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DO NÃO ENQUADRAMENTO DAS ATIVIDADES NOTARIAIS E DE REGISTRO COMO SERVIÇOS PÚBLICOS, PARA OS FINS DO ARTIGO 37, § 6º, DA

3. DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO NOTÁRIO E DO REGISTRADOR:

3.1 DA INTERPRETAÇÃO DOS DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS A RESPEITO DA RESPONSABILIDADE DO NOTÁRIO E DO REGISTRADOR:

3.1.2 DO NÃO ENQUADRAMENTO DAS ATIVIDADES NOTARIAIS E DE REGISTRO COMO SERVIÇOS PÚBLICOS, PARA OS FINS DO ARTIGO 37, § 6º, DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL:

Com relação à noção de serviço público, Celso Antônio Bandeira de MELLO ensina que:

a atividade estatal denominada serviço público é a prestação consistente no oferecimento, aos administrados em geral, de utilidades ou comodidades materiais (como água, luz, gás, telefone, transporte coletivo etc.) singularmente fruíveis pelos administrados que o Estado assume como próprias, por serem reputadas imprescindíveis, necessárias ou apenas correspondentes a conveniências básicas da Sociedade, em dado tempo histórico. Aliás, é por isto que as presta sob regime de Direito Público, diretamente ou através de alguém por ele qualificado para tanto.199 E Bandeira de MELLO prossegue em seu raciocínio, explicando, ainda, que:

se a expressão serviço público tivesse amplitude tão lata que abrangesse atividade material e jurídica assumida pelo Estado como pertinente a si próprio, a noção de serviço público perderia seu préstimo, pois abarcaria realidades muito distintas entre si, coincidindo, afinal, com o conjunto de atividades do Estado, sem

199 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 30. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional 71, de 29.11.2012. São Paulo: Malheiros. 2013. p. 690.

estremá-las com base nas características de cada qual e nas particularidades dos respectivos regimes jurídicos. Em suma: haveria mera superposição da noção de serviço público à noção de atividade pública, nada agregando de particularizador dela. Por abranger objetos muito díspares, seria, então imprestável para isolar um conjunto homogêneo de princípios e normas.200

Dessa forma, tendo por base o conceito de serviço público apresentado por Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO, o artigo 37, § 6°, da Constituição Federal seria aplicável tão somente às utilidades materiais e não às atividades jurídicas, as quais se dão em um âmbito diverso, dentro do conjunto da atividade estatal.

Maria Sylvia ZANELLA DI PIETRO, por sua vez, define serviço público como: toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.201

E prossegue, afirmando que:

O serviço público é sempre incumbência do Estado, conforme está expresso, aliás, no artigo 175 da Constituição Federal, e sempre depende do Poder Público:

1. a sua criação é feita por lei e corresponde a uma opção do Estado; este assume a execução de determinada atividade que, por sua importância para a coletividade, parece não ser conveniente ficar dependendo da iniciativa privada;

2. a sua gestão também incumbe ao Estado, que pode fazê-lo diretamente (por meio dos órgãos que compõem a Administração Pública centralizada da União, Estados e Municípios) ou indiretamente, por meio de concessão ou permissão, ou de pessoas jurídicas criadas pelo Estado com essa finalidade.202

Desse segundo elemento subjetivo, apresentado por Maria Sylvia DI PIETRO, pode-se distinguir o serviço público das atividades notariais e registrais no sentido que, por força do artigo 236 da Constituição Federal, o Estado não pode exercer diretamente a

200 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 691. 201 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit. p. 102. 202 Idem, ibidem. p. 102.

atividade notarial e registral, cuja outorga ao particular, aprovado em concurso público, é obrigatória, para exercício em caráter privado.

Outra distinção consiste-se no fato de que a outorga não se dá por permissão ou concessão, instrumentos previstos constitucionalmente para o trespasse do serviço público ao particular, mas sim por concurso público de provas e títulos, a teor do contido no artigo 236, § 3º, da Constituição Federal.

Luís Paulo Aliende RIBEIRO, por sua vez, ao tratar especificamente da atividade notarial e registral, aponta que o enquadramento da atividade notarial como serviço público encontra divergência na doutrina e na jurisprudência, ao afirmar que: “discute-se, embora não haja divergência na doutrina e na jurisprudência com relação à natureza de função pública da atividade notarial e de registros, quanto à sua caracterização como serviço público.”203

Essa distinção das funções notariais e registrais, como atividades jurídicas e não como utilidades materiais, encontra embasamento na própria natureza da atividade notarial e registral, a qual se fundamenta na atribuição da fé pública aos negócios e atos jurídicos dos particulares e não na prestação de uma utilidade material fruível pelo usuário.

A respeito da aludida distinção, afirma Luís Paulo Aliende RIBEIRO, que:

apresenta-se, pois, uma primeira distinção entre a natureza pública das funções notariais e de registro – entendidas estas como a atividade peculiar e jurídica (não-material, como exigido para os que adotam conceito restrito de serviço público) de atribuição da fé pública aos atos e interesses particulares, como ofício e função pública atribuída a profissionais oficiais com independência jurídica – e o caráter privado do seu exercício.204

E conclui Aliende RIBEIRO aduzindo que:

os serviços notariais e de registro têm por objeto atividade jurídica, e não material, razão pela qual não se incluem em definições mais restritas de serviço público, o que não afeta o pacífico reconhecimento de que se trata de função pública.205

203 RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de registro. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 49.

204 Idem, ibidem. p. 47. 205 Idem, ibidem. p. 49.

Entretanto, Aliende RIBEIRO206 adota para si uma noção mais ampla de serviço público, com fundamento em Edmir Netto de Araújo, abarcando também as atividades jurídicas - dentre as quais estão as notariais e registrais -, dentro desse conceito mais amplo de serviço público.

O Ministro Carlos Ayres Britto, em seu voto no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3643-2-RJ, pelo Tribunal Pleno, do Supremo Tribunal Federal, ocorrido em 08.11.2006207, definiu a natureza jurídica e a situação de notários e registradores, de acordo com a sistemática instituída pelo Constituinte de 1988.

Do referido voto, extrai-se, primeiramente, que os serviços notariais e registrais não são serviços públicos, eis que, conforme afirma o Ministro Carlos Ayres Britto, com o sistema constitucional vigente:

[...] as atividades em foco deixaram de figurar no rol dos serviços públicos que são próprios da União (incisos XI e XII do art. 21, especificamente). Como também não foram listadas enquanto competência material dos Estados, ou dos Municípios (arts. 25 e 30, respectivamente). Nada obstante, é a Constituição mesma que vai tratar do tema já no seu derradeiro título permanente (o de número IX), sob a denominação de ‘DISPOSIÇÕES GERAIS’[...]208

E, após transcrever o inteiro teor do artigo 236 da Constituição Federal, e seus respectivos parágrafos, e o artigo 32 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que trata das serventias oficializadas, o Ministro Carlos Ayres Britto faz a distinção entre serviços notariais e de registro, regidos de acordo com os ditames do artigo 236 da Magna Carta, e correspondentes parágrafos, e o regime constitucional dos serviços públicos, previstos no artigo 175 da Constituição de 1988, nos seguintes termos:

Pois bem, daqui se infere que, tirante os serviços notariais e de registro já oficializados até o dia 5 de outubro de 1988, todos os outros têm o seu regime jurídico fixado pela parte permanente da Constituição Federal. Mais precisamente, os demais serviços notariais e de registro têm o seu regime jurídico centralmente estabelecido pelo art. 236 da Lei Republicana. Um regime que

206 RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Op. cit. p. 50.

207 STF - ADI 3643, Relator: Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, julgado em 08.11.2006, DJ 16.02.2007. RTJ v. 202 p. 108.

melhor se delineia pela comparação inicial com o regime igualmente constitucional dos serviços públicos, versados estes, basicamente, no art. 175 da Lei Maior.209

E o Ministro Carlos Ayres Britto passa, então, a definir a natureza jurídica da atividade notarial e registral sob seis parâmetros, os quais ora se transcrevem, devido à sua importância para a compreensão do tema:

Por isso que, do confronto entre as duas categorias de atividades públicas, temos para nós que os traços principais dos serviços notariais e de registro sejam os seguintes:

I - serviços notariais e de registro são atividades próprias do Poder Público, pela clara razão de que, se não o fossem, nenhum sentido haveria para a remissão que a Lei Maior expressamente faz ao instituto da delegação a pessoas privadas. É dizer: trata-se de atividades de senhorio público, por certo, porém obrigatoriamente exercidas em caráter privado (CF, art. 236, caput). Não facultativamente, como se dá, agora sim, com a prestação dos serviços públicos, desde que a opção pela via privada (que é uma via indireta) se dê por força de lei de cada pessoa federada que titularize tais atividades “registrais”;

II - cuida-se de atividades jurídicas do Estado, e não simplesmente de atividades materiais, cuja prestação é traspassada para os particulares mediante delegação (já foi assinalado). Não por conduto dos mecanismos da concessão ou da permissão, normados pelo caput do art. 175 da Constituição como instrumentos contratuais de privatização do exercício dessa atividade material (não jurídica) em que se constituem os serviços públicos;

III - a delegação que lhes timbra a funcionalidade não se traduz, por nenhuma forma, em cláusulas contratuais. Ao revés, exprime- se em estatuições unilateralmente ditadas pelo Estado, valendo-se este de comandos veiculados por leis e respectivos atos regulamentares. Mais ainda, trata-se de delegação que somente pode recair sobre pessoa natural, e não sobre uma “empresa” ou

209 STF - ADI 3643, Relator: Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, julgado em 08.11.2006, DJ 16.02.2007. RTJ v. 202 p. 111.

pessoa mercantil, visto que de empresa ou pessoa mercantil é que versa a Magna Carta Federal em tema de concessão ou permissão de serviço público;

IV - para se tornar delegatária do Poder Público, tal pessoa natural há de ganhar habilitação em concurso público de provas e títulos. Não por adjudicação em processo licitatório, regrado pela Constituição como antecedente necessário do contrato de concessão ou de permissão para o desempenho de serviço público; V - está-se a lidar com atividades estatais cujo exercício privado jaz sob a exclusiva fiscalização do Poder Judiciário, e não sob órgão ou entidade do Poder Executivo, sabido que por órgão ou entidade do Poder Executivo é que se dá a imediata fiscalização das empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. Reversamente, por órgãos do Poder Judiciário é que se marca a presença do Estado para conferir certeza e liquidez jurídica às relações interpartes, com esta conhecida diferença: o modo usual de atuação do Poder Judiciário se dá sob o signo da contenciosidade, enquanto o invariável modo de atuação das serventias extraforenses não adentra essa delicada esfera da litigiosidade entre sujeitos de direito;

VI - enfim, as atividades notariais e de registro não se inscrevem no âmbito das remuneráveis por “tarifa” ou “preço público”, mas no círculo das que se pautam por uma tabela de emolumentos, jungidos estes a normas gerais que se editam por lei necessariamente federal. Características de todo destoantes, repise- se, daquelas que são inerentes ao regime dos serviços públicos.210 Em resumo, desses seis tópicos ressaltados pelo Ministro Carlos Ayres Britto, sobre o sistema constitucional que rege a atividade notarial e registral pode-se concluir o seguinte: (i) a atividade é pública, mas seu exercício é privado, sendo esse exercício obrigatoriamente privado, não sendo facultado ao ente estatal exercê-lo diretamente, diferentemente do que ocorre com o regime dos serviços públicos; (ii) a atividade é jurídica e não material e se revela sob a atribuição da fé pública, enquanto instituto

210 STF - ADI 3643, Relator: Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, julgado em 08.11.2006, DJ 16.02.2007. RTJ v. 202 p. 111-112.

jurídico, a atos e negócios jurídicos dos particulares usuários; (iii) a outorga, para o exercício pelo particular, não se reflete em cláusulas contratuais, como ocorre com permissionários e concessionários do serviço público, mas sim por um estatuto imposto unilateralmente pelo Estado, por intermédio de leis e atos normativos; (iv) a transferência do seu exercício pelo particular dá-se sob a forma de concurso público, sempre para uma pessoa física, ao contrário dos serviços públicos, os quais são trespassados a pessoas físicas ou jurídicas – geralmente a jurídicas -, mediante licitação, pelos institutos da concessão e permissão; (v) a normatização e fiscalização da atividade dá-se pelo Poder Judiciário, responsável pela atribuição de liquidez e certeza jurídica às relações interpartes, e não pelo Poder Executivo, regulamentador e fiscalizador dos serviços públicos; e (vi) a remuneração do delegatário não se dá por tarifa ou preço público, mas pelos emolumentos, cujas normas gerais são estabelecidas por Lei Federal, e cuja tabela com os valores é fixada por Lei Estadual ou Distrital, tendo esses a natureza jurídica de taxa, e sujeitos, portanto, aos princípios e normas do Direito Tributário.

Conclui o Ministro Carlos Ayres Britto, no mesmo julgamento, a situação de notários e registradores ao afirmar que:

Numa frase, então, serviços notariais e de registro são típicas atividades estatais, mas não são serviços públicos, propriamente. Inscrevem-se, isto sim, entre as atividades tidas como função pública lato sensu, a exemplo das funções de legislação, diplomacia, defesa nacional, segurança pública, trânsito, controle externo e tantos outros cometimentos que, nem por ser de exclusivo domínio estatal, passam a se confundir com serviço público.211

3.1.3 DO ESTUDO DAS PESSOAS DE DIREITO PRIVADO DE QUE TRATA O

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