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DA CLÁUSULA GENÉRICA DE RESPONSABILIDADE CIVIL PELO RISCO DA ATIVIDADE (ART 927, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002):

3. DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO NOTÁRIO E DO REGISTRADOR:

3.1 DA INTERPRETAÇÃO DOS DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS A RESPEITO DA RESPONSABILIDADE DO NOTÁRIO E DO REGISTRADOR:

3.2.4 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 (LEI 10.406/2002):

3.2.4.1 DA CLÁUSULA GENÉRICA DE RESPONSABILIDADE CIVIL PELO RISCO DA ATIVIDADE (ART 927, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002):

O artigo 927 do Código Civil de 2002 dispõe que:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

A responsabilidade civil subjetiva, baseada na culpa, pressuposto do ato ilícito civil, não merece aqui um estudo mais acurado, eis que já foi estudada quando da análise

334 SIMÃO, José Fernando. A teoria do risco no novo Código Civil. São Paulo. 2003. Disponível em:

da responsabilidade civil dos notários e registradores, com base na Lei 8.935/94, para os que entendem que o artigo 22, da aludida lei, estatui responsabilidade subjetiva.

Cabe aqui abrir um espaço para analisar a cláusula genérica de responsabilidade civil objetiva, instituída no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil e se esta abarcaria a atividade notarial e registral, notadamente quanto à parte final do dispositivo: “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Destacamos do dispositivo legal analisado as expressões: atividade, normalmente implicar por sua natureza e risco.

Primeiramente, para que possa se enquadrar no conceito do parágrafo único do artigo 927, há que se tratar de uma atividade, ou seja, não basta um ato isolado. Neste sentido, assim como qualquer atividade profissional, a atividade notarial e registral, até por aplicação do princípio da continuidade que rege as funções estatais delegadas, encaixa-se, perfeitamente, dentro do contexto de atividade previsto no Código Civil.

Segundo, é necessário que essa atividade, implique, normalmente, por sua natureza, um risco a terceiros. Esse será o foco do estudo neste tópico.

Entretanto, cabe consignar que somente o risco propriamente dito não é suficiente para, por si só, gerar o enquadramento no parágrafo único do artigo 927, do Código Civil; sendo imprescindível a análise das características da atividade, se estas oferecem em condições de normalidade, por sua própria natureza, um risco juridicamente relevante.

O risco, em sentido lato, existe em todas as atividades e é inerente à própria vida335336. Mas não é todo e qualquer risco, ainda que mínimo, que se enquadra no conceito do parágrafo único do artigo 927, do Código Civil.

Como ressalta Anderson SCHREIBER:

Contesta-se, habitualmente, que qualquer atividade humana importa, em alguma proporção, risco aos direitos alheios. A crítica, puramente formal, demonstra apenas que o legislador pretendeu, obviamente, referir-se às atividades que tragam risco elevado, risco provável, verdadeiro perigo de dano – o que, sem embargo do

335 Vale aqui lembrar João Guimarães Rosa: “Viver é negócio muito perigoso...”

esclarecimento, não soluciona todas as dúvidas suscitadas pela expressão.337

Claudio Luiz Bueno de GODOY ressalta que a cláusula geral de responsabilidade objetiva fundada no risco, teve clara influência: “do Código Civil português e do Código Civil italiano – especialmente de seu art. 2.050 –”338.

Todavia, tanto a legislação portuguesa, quanto a italiana, se utilizam da noção de perigo e de atividade perigosa. Já a brasileira utiliza os termos risco e atividade de risco.

Há a discussão, portanto, se a lei brasileira se restringe às atividades perigosas, tal como no Direito Italiano e Português, ou se o legislador brasileiro quis ir além.

De acordo com Ney Stany Morais MARANHÃO, neste aspecto, ao estudar o Direito Estrangeiro, estabelece que a legislação suíça: “parece ser a que mais se aproxima da realidade brasileira, já que produziu cláusula geral de responsabilidade objetiva fundada no risco, de proporções no mínimo equiparadas à responsabilidade subjetiva.”339

Giselda Maria Fernandes Novaes HIRONAKA, ao analisar a cláusula geral de responsabilidade civil no Direito Suíço, a qual em muito se assemelha à cláusula genérica brasileira, do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, estabelece que esse risco é um risco qualificado, nos seguintes termos:

A cláusula geral apresenta um substrato de risco qualificado e só a sua realização justifica a reparação dos danos eventualmente ocasionados às vítimas. Esse risco qualificado resulta da periculosidade contida numa certa atividade, periculosidade esta que, por si só, seria suficiente para interditar a sua prática, mas, tendo em vista a função social inerente ao seu desempenho, o privilégio atribuído por força da autorização de se realizar a atividade deve estar, então, respaldado pela imputação da responsabilidade objetivada que deriva da cláusula, no sentido da reparação dos danos eventualmente causados.340

Claudio Luiz Bueno de GODOY, por sua vez, após afastar do âmbito do artigo 927, parágrafo único, a teoria do risco integral e analisar a aplicação das teorias do risco criado

337 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da

reparação à diluição dos danos. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 23. 338 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Op. cit. p. 47.

339 MARANHÃO, Ney Stany Morais. Responsabilidade civil objetiva pelo risco da atividade: uma

perspectiva civil-constitucional. São Paulo: Método, 2010. p. 236.

340 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 329.

e do risco proveito, define os limites do risco inerente à atividade, que passa a servir de parâmetro de abrangência do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, que é o risco perigo.

GODOY consigna que, nos termos do Código Civil, é: “a atividade de risco, uma atividade intrinsecamente perigosa que, por isso, deve suscitar a responsabilidade sem culpa de quem a exerce.”341

Explica GODOY que:

Por essa tese, evidenciar-se-ia um nexo próprio de imputação da obrigação de ressarcir, com campo particular de incidência, contemplativo do desenvolvimento de uma atividade dotada de perigo imanente. Pela compreensão literal, um perigo inclusive normal, imanente, inerente ao desenvolvimento da mesma atividade. Dessarte, sem, propriamente, a configuração de um defeito, mesmo que de segurança, a exigir uma periculosidade adquirida, fora do normal e do quanto se poderia prever.342

Em outra obra, ao comentar a responsabilidade com base no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, comenta Claudio GODOY que:

Exige-se, enfim, não um perigo anormal, e nem propriamente um perigo, posto intrínseco, mas antes, um risco especial naturalmente induzido pela atividade e identificado de acordo com dados estatísticos existentes sobre resultados danosos que lhe sejam resultantes, ou seja, conforme a verificação da regularidade estatística com que o evento lesivo aparece como decorrência da atividade exercida.343

Para Flávio TARTUCE apesar de não ser necessário que a atividade seja considerada perigosa para dar ensejo à responsabilidade objetiva fundada no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, faz-se, todavia indispensável que a atividade contenha um risco excepcional, nos seguintes termos:

341 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Op. cit. p. 107.

342 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Responsabilidade civil pelo risco da atividade: uma cláusula geral no

Código Civil de 2002. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 107.

343 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. In: PELUSO, Cezar (Org.). Código Civil comentado: doutrina e

jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.01.2002 contém o Código Civil de 1916. 5. ed. rev. e atual. Barueri – SP: Manole, 2011. p. 932.

O art. 927, parágrafo único, do Código Civil Brasileiro enuncia na segunda parte a responsabilidade objetiva, que decorre de uma atividade de risco normalmente desempenhada pelo autor do dano. [...]

Na opinião deste autor, há no dispositivo um risco excepcional, acima da situação de normalidade, mas que não chega a ser um perigo. Todavia, havendo perigo, que é mais que o risco, o dispositivo pode ser subsumido.”344

Para Sérgio CAVALIERI FILHO, a parte final do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil adotou a teoria do risco criado, ao afirmar que: “de uma coisa não se tem dúvida: aqui foi adotada a teoria do risco criado, da qual o mestre Caio Mário é o maior defensor.”345

Sérgio CAVALIERI FILHO afirma, ainda, que: “não há, a priori, como especificar, exaustivamente, quais são as atividades de risco, mas pode-se adotar, em face da teoria do risco criado, o critério do risco inerente como elemento orientador.”346

Para Wendell Lopes Barbosa de SOUZA a cláusula geral de responsabilidade sem culpa, prevista no Código Civil de 2002, adotou a teoria do risco-criado e não a teoria do risco-proveito, conforme explica:

O risco-criado, em detrimento do risco-proveito, foi apontado como o influenciador da responsabilização objetiva pela atividade arriscada, posicionamento que posteriormente dirigiu a decisão sobre se dada conduta poderia ou não ser tipificada na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil.347

Roger Silva AGUIAR, por sua vez, coloca a questão sob o prisma do risco- probabilidade, ao consignar que:

Os termos contidos na terceira parte do artigo 927, parágrafo único – atividade, normalmente e por sua natureza -, não podem ser determinados em nível meramente semântico, sob pena de se ver menoscabada a proposta planeada pelo legislador. A palavra

344 TARTUCE, Flávio. Responsabilidade civil objetiva e risco: a teoria do risco concorrente. São Paulo: Método, 2011. p. 386.

345

CAVALIERI FILHO, Sergio. Op. cit. p. 186.

346Idem, ibidem. p. 189.

347 SOUZA, Wendell Lopes Barbosa de. A responsabilidade civil objetiva fundada na atividade de risco. São Paulo: Atlas, 2010. p. 201.

atividade, aparentemente, traduz tão-somente um conjunto de atos encadeados voltados para um fim, no qual se perceba uma linha evolutiva de desenvolvimento da ação do agente. O termo normalmente volta-se para designar a atividade da qual o agente possui conhecimento, seja por experiência, seja por efetivo dominar intelectual de sua prática. A expressão por sua natureza registra atividades que trazem em si o risco-probabilidade.348

Para definição das ditas atividades de risco de que trata o Código, e para as quais terá prevalência a responsabilidade civil objetiva, o Juiz, na aplicação da cláusula genérica, além da prova pericial e de suas máximas de experiência, poderá se valer de estudos técnicos e estatísticos, tais como: elevado índice de sinistralidade, representando um alto número de acidentes; ou, alternativamente, ainda que o número de acidentes seja baixo, que esses tenham alto potencial lesivo, ou seja, que contem com potencial para causar acidentes de grandes proporções.

A definição dos limites das denominadas atividades de risco pode se valer, também, em diálogo das fontes, dos parâmetros estatuídos pelo Código de Defesa do Consumidor.

Ressalte-se que não se mostra razoável que uma cláusula genérica constante do Código Civil, o qual se destina a atuar sobre todo o Direito Privado, possa conter âmbito mais extenso de aplicação que o Código de Defesa do Consumidor, o qual tem o nítido enfoque de proteger a parte mais fraca na relação de consumo.

Neste sentido, aponta Claudio Luiz Bueno de GODOY que:

Com efeito, na legislação consumerista, destinada a regrar relações intrinsecamente desiguais, em que uma das partes é presumidamente vulnerável, a cuja proteção dessarte se dá a intervenção legislativa, e tudo por comando constitucional (art. 5º, XXXII), a responsabilidade não se configura apenas e tão somente em virtude do nexo de causalidade entre um dano experimentado pelo consumidor e o fornecimento de produto ou serviço. Não se cuida, portanto, de risco integral que se reconheça subjacente à atividade de fornecimento de massa. Antes, tem-se hipótese de risco mitigado, em que a causalidade se qualifica por elemento

348 AGUIAR, Roger Silva. Responsabilidade civil objetiva: do risco à solidariedade. São Paulo: Atlas, 2007. p. 105.

específico que integra o nexo de imputação, qual seja o defeito que se exige seja identificado no produto ou no serviço (arts. 12, 14, 18 e 20 do CDC).349

Ao analisar comparativamente a responsabilidade prevista no Código de Defesa do Consumidor e a cláusula geral de responsabilidade civil pelo risco da atividade, contida no parágrafo único do artigo 927, do Código Civil, Anderson SCHREIBER define que: “o fundamento da tutela, aqui e ali, são inteiramente diversos.”350

Consigna SCHREIBER que: “O escopo do parágrafo único do art. 927 é o de impor responsabilização com base no elevado risco produzido por certa atividade, o que não se verifica em qualquer espécie de prestação de serviços, mas apenas naquelas hipóteses em que houver uma alta possibilidade de dano.”351

E Anderson SCHREIBER conclui seu raciocínio, ao afirmar que:

Diante de todo o exposto, a conclusão mais razoável parece ser a de que a cláusula geral de responsabilidade objetiva dirige-se simplesmente às atividades perigosas, ou seja, às atividades que apresentam grau de risco elevado seja porque se centram sobre bens intrinsecamente danosos (como material radioativo, explosivos, armas de fogo etc.), seja porque empregam métodos de alto potencial lesivo (como o controle de recursos hídricos, manipulação de energia nuclear etc.). Irrelevante, para a incidência do dispositivo, que a atividade de risco se organize ou não sob forma empresarial ou que se tenha revertido em proveito de qualquer espécie para o responsável.352

Diante de todo o exposto, acerca do parágrafo único do artigo 927, do Código Civil de 2002, pode-se concluir que este dispositivo legal não se aplica à função notarial e registral, visto que não se trata de atividade que tenha alto índice de sinistralidade ou que apresente elevado potencial lesivo, afastando, assim, as teorias do risco probabilidade e do risco criado, uma vez que se trata de atividade de baixo risco, tanto para os profissionais que exercem a atividade, quanto para seus utentes e terceiros.

349 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Responsabilidade civil pelo risco da atividade: uma cláusula geral no

Código Civil de 2002. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 90.

350 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da

reparação à diluição dos danos. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 25. 351 SCHREIBER, Anderson. Op. cit. p. 25.

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