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Coisa julgada: decisão de mérito, sob cognição exauriente, transitada em julgado

7 Formação da coisa julgada

7.4 Coisa julgada: decisão de mérito, sob cognição exauriente, transitada em julgado

Em nota conclusiva a este importante capítulo, que versou sobre a formação dessa situação jurídica denominada de coisa julgada, são estabelecidas as premissas do nosso pensamento a respeito de conceitos e noções cruciais para que se possa precisar quais os requisitos necessários para tanto.

Assim, só poderão ser atingidas pela indiscutibilidade decorrente da coisa julgada as decisões de mérito, proferidas sob cognição exauriente, que tenham transitado em julgado. Sem tais requisitos, não se pode falar de coisa julgada. Presentes esses elementos, é vedada a rediscussão da norma jurídica individual consignada na parte dispositiva da decisão judicial.

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A exemplo do mandado de segurança e demandas processadas no juizado especial.

448 O ponto é muito bem exposto por Alvaro de Oliveira, a partir das lições de Briegleb (1859): ALVARO DE

OLIVEIRA, Carlos Alberto. Perfil dogmático da tutela de urgência. Revista da Ajuris. Porto Alegre, n. 70, p. 214-239, 1997, p. 231-233.

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8 Conclusões do capítulo

a) O estudo tem por proposta harmonizar a teoria da coisa julgada e a teoria dos precedentes. Investiga-se se a definição ou a alteração dos precedentes das cortes superiores podem ser identificadas como mutação das circunstâncias jurídicas, apta a fazer cessar prospectivamente a eficácia da coisa julgada que incide sobre uma relação jurídica de trato continuado. Ou seja, se é possível que fatos futuros sejam reapreciados judicialmente, sem o óbice da coisa julgada, diante da definição/alteração dos precedentes dos tribunais superiores.

i. Não é foco da pesquisa a supressão da eficácia executiva dos julgados fundados em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou fundados em aplicação ou interpretação tidas como incompatíveis com a Constituição Federal pela Corte Suprema (art. 475-L, § 1o, e 741, parágrafo único, do CPC).

ii. Igualmente não se analisarão as diversas teorias que visam a desconstituir, por meios atípicos, a coisa julgada, ou seja, que intentam conferir eficácia ex tunc às decisões das cortes superiores proferidas após o caso estar definitivamente julgado.

b) A segurança jurídica, subprincípio concretizador do Estado de Direito, constitui um direito fundamental constitucionalmente previsto. Concretiza-se por meio de três dimensões: cognoscibilidade, confiança e calculabilidade. A sociedade precisa conhecer com precisão o conteúdo do Direito vigente, confiar que os atos praticados em sua observância serão respeitados e poder prever de forma segura as consequências dos seus atos.

c) A coisa julgada constitui uma técnica processual utilizada pelo legislador para conferir segurança jurídica. Trata-se de um dos instrumentos jurídicos previstos constitucionalmente com o objetivo de proporcionar estabilidade às decisões proferidas pelo Estado.

d) A coisa julgada não constitui “opção” política decorrente de mera conveniência legislativa, pois se trata de um imperativo, verdadeiro elemento ontológico, do Estado Constitucional. Não é concebível, sob pena de aviltamento da própria dignidade humana, um sistema jurídico em que o Estado, por meio do Judiciário, assume para si a tarefa de dar a última palavra sobre os conflitos sociais e que essa “derradeira manifestação” possa ser revolvida a qualquer tempo.

e) Apesar de a coisa julgada ser um dos mais relevantes instrumentos de estabilização social, em situações excepcionais, será possível a sua revisão, desde que operada dentro dos parâmetros constitucionais.

f) A coisa julgada visa, primordialmente, a: a) proporcionar coerência ao sistema; b) viabilizar o discurso jurídico; c) conferir cognoscibilidade ao direito; d) possibilitar calculabilidade das relações jurídicas; e) imprimir o sentimento de confiança nos cidadãos e; f) garantir o desenvolvimento social e econômico da nação.

g) A partir da consagração constitucional de proteção à coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da CF/88), é possível extrair as seguintes consequências:

i. A norma jurídica que se extrai da disposição constitucional confere proteção à coisa julgada, seja como situação jurídica concreta ou como instituto jurídico, seja em relação ao legislador ou em relação aos operadores do Direito.

ii. Delineia-se no art. 5º, XXXVI, da CF/88 uma regra constitucional de proteção da coisa julgada, não podendo ser identificada como uma norma princípio.

iii. É requisito constitucional para a formação da coisa julgada a cognição exauriente (vertical), pois o signo da incontestabilidade depende, à luz dos contornos constitucionais, da ampla possibilidade de participação dos interessados na formação da norma jurídica concreta, bem como da profunda análise pelo Poder Judiciário dos argumentos e fundamentos relevantes apresentados pelas partes. A partir de tal conclusão, podem-se extrair duas ordens de proibições ao legislador ordinário:

 Proibição de atribuição, pois não pode o legislador atribuir a qualidade de incontestável a decisões que não sejam de mérito e proferidas sob cognição exauriente.

 Proibição de exclusão, pois também é vedado ao legislador, diante de uma decisão de mérito proferida sob idênticas condições, excluir a sua aptidão de alcançar a incontestabilidade. Proibido está, portanto, de imunizar tais decisões com o manto da coisa julgada.

iv) É possível depreender duas ordens de limitações à desconstituição da coisa julgada estabelecidas no texto constitucional:

 limitação formal, relativa ao instrumento adequado para a revisão da decisão revestida da sua autoridade e a competência para tal;  limitação substancial, que corresponde ao âmbito de atuação do

legislador ordinário para estipular as hipóteses em que será cabível tal revisão.

h) A coisa julgada é um instituto de natureza processual, que proporciona a indiscutibilidade do comando sentencial, fundamento que impede o questionamento da norma jurídica individual em processo posterior.

i) Uma definição lógico-jurídica da coisa julgada pode ser assim delineada: situação jurídica consistente no mais elevado grau de indiscutibilidade da norma jurídica concreta que emerge do conteúdo de um pronunciamento estatal, impedindo novos questionamentos e devendo ser tomada como premissa para solução de futuros litígios. Qualifica, pois, o ato revestido da sua autoridade, que deixa de ser instável e passa a gozar de estabilidade.

j) A coisa julgada não é (mais) um efeito da sentença, que se coloca ao lado dos efeitos declaratório, constitutivo e condenatório.

k) Trata-se, porém, de um efeito jurídico decorrente de um fato jurídico composto, formado por três elementos: a) decisão judicial de mérito (a “coisa” precisa ser julgada); b) trânsito em julgado; c) cognição exauriente. A esse efeito jurídico dá-se o nome de coisa julgada.

l) Uma vez formada a coisa julgada, tal efeito jurídico passa a constituir fato jurídico propulsor de outros efeitos, identificados pela doutrina como efeitos negativo, positivo e preclusivo.

m) A coisa julgada não imuniza os efeitos ou a eficácia do julgado, incidindo apenas sobre o seu conteúdo e estabilizando a norma jurídica concreta que emerge da parte dispositiva da decisão.

n) Com isso, incorreto afirmar que a modificação dos efeitos produzidos por uma decisão transitada em julgado, bem como a supressão da eficácia executiva de tal decisum consubstanciam ofensa à res iudicata.

o) A imperatividade da decisão não se confunde com a sua indiscutibilidade, sendo possível a existência de julgado imperativo sem ser indiscutível, bem como de uma decisão indiscutível, sem a marca da imperatividade.

p) A coisa julgada não se confunde com o efeito declaratório da sentença. Mesmo as sentenças meramente declaratórias podem ser imperativas sem ainda serem indiscutíveis.

q) Razões de segurança jurídica recomendam que não só o elemento declaratório do julgado fique imunizado pela autoridade da res iudicata, mas também o conteúdo constitutivo e condenatório constantes do comando judicial.

r) Apesar da larga aceitação doutrinária, não se deve utilizar o termo imutabilidade para se referir ao efeito proporcionado pela coisa julgada, porquanto os efeitos, a eficácia e a própria norma jurídica concreta que emerge da decisão são passíveis de alterações posteriores. Com isso, se tais alterações podem ocorrer, e frequentemente ocorrem, não se está tratando de algo imutável, mas apenas de uma decisão que não pode mais ser seriamente questionada. Chame-se esse fenômeno de inquestionabilidade, indecidibilidade, incontestabilidade, incontrovertibilidade, mas de imutabilidade não se trata.

s) Os limites objetivos da coisa julgada devem se circunscrever ao mérito da demanda. Apesar de serem conduzidas à apreciação judicial inúmeras questões que compõem o objeto do processo, apenas o seu objeto litigioso constituirá o mérito, sendo composto pelo pedido e pela causa de pedir.

t) Apesar de os limites objetivos da coisa julgada se circunscreverem à parte dispositiva da decisão, a motivação constitui substrato fundamental à sua compreensão e ao seu alcance.

u) Também indispensável para traçar a limitação objetiva da coisa julgada a causa de pedir formulada, porquanto apenas sobre ela recairá a indiscutibilidade, sendo possível ampla discussão judicial sobre causas de pedir diversas.

v) Por consequência, a eficácia preclusiva da coisa julgada não alcança causas de pedir estranhas àquela declinada em juízo.

w) Só poderão ser atingidas pela indiscutibilidade decorrente da coisa julgada as decisões de mérito, proferidas sob cognição exauriente, que tenham transitado em julgado. Sem tais requisitos, não se pode falar em coisa julgada. Presentes esses elementos, é vedada a rediscussão da norma jurídica individual consignada na parte dispositiva da decisão judicial.

x) Propõe-se uma distinção entre os conceitos de preclusão, trânsito em julgado e coisa julgada.

y) A ideia de coisa julgada formal é cientificamente inconveniente, seja porque quer expressar exatamente o mesmo fenômeno que é definido como trânsito em julgado, seja por dar margem ao enfraquecimento do termo coisa julgada, pois, se não adjetivado, deixará o operador do direito sem saber ao certo do que se pretende tratar.

z) A “coisa julgada secundum eventum probationis” nada mais é do que a subtração da presunção de inocorrência dos fatos constitutivos não provados, impedindo que se exerça cognição exauriente a respeito da relação jurídica conduzida ao Judiciário. Sem a cognição exauriente, falta um dos requisitos fundamentais à incontestabilidade do julgado.

PARTE II

COISA JULGADA NO TEMPO (COISA JULGADA ATÉ QUANDO?)

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