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7 Formação da coisa julgada

7.3 Cognição judicial

Último aspecto a ser considerado diz respeito à qualidade da cognição desenvolvida pelo magistrado como requisito de formação da coisa julgada. A depender da amplitude da análise efetivada pelo juiz da demanda que lhe é apresentada será possível atribuir-lhe ou não o signo da indiscutibilidade.

Seguindo o claro conceito de Kazuo Watanabe, pode-se dizer que:439

A cognição é prevalentemente um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo. Assim, para que o magistrado esteja apto a proferir uma decisão judicial, deverá conhecer e avaliar os argumentos e fundamentos das partes e analisar as provas carreadas aos autos, pois este será o substrato essencial para que possa justificar adequadamente as suas conclusões. A esse exercício analítico chama-se de cognição judicial, tema por demais caro na teorização da coisa julgada.

Conforme já afirmado (Parte I, item 4.3), é possível extrair da CF/88 um claro comando de que só será possível decidir com definitividade a respeito da esfera jurídica das pessoas após uma análise profunda da demanda apresentada, antecedida de ampla participação das partes interessadas, expondo seus argumentos de maneira a influenciar na decisão final.440 Trata-se de harmonizar a coisa julgada com os cânones do Estado Constitucional.

7.3.1 Objeto e objeto litigioso do processo

Quando se trata de cognição judicial, imprescindível fazer uma diferenciação bastante útil, a fim de não se imaginar que tudo o que é conduzido ao conhecimento do juiz estará apto a ficar imunizado pela autoridade da coisa julgada. É que, na análise de uma

439 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: Perfil, 2005, p. 67.

440 MADEIRA, Dhenis Cruz. Processo de Conhecimento & Cognição: uma inserção no Estado Democrático de

demanda, são submetidas à apreciação judicial variadas espécies de questões, sejam relacionadas à sua admissibilidade, sejam atinentes ao mérito.

Quanto às questões relativas à admissibilidade da demanda, trata-se dos pontos, controvertidos ou não441, que devem ser analisados como requisito para a apreciação do seu mérito. Apresentam-se, quando controvertidos, como questões preliminares, que devem ser necessariamente superadas para que o juiz adentre a análise das questões relativas ao objeto litigioso do processo.

Estando o feito apto para ter o seu mérito apreciado, inicia o magistrado a avaliação de todos os argumentos e fundamentos trazidos pelas partes, tanto para a procedência quanto para a improcedência do pedido. Neste momento, serão avaliadas aquelas questões denominadas pela doutrina de acessórias, pois não constituem, ainda, a questão principal submetida ao Judiciário, mas que devem ser enfrentadas como uma etapa necessária ao julgamento final. Está-se diante, pois, do enfrentamento das questões de fato e de direito que servirão de fundamento para a conclusão do juiz a respeito do pedido do autor.

Ultrapassada essa etapa de definição das questões acessórias, finalmente a questão principal será enfrentada de forma coerente com os fundamentos delineados, dando o Estado a resposta ao pedido do autor, delimitado pela causa de pedir por ele exposta.

Essa breve narrativa teve o propósito de evidenciar que todas essas questões, processuais e de mérito, realmente são submetidas à cognição judicial. Contudo, apenas será objeto de decisão do juiz a questão principal, única com aptidão de formar uma norma jurídica concreta que se tornará indiscutível em futuros processos. “Em relação a todas haverá cognição (cognitio); em relação às últimas haverá também iudicium.”442-443

A partir de tal percepção, a doutrina distingue aquilo que é simplesmente objeto do processo, daquelas questões que formam o objeto litigioso do processo.444 A primeira é gênero, da qual a segunda é espécie, porquanto compõem o objeto do processo todas as

441 Como os temas relativos à admissibilidade processual são de interesse público, no mais das vezes, não

precisam ser controvertidos pelas partes para que o juiz os tenha como objeto da sua cognição.

442 DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do processo e processo de conhecimento.

14. ed. v. 1, Salvador: EDITORA JusPodivm, 2012, p. 320.

443 BARBOSA, MOREIRA, José Carlos. Item do pedido sobre o qual não houve decisão. Possibilidade de

reiteração noutro processo. Temas de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 243.

444 SANCHES, Sydney. Objeto do processo e objeto litigioso do processo. AJURIS: Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, v.6, n.16, p. 133-156, jul. 1979, p. 155.

questões que são submetidas à apreciação judicial. Entretanto, apenas fará parte do objeto litigioso do processo a questão principal, única apta a sofrer os influxos da autoridade da coisa julgada. “Em síntese, o objeto da cognição do juiz, que abrange o próprio processo, adquire uma dimensão maior que o objeto litigioso, ou thema decidendum, ou mérito, em princípio definido, irreversivelmente, como a ação material, ex vi do art. 301, § 2º.”445

A respeito dos elementos da demanda que compõem o referido objeto litigioso do processo, remete-se ao quanto foi exposto nos itens 1.7 a 1.9, relativos aos limites objetivos da coisa julgada.

7.3.2 Cognição horizontal e vertical

Se a classificação das matérias que vão ser submetidas à apreciação judicial é útil para saber sobre o que recairá a autoridade da coisa julgada, importante a definição da forma como pode ser exercida a cognição, pois a sua qualidade também é relevante para que a norma jurídica individual se torne indiscutível. Seguindo a classificação proposta por Watanabe, pode-se distinguir, de forma ampla, a cognição em dois planos, o horizontal (extensão) e o vertical (profundidade).446

Do ponto de vista horizontal, deve-se olhar para a cognição como se fosse um terreno plano, que pode ser dividido em diversas partes a partir de suas características essenciais. Assim, pode-se “fatiar” as questões submetidas ao crivo judicial, de maneira a separar os pressupostos processuais, as condições da ação e cada uma das questões de mérito. Há processos que admitem uma cognição plena, de maneira que o magistrado está apto a apreciar quaisquer questões relacionadas à demanda proposta, enquanto outros reduzem a amplitude do conhecimento do juiz, possibilitando uma cognição limitada da demanda.

No sistema processual brasileiro, a regra é que se tenha um procedimento plenário, no qual o juiz poderá analisar amplamente os contornos da relação material judicializada. Contudo, há casos excepcionais que, em razão de peculiaridades do direito material ou para conferir celeridade procedimental, opera-se uma limitação cognitiva no plano vertical, impedindo que certos temas sejam veiculados.

445 ASSIS, Araken de. Cumulação de ações. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 120. 446

Já a distinção da cognição no plano vertical leva em consideração a profundidade com que as matérias foram apreciadas pelo juiz. Se antes se referiu a uma espécie de fatiamento de um terreno plano, agora avalia-se a qualidade desse terreno, apreciando detalhadamente as suas características por meio de uma investigação vertical. Assim, sendo possível uma análise de todas as alegações e provas possíveis a respeito de cada questão apresentada ao juiz, se terá uma cognição exauriente (profunda). Por outro lado, se o juiz realiza uma análise superficial do tema, sem apreciá-lo sob todos os ângulos possíveis, está-se diante de uma cognição sumária (superficial).

Cumpre alertar, no particular, que, quando nos referimos à cognição sumária, estamos tratando da sumariedade material e não daquela simplesmente formal, caracterizada pela abreviação procedimental.447-448

Estabelecidas tais premissas, para os objetivos do presente trabalho a atenção se volta ao corte cognitivo vertical, pois só terá aptidão de formar coisa julgada uma decisão judicial sobre o mérito da demanda que tenha sido exercida de forma exauriente, ou seja, que tenha sido franqueado o exercício da ampla defesa e que o contraditório tenha sido respeitado em toda a sua amplitude. Trata-se de uma análise profunda, portanto, sob todos os anglos da questão apreciada.449

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