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DA RESPONSABILIDADE DIRETA DO ESTADO, RELATIVA À EDIÇÃO DE NORMAS REGULAMENTADORAS DA ATIVIDADE NOTARIAL E REGISTRAL:

2. RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO POR ATOS NOTARIAIS E DE REGISTRO:

2.3 RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO ESTUDO DO ARTIGO 37, §6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E HIPÓTESES DE

2.3.2 DAS HIPÓTESES DE RESPONSABILIDADE DIRETA DO ESTADO, RELACIONADAS À ATIVIDADE NOTARIAL E REGISTRAL:

2.3.2.1 DA RESPONSABILIDADE DIRETA DO ESTADO, RELATIVA À EDIÇÃO DE NORMAS REGULAMENTADORAS DA ATIVIDADE NOTARIAL E REGISTRAL:

Da distinção de atribuições, entre o ente público e o agente privado, tratada no item anterior deste trabalho, é que deverão advir as correspondentes responsabilidades, tanto para o Poder Público delegante, quanto para o particular delegatário das atividades.

Sob esse prisma, pode-se aventar que poderão ocorrer danos a terceiros, por intermédio da atividade notarial e registral que não decorram somente do exercício em si, dessas mesmas atividades, cuja execução cabe ao notário e registrador, sob o regime de direito privado.

Podem sobrevir danos cujo nexo causal não se dê propriamente com a tarefa executada pelo notário ou registrador, nos termos da legislação e regulamentação vigentes, mas sim com os próprios termos da norma a que notários e registradores estejam vinculados.

Ressalte-se que, por força do disposto no artigo 30, inciso XIV, da Lei 8.935/94, notários e registradores devem: “observar as normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente.”145 E observar, neste caso, obviamente significa cumprir estritamente as referidas normas, sem margem para discricionariedade ou voluntariedade.

Mesmo porque, nos termos do artigo 31, inciso V, da mesma Lei 8.935/94: “o descumprimento de quaisquer dos deveres descritos no art. 30”146 configura infração

144 RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de registro. São Paulo: Saraiva, 2009. p,. 135.

145 Lei 8.935/94. “Art. 30. São deveres dos notários e dos oficiais de registro: XIV - observar as normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente.”

146 Lei 8.935/94. “Art. 31. São infrações disciplinares que sujeitam os notários e os oficiais de registro às penalidades previstas nesta lei:

V - o descumprimento de quaisquer dos deveres descritos no art. 30.” XIV - observar as normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente

disciplinar que sujeita notários e registradores às penas administrativas previstas no artigo 32147 do mesmo estatuto legal, sendo a mais grave dentre elas a perda da delegação.

Dessa forma, pelos danos que, porventura, advierem da atividade notarial e registral, mas estejam relacionados com a sua normatização - imposta pelo Estado aos notários e registradores e com relação às quais os aludidos profissionais não possuem qualquer discricionariedade, restando a eles apenas observar e cumprir a norma, tal como tenha sido editada pelo Estado - por ela somente poderá responder o Estado, de forma única e exclusiva; o qual o fará sob responsabilidade direta, eis que o autor material do dano, neste caso, será o próprio Estado, editor da norma, e não o notário ou registrador, que simplesmente a cumpriu, como mero executor de um dever de ofício.

O nexo entre conduta e prejuízo, nestes casos, se dará diretamente com a lei ou com a norma, sendo responsável o seu editor, o Estado, não havendo nexo de causalidade com o executor do fato colimado, notário ou registrador, o qual não possuía qualquer discricionariedade ou voluntariedade sobre a aludida conduta, encontrando-se vinculado ao estrito cumprimento do dever legal, decorrente do estatuto normativo que a ele foi imposto no exercício de suas funções.

De acordo com o que ensina Tercio Sampaio FERRAZ JÚNIOR, a norma jurídica, segundo o critério pragmático de distinção pelo funtor, pode classificar-se em três tipos: preceptiva, proibitiva e permissiva.148

Desta classificação pode-se concluir que o ordenamento contém previsão para todas as condutas humanas logicamente possíveis, dentre as quais, uma delas, quando individualmente considerada, será necessariamente tida pelo direito como: obrigatória, permitida, ou proibida.

Neste contexto, pode-se imaginar que nas hipóteses em que notário ou registrador faça exatamente o que a norma obriga, ou deixe de fazer o que a norma veda que ele faça, e, se dessa conduta advier algum prejuízo a terceiro, esta responsabilidade deverá ser assumida direta, integral e unicamente pelo Estado, isentando notário e registrador de qualquer responsabilização.

147 Lei 8.935/94. “Art. 32. Os notários e os oficiais de registro estão sujeitos, pelas infrações que praticarem, assegurado amplo direito de defesa, às seguintes penas:

I - repreensão; II - multa;

III - suspensão por noventa dias, prorrogável por mais trinta; IV - perda da delegação.”

148 FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1995. p. 131.

Por outro lado, para atribuição da responsabilidade ao notário ou registrador restam, portanto, os seguintes casos, os quais serão mais bem estudados adiante, e sobre os quais deverá ser definido se haverá, ou não, responsabilidade, de que forma e sob qual fundamento jurídico:

a) as hipóteses em que a conduta era normativamente permitida e o notário ou registrador fez unicamente o que lhe era permitido, dentro do seu próprio juízo de prudência e razoabilidade, e veio a ocasionar um dano injusto a terceiro; b) as hipóteses em que o notário ou registrador fez o que a norma lhe proibia de

fazer, sobrevindo um dano injusto; e

c) as hipóteses em que o notário ou registrador não fez o que a norma lhe obrigava a fazer, sucedendo um dano injusto.

Com relação à responsabilidade direta do Estado, pela regulação da atividade notarial e registral, que é o objeto deste subitem, tem-se que ela guardará semelhança com a responsabilidade que a doutrina admite que seja atribuída ao ente estatal, pelos atos legislativos e regulamentares.

Maria Sylvia Zanella DI PIETRO resume a responsabilidade do Estado por atos legislativos nos seguintes termos:

Atualmente, aceita-se a responsabilidade do Estado por atos legislativos pelo menos nas seguintes hipóteses:

a) leis inconstitucionais;

b) atos normativos do Poder Executivo e de entes administrativos com função normativa, com vícios de inconstitucionalidade ou ilegalidade;

c) leis de efeitos concretos, constitucionais ou inconstitucionais; d) omissão no poder de legislar e regulamentar.149

Com efeito, se a falha na regulação da atividade notarial e registral se deu por inconstitucionalidade, ilegalidade, ou mesmo por omissão no poder regulamentar, e, relacionado a esse defeito da norma, de natureza comissiva ou omissiva, adveio um prejuízo ao particular, caberá somente ao Estado, e não ao notário ou registrador, efetuar a devida reparação.

No que pertine à omissão da norma, esta geralmente se dá em caráter de omissão genérica, a qual, no dizer de Sérgio CAVALIERI FILHO: “tem lugar nas hipóteses em que não se pode exigir do Estado uma atuação específica”150.

Especificamente com relação às normas regulamentadoras da atividade notarial e registral, Venicio Antonio de Paula SALLES, consigna que:

O Delegado não responde quando comprova que apenas cumpriu fielmente seu desiderato, posto que nesta relação jurídica (delegado e usuário) não se identifica o nexo causal, a não ser com o próprio Estado.

O notário ou registrador que cumpre adequadamente as regras e padrões orientadores não provoca danos, mas as ordens e orientações que venham a causar danos a terceiros, com o perecimento de ‘direitos’ do usuário do serviço, possibilitam a indenização em face do ente responsável pelas normas ou orientações, que é o Estado.151

Na responsabilidade direta do Estado, pela normatização advinda da atividade notarial e registral, também poderá ter lugar a teoria do risco administrativo.

De acordo com o ensinamento de Hely Lopes MEIRELLES:

A teoria do risco administrativo faz surgir a obrigação de indenizar o dano do só ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. Basta a lesão, sem o concurso do lesado. Na teoria da culpa administrativa exige-se a falta do serviço; na teoria do risco administrativo exige-se, apenas, o fato do serviço. Naquela, a culpa é presumida da falta administrativa; nesta, é inferida do fato lesivo da Administração.152

Esta noção de risco administrativo trazida por MEIRELLES, encontra a suficiente complementação, na opinião de Yussef Said CAHALI, o qual afirma que:

Com efeito, a distinção entre risco administrativo e risco integral não é ali estabelecida em função de uma distinção conceitual ou

150 CAVALIERI FILHO, Sergio. Op. cit. p. 268.

151 SALLES, Venicio Antonio de Paula. Responsabilidade civil extracontratual dos notários e registradores. In: GUERRA, Alexandre Dartanhan de Mello; PIRES, Luis Manuel Fonseca; BENACCHIO, Marcelo (coord.). Responsabilidade Civil do Estado. Desafios contemporâneos. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 1115.

ontológica entre as duas modalidades pretendidas de risco, mas simplesmente em função das consequências irrogadas a uma ou outra modalidade: o risco administrativo é qualificado pelo seu efeito de permitir a contraprova de excludente de responsabilidade, efeito que se pretende seria inadmissível se qualificado como risco integral, sem que nada seja enunciado quanto à base ou natureza da distinção.153

No mesmo sentido, Ricardo Cunha CHIMENTI entende que vigora no Brasil a responsabilidade pelo risco administrativo e consigna que:

Na teoria do risco administrativo basta a lesão, sem o concurso do lesado, para que se reconheça a responsabilidade de o Estado reparar o dano. Trata-se de uma responsabilidade objetiva mitigada, já que pode ser diminuída ou afastada se comprovada a culpa concorrente (dupla causação) ou exclusiva da vítima. Difere da teoria do risco integral, na qual sequer se permite que o Estado comprove a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização.154

Cabe aqui registrar também o trabalho de Luis Manuel Fonseca PIRES, o qual ressalta a responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado, relacionada à atividade notarial e registral, tanto nos atos comissivos quanto nos atos omissivos do Estado, consignando que:

Na jurisprudência, o entendimento prevalecente até pouco tempo era por distinguir a ação e a omissão, a primeira sob o regime jurídico da responsabilidade objetiva e a segunda sob o da responsabilidade subjetiva, é dizer, a depender de culpa ou dolo do agente público. Mas recentes entendimentos, sobretudo no STF, começam a sinalizar uma mudança de paradigma, passa-se a reconhecer – acertadamente – que a Constituição Federal não

153 CAHALI, Yussef Said. Op. cit. p. 38.

154 CHIMENTI, Ricardo Cunha. Responsabilidade civil do Estado e o Conselho Nacional de Justiça. In: GUERRA, Alexandre Dartanhan de Mello; PIRES, Luis Manuel Fonseca; BENACCHIO, Marcelo (coord.).

distingue entre ação e omissão para qualificar a responsabilidade objetiva do Estado.155156

Distingue, todavia, Luis Manuel Fonseca PIRES, que o nexo causal neste caso, deverá ser estudado de acordo com a teoria da causalidade adequada, ressaltando que:

É preciso fazer a distinção entre causa e condição, e apesar de existirem diversas condições para o implemento de certo resultado, o que importa é identificar qual delas se apresenta como a causa mais adequada.157

Sérgio CAVALIERI FILHO também entende que a responsabilidade objetiva do Estado, estatuída no art. 37, §6º, da Constituição Federal: “não se refere apenas à atividade comissiva do Estado; pelo contrário, a ação a que alude engloba tanto a conduta comissiva como omissiva.”158

Dessa forma, com relação à responsabilidade direta do Estado, relacionada à atividade notarial e registral, quanto aos atos comissivos e omissivos, entende-se que para sua configuração, deverá ser analisada a normatização e regulamentação dos serviços notariais e registrais, se esta normatização prevê algum comportamento ilegal ou se deixa de prever as cautelas que dela se espera que contenha como imperativos para a atuação dos agentes públicos, notários e registradores; e, obviamente, desde que dessa conduta, comissiva ou omissiva, seja comprovado o nexo causal com o prejuízo suportado pelo particular.

Por outro lado, com relação à omissão do Estado, ressalta-se que este trabalho entende como omissão do Estado, capaz de dar ensejo à responsabilidade direta do ente estatal, tão somente aquela relacionada à normatização; hipóteses em que a norma omissa abre um leque de possíveis condutas praticáveis, por parte de notário e registrador, os quais poderiam agir, em tese, de forma legítima, desde que observem os princípios gerais da boa fé e da razoabilidade, de uma ou de outra maneira.

2.3.2.2 DO AFASTAMENTO DA RESPONSABILIDADE DIRETA DO ESTADO,

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