• Nenhum resultado encontrado

DO ESTUDO DAS PESSOAS DE DIREITO PRIVADO DE QUE TRATA O ARTIGO 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL:

3. DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO NOTÁRIO E DO REGISTRADOR:

3.1 DA INTERPRETAÇÃO DOS DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS A RESPEITO DA RESPONSABILIDADE DO NOTÁRIO E DO REGISTRADOR:

3.1.3 DO ESTUDO DAS PESSOAS DE DIREITO PRIVADO DE QUE TRATA O ARTIGO 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL:

Uma vez que já foi analisada neste trabalho a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público, faz-se agora um corte metodológico no artigo 37, § 6º da Constituição Federal, abaixo transcrito, para tratar somente das pessoas de direito privado:

§6º: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos [...]

211 STF - ADI 3643, Relator: Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, julgado em 08.11.2006, DJ 16.02.2007. RTJ v. 202 p. 112.

Feito esse corte, e ao olhar somente para as pessoas de direito privado, deve-se definir se dois pontos com relação à abrangência desse parágrafo.

O primeiro deles é se a expressão constitucional “as de direito privado” se restringe somente a pessoas jurídicas – assim como faz a parte inicial do artigo, ao tratar de “pessoas jurídicas de direito público” – ou se, ao revés, com relação às pessoas de direito privado, esse artigo se aplicará a quaisquer pessoas de direito privado, sejam elas físicas ou jurídicas.

E o segundo aspecto se refere a saber se, com relação às pessoas de direito privado, o parágrafo 6º do artigo 37, da Constituição Federal trata somente e de forma exclusiva, das prestadoras de serviços públicos.

3.1.3.1 ESTUDO DA EXPRESSÃO “AS DE DIREITO PRIVADO”, CONSTANTE DO ARTIGO 37, § 6º:

No que pertine à expressão “as de direito privado”, constante do §6º, do artigo 37, da Constituição Federal, demonstra-se não haver qualquer dúvida com relação à sua aplicação às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, visto que o próprio aludido parágrafo se inicia com a expressão “as pessoas jurídicas”.

Dessa forma, apresenta-se como lógico que o legislador constitucional quis abarcar, sobre um mesmo dispositivo, tanto as pessoas jurídicas de direito público, quanto as pessoas jurídicas de direito privado, desde que essas últimas sejam prestadoras de serviço público.

E essas são as hipóteses mais comuns dentro do sistema de concessões e de permissões de serviço público, as quais são outorgadas, como regra, a pessoas jurídicas.

No entanto, a dúvida surge com relação à aplicabilidade da expressão constitucional “as de direito privado” também a pessoas físicas.

Para melhor análise dessa questão é preciso ir além da semântica da redação do parágrafo §6º e partir para uma interpretação sistemática e teleológica do dispositivo.

Cabe investigar se a Constituição Federal permitiu que houvesse outorga ou contratação de pessoa física para prestar, ou ofertar serviço público.

E essa resposta é positiva. A Constituição Federal não proíbe que pessoa física venha a prestar serviço público.

Ao contrário, a própria lei que regulamentou o regime de concessão e permissão de serviços públicos, previsto no artigo 175 da Constituição Federal, Lei Federal nº 8.987/95,

dispõe, em seu artigo 2º, inciso II, quanto à concessão de serviço público, que esta se realiza: por delegação, mediante licitação, na modalidade de concorrência, a pessoa jurídica ou consórcio de empresas; todavia, o mesmo artigo 2º, em seu inciso IV, que trata da permissão de serviço público, declara que esta se faz: por delegação, a título precário, mediante licitação, a pessoa física ou jurídica.

Note-se que, tanto a concessão, quanto a permissão de serviço público estão ambas sujeitas ao procedimento de licitação, o qual, por sua vez, é regido pela Lei Federal nº 8.666/93.

A Lei Federal nº 8.666/93, por sua vez, também tem a previsão expressa, em seu artigo 6º, inciso XV, que define “contratado” como: “a pessoa física ou jurídica signatária de contrato com a Administração Pública”.

Assim sendo, conclui-se que o regime de permissão do serviço público contempla tanto as pessoas jurídicas, quanto as pessoas físicas.

Esses são indicativos de que, para a Constituição Federal, notadamente para a sujeição à responsabilidade objetiva de que trata o artigo 37, §6º, pouco importa se o prestador é pessoa física ou jurídica, sendo relevante somente o fato de ser prestador de serviço público.

Dessa forma, no que se refere a notários e registradores estes, somente pelo fato de serem pessoas físicas, e não jurídicas, não deixariam de se sujeitar ao comando do artigo 37, §6º, da Constituição Federal. Todavia, remanesce a questão da restrição do comando do artigo 37, §6º, da Magna Carta, somente aos prestadores de serviço público e enquadramento, ou não, da atividade notarial e registral na condição de serviço público.

3.1.3.2. DA RESTRIÇÃO DO COMANDO DO ARTIGO 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ÀS PRESTADORAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS:

De acordo com o que já foi estudado, apresenta-se, de forma aparentemente pacífica, que o artigo 37 da Constituição Federal - cujo caput trata de “administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” – se aplique diretamente às pessoas, físicas e jurídicas, prestadoras de serviço público, em virtude da disposição expressa.

Neste ponto, estariam enquadrados no comando do sobredito §6º, todos os concessionários e permissionários do serviço público.

No entanto, resta saber se a responsabilidade objetiva e direta estatuída no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, aplica-se apenas e tão somente às pessoas (físicas ou jurídicas) prestadoras de serviço público, ou se essa responsabilidade poderia ganhar expansão para outros particulares em colaboração com o poder público, sob outras formas de atuação estatal.

Com relação aos concessionários de obras públicas, Yussef Said CAHALI afirma que: “O dano causado por obra pública gera para a Administração a mesma responsabilidade objetiva estabelecida para os serviços públicos, porque, embora a obra seja um fato administrativo, deriva sempre de um ato administrativo de quem ordena sua execução.”212

Para a Administração, ou seja, para o Estado, essa responsabilidade decorre da primeira parte do § 6º, do artigo 37, o qual não restringe a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público à prestação de serviços públicos, deixando-a em aberto para abarcar toda e qualquer atividade pública ou estatal.

Entretanto, o que se busca conhecer aqui é a responsabilidade do particular responsável pela obra pública.

Com relação à responsabilidade pelos danos decorrentes da obra pública, Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, distingue as responsabilidades do Estado e do empreiteiro, nos seguintes termos:

Perante terceiros, a responsabilidade é do Estado e se rege pelo artigo 37, § 6º, da Constituição; o Estado responde objetivamente, mas tem direito de regresso contra aquele a quem transferiu a execução da obra ou serviço, desde que este tenha agido com culpa.213

Em outras palavras, de acordo com o raciocínio de DI PIETRO, a responsabilidade do empreiteiro seria, em princípio, subjetiva, não se aplicando a ele a responsabilidade objetiva do artigo 37, §6º, da Constituição, a qual ficaria, neste caso, restrita ao Estado.

E distingue DI PIETRO essa responsabilidade do empreiteiro, daquela responsabilidade – aqui já estudada – do concessionário ou permissionário do serviço público, ao consignar que:

212 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 332.

enquanto na empreitada a responsabilidade é objetiva do Estado, porque ele é o gestor, exercendo a atividade por meio da chamada execução indireta prevista nos artigos 6º, VIII, e 10, II, da Lei nº 8.666/93, na concessão de serviço público, a responsabilidade é objetiva da concessionária, consoante decorre do artigo 37, §6º, da Constituição, respondendo o Estado apenas subsidiariamente ou solidariamente, neste último caso se houver má escolha da concessionária ou omissão do poder de fiscalização sobre o serviço concedido.214

Vê-se, assim, que a responsabilidade do empreiteiro de obra pública perante terceiros é subjetiva, seguindo as regras de Direito Privado, diferentemente daquela do prestador de serviço público, o qual responde direta e objetivamente, pelos danos que causar a terceiros, por força do mesmo artigo 37, §6º, da Constituição Federal, o qual fundamenta a responsabilidade extracontratual do Estado.

Outra não é a opinião de Rafael MARINANGELO, o qual, por sua vez, afirma que: “na execução de obra pública por terceiro, o empreiteiro não está prestando um serviço público, tal como compreendido na literatura jurídica”215

E prossegue MARINANGELO, explicitando que:

Logo, como não presta serviço público, o empreiteiro não se submete à responsabilidade objetiva contemplada no artigo 37, §6º, da Constituição Federal, ficando a cargo do Estado o dever de indenizar objetivamente os danos causados a terceiros [...]216

Diante desses argumentos, distinções e exceções, quer se afigurar que a intenção do §6º, do artigo 37, da Constituição Federal, foi a de restringir a responsabilidade direta e objetiva, nos mesmos moldes da responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado, somente às pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos, sejam elas físicas ou jurídicas, concessionárias ou permissionárias desses mesmos serviços, não abarcando outras formas de colaboração de particulares na atuação estatal, ficando, assim, esses outros particulares em colaboração com a administração, sujeitos às normas gerais de responsabilidade civil, de acordo com as regras de Direito Privado.

214 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit. p. 332.

215 MARINANGELO, Rafael. Responsabilidade civil do Estado na execução de obras públicas. In: GUERRA, Alexandre Dartanhan de Mello; PIRES, Luis Manuel Fonseca; BENACCHIO, Marcelo (coord.).

Responsabilidade Civil do Estado. Desafios contemporâneos. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 709. 216 Idem, ibidem. p. 709.

Esta interpretação, de que o artigo 37, §6º, da Constituição Federal, no que se refere às pessoas de direito privado, restringe-se às prestadoras de serviços públicos, em conjunto com a definição, já desenvolvida neste trabalho em tópico próprio, de que as atividades notariais e registrais não se afiguram como serviço público, levam à consequência lógica de que o disposto no artigo 37, §6º, da Constituição Federal não se aplica às pessoas de notários e registradores, tendo sua aplicabilidade restrita à responsabilidade objetiva indireta do Estado, por prejuízos causados por notários e registradores, na condição de agentes públicos.

3.1.4. CRITÉRIOS PARA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS

Outline

Documentos relacionados