder de compra da moeda local, impactando negativamente a renda ao produtor, mesmo em um cenário de receitas crescentes das exportações. Assim, o “fomento da renda implícita na defesa dos interesses cafeeiros era igualmente responsável por um desequilíbrio externo que tendia a aprofundar-se”, pois como a correção se dava à custa de forte baixa no poder aquisitivo externo da moeda, “traduzia-se na elevação dos preços dos artigos