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Diante de sentenças declaratórias, constitutivas e condenatórias, quais

6 Coisa julgada e seu objeto (Coisa julgada sobre o que?)

6.6 Conclusões parciais

6.6.4 Diante de sentenças declaratórias, constitutivas e condenatórias, quais

declaratório?

Respeitável doutrina nacional perfilha o entendimento, ainda bastante ligado à doutrina alemã334, de que apenas o elemento declaratório da decisão será qualificado pela autoridade da coisa julgada.335 Assim, mesmo diante de uma sentença condenatória ou

329 “Em estado praticamente puro, a sentença declarativa, antes de passar em julgado, não tem nenhuma força. A

Enrico Tullio Liebman caberia o ônus de mostrar ação declarativa que tenha eficácia antes do trânsito em julgado. Depois é normal.”(PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de

Processo Civil. Tomo V: arts. 444 a 475. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 101).

330 MESQUITA, José Ignácio Botelho de. A coisa julgada. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 13-14.

331 À pergunta de Pontes, Barbosa Moreira responde serenamente: “À pergunta: ‘É concebível a eficácia da

declaração sem a eficácia da coisa julgada material?’ pode-se, de ânimo leve, responder que sim, e apontar simplesmente o cân. 1.903; ou será que, no direito canônico, as sentenças declaratórias de estado, por não adquirirem jamais a autoridade da coisa julgada, ficam desprovidas de qualquer efeito?” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Coisa julgada e declaração. Temas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 87).

332 LIEBMAN, Enrico Tullio. Efficacia ed Autorità della Sentenza. Milão: Giuffrè, 1962, p. 28.

333 Após exposição em sentido semelhante ao quanto ora perfilhado, Botelho de Mesquita conclui: “Espero que

essas reflexões contribuam para a resolução das qeustões que a prática suscita, pois, conforme se diz, nada é mais prático que uma boa doutrina.” (MESQUITA, José Ignácio Botelho de. A coisa julgada. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 19).

334 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Coisa julgada e declaração. Temas de Direito Processual, p. 81. 335 NEVES, Celso. Coisa julgada civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971, p. 443. PONTES DE

constitutiva, não será todo o comando sentencial que será dotado de indiscutibilidade em demandas futuras, mas apenas o elemento declaratório do julgado.

Barbosa Moreira336, debruçando-se sobre a doutrina de Hellwig a respeito da incidência da autoridade da coisa julgada apenas sobre o elemento declaratório do julgado, faz algumas indagações que, ao nosso entender, carecem de uma resposta satisfatória, especialmente considerando o cunho pragmático da coisa julgada em conferir estabilidade aos julgados. Questiona o autor: como explicar a impossibilidade de se postular em futuras demandas o cumprimento de um contrato, objeto de sentença transitada em julgado, que reconheceu o direito à sua invalidação (elemento declaratório) e efetivamente decretou a nulidade (elemento constitutivo)? Ora, se apenas o elemento declaratório é atingido pela autoridade da coisa julgada, seria possível defender a subsistência do contrato, sem qualquer ofensa à res iudicata. Ainda, seria possível discutir em futura demanda a ordem para a realização de uma prestação337, porquanto só estaria imunizado pela autoridade da coisa julgada reconhecimento do direito à prestação?

Não haveria distinção alguma, no tocante à extensão objetiva da coisa julgada, entre uma sentença declaratória do direito a uma prestação e uma sentença condenatória desse mesmo direito?

Razões de segurança jurídica, decorrente da estabilização das decisões judiciais, recomendam que não só o elemento declaratório do julgado fique imunizado pela autoridade da res iudicata, mas também o conteúdo constitutivo e condenatório constantes do comando judicial. A decretação da constituição ou desconstituição (sentença constitutiva), bem como a ordem para o adimplemento de determinada prestação (sentença condenatória), devem ficar imunes a futuros questionamentos, sob pena de se reduzir significativamente o raio de alcance da autoridade da coisa julgada.

Janeiro: Forense, 1999, p. 98. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Conteúdo da sentença e mérito da causa. In Sentença e coisa julgada: ensaios e pareceres. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 241-242. MITIDIERO, Daniel; MARINONI, Luiz Guilherme. Código de Processo Civil, comentado artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 446.

336 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Coisa julgada e declaração. Temas de Direito Processual. São Paulo:

Saraiva, 1977, p. 81-84.

337 “(...) o provimento condenatório contém dois momentos lógicos: enquanto o primeiro diz respeito à eficácia

meramente declaratória, o segundo refere-se à sanção executiva.”. (LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Coisa julgada, conteúdo e efeitos da sentença, sentença inconstitucional e embargos à execução contra a Fazenda Pública. Revista de Processo, São Paulo, n.141, p. 20-52, nov. 2006, p. 30).

Ademais, como é de todo evidente, a utilidade da prestação jurisdicional não está apenas no reconhecimento do direito subjetivo e, portanto, na mera declaração da sua existência, mas também na condenação e na constituição postulada pelas partes. A prestação jurisdicional não se resume à declaração de direitos, porquanto desempenha relevante função de reconhecer as consequências de tais direitos, como a constituição/desconstituição de situações jurídicas, bem como o reconhecimento da necessidade de adimplemento das prestações. Com efeito, afigura-se insuficiente conferir a proteção da coisa julgada apenas ao elemento declaratório do julgado, mostrando-se imperativa a sua extensão aos demais conteúdos. Por isso é que “a indiscutibilidade é plus que a lei, com bem conhecidos objetivos de ordem prática, imprime - como poderia deixar (e às vezes de fato deixa) de imprimir – não apenas à declaração, mas a todo conteúdo decisório da sentença.”338

Não se pode concordar, por exemplo, com a conclusão a que chegou Ovídio Baptista, partindo da premissa de que apenas o elemento declaratório ficaria revestido da indiscutibilidade gerada pela coisa julgada, no sentido de que eventuais índices de correção monetária consignados na sentença de uma demanda desapropriatória não seriam alcançados pela garantia constitucional.339 Ora, tal conteúdo do julgado faz parte do seu elemento condenatório e, por evidente, integra a norma jurídica concreta constante da parte dispositiva da decisão. É razoável não se ter segurança quanto à definição de tais índices ou, ao contrário, a própria teleologia da coisa julgada recomenda que tal elemento da decisão se torne indiscutível, conferindo segurança jurídica para as partes?

Há grande dificuldade, portanto, de entender que em nada se diferenciam os limites objetivos da coisa julgada quando proferida uma sentença declaratória de um direito a uma prestação e uma sentença condenatória desse mesmo direito. Ora, pela doutrina de Ovídio Baptista, apenas a declaração do direito à prestação se tornaria indiscutível, revelando absoluta aproximação entre os dois julgados. Com o máximo respeito, não parece adequada tal conclusão.

Com razão, portanto, Barbosa Moreira, para quem a coisa julgada pode ser identificada como a situação jurídica que proporciona a indiscutibilidade do comando

338 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Coisa julgada e declaração. Temas de Direito Processual. São Paulo:

Saraiva, 1977, p. 87.

339 SILVA, Ovídio Baptista da. Coisa julgada relativa? In: DIDIER JR., Fredie (Coord.). Relativização da coisa julgada. 2. ed. Salvador: JusPodivm 2008, p. 279.

sentencial. A coisa julgada qualifica, pois, a decisão, que passará a contar com o atributo da indiscutibilidade.340 Tal indiscutibilidade se limita ao conteúdo do julgado, não proporcionando a imutabilidade da sua eficácia e muito menos dos seus efeitos. Desta forma, não poderá juiz algum alterar tal norma jurídica concreta (comando sentencial), decidir novamente ao seu respeito (eficácia negativa da coisa julgada – ne bis in idem) ou ignorá-la no curso de outras demandas que tenham tal relação jurídica definida como premissa (eficácia positiva da coisa julgada).341-342

Por fim, importante consignar que, apesar da larga aceitação doutrinária, não se deve utilizar o termo “imutabilidade” para se referir ao efeito proporcionado pela coisa julgada, porquanto os efeitos, a eficácia e a própria norma jurídica concreta que emerge da decisão são passíveis de alterações posteriores. Com isso, se tais alterações podem ocorrer, e frequentemente ocorrem, não se está tratando de algo imutável, mas apenas de uma decisão que não pode mais ser seriamente questionada.343 Chame-se esse fenômeno de inquestionabilidade, indecidibilidade, incontestabilidade, incontrovertibilidade, mas de imutabilidade não se trata.344-345

340 Isso explica a afirmação de que “não há confundir res iudicata com auctoritas rei iudicatae.” (BARBOSA

MOREIRA, José Carlos. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista dos Tribunais. São Paulo, n. 416, p. 09-17, 1970, p.16.)

341 Nos primórdios do direito romano, só se fazia presente a função negativa, porquanto a litiscontestatio

consumia o direito alegado em juízo, proporcionando verdadeira novação. Assim, aquele direito não poderia mais ser discutido pelo fato de ele não mais existir, mesmo que ainda não tivesse recebido um julgamento definitivo pelo juiz privado. (ESTELLITA, Guilherme. Da cousa julgada. Rio de Janeiro, 1936, p. 19-20). “Assim, é correto afirmar que o efeito positivo está mais ligado à absorção de conteúdo e o efeito negativo ao impedimento de uma atividade.” (CABRAL, Antonio do Passo. Coisa julgada e preclusões dinâmicas: Entre continuidade, mudança e transição de posições processuais estáveis. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 95).

342

A teorização dessa dupla eficácia é atribuída a Keller, in Ueber Litis-Contestation und Urteil, Zurique, 1927, p. 222 e segs. Apud. LIEBMAN, Enrico Tullio. Efficacia ed Autorità della Sentenza. Milão: Giuffrè, 1962, p. 42. Desta teoria, discorda Liebman, para quem a função positiva da coisa julgada nada mais é do que simplesmente a eficácia natural da sentença. (LIEBMAN, Enrico Tullio. Efficacia ed Autorità della Sentenza. Milão: Giuffrè, 1962, p. 44).

343 Em sentido próximo às ideias do texto: MITIDIERO, Daniel. Coisa julgada, limites objetivos e eficácia preclusiva. Introdução ao Estudo do Processo Civil – primeiras linhas de um paradigma emergente. Porto

Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2004, p. 198. ASSIS, Araken de. Eficácia civil da sentença penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 152.

344 “Preferimos, na esteira de Araken de Assis (ASSIS, Araken. Eficácia civil da sentença penal. 2. ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 152), cogitarmos de indiscutibilidade à imutabilidade.” (MITIDIERO, Daniel. Coisa julgada, limites objetivos e eficácia preclusiva. Introdução ao Estudo do Processo Civil... p. 198).

345

Não obstante tais lições, Barbosa Moreira pontua que: “A definição do art. 467 do Código de Processo Civil alude sucessivamente à imutabilidade e à indiscutibilidade da sentença trânsita em julgado. A rigor, bastaria aludir à imutabilidade, da qual, como já acentuamos noutros trabalhos (...), a indiscutibilidade constitui mera consequência: preexclui-se nova discussão porque não se poderia mudar o que fora decidido, e em tais condições discutir seria perder tempo e desperdiçar energias.” (BARBOSA MOREIRA. Considerações sobre a chamada

A ideia de imutabilidade poderá ser utilizada quanto ao efeito proporcionado pelo trânsito em julgado, pois aqui realmente se tem a impossibilidade de alteração do ato sentencial. Nesse sentido, Liebman:346

Ma l’autorità della cosa giudicata non consiste nemmeno nella immutabilità della sentenza, che significa soltanto preclusione dei gravami, “divieto a qualunque giudice di gravame di tornar a decidere la lite già decisa”, e protegge quindi la sentenza nella sola sua esistenza formale di atto che essa rende non più attaccabile nel corso dello stesso processo dinanzi a un giudice di controllo e quindi non più esposto al pericolo di essere dal medesimo annullato o riformato.

Assim, se o ato sentencial, enquanto elemento formal do julgado, realmente se tornará imutável com o trânsito em julgado, à norma jurídica concreta que emerge de tal ato não pode ser atribuída tal característica, pois as partes, de comum acordo, podem a qualquer momento alterá-la e passar a conduzir suas vidas como se aquela sentença jamais tivesse sido pronunciada.

6.7 Limites objetivos da coisa julgada

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